1. A grande preocupação da Igreja, ao longo dos tempos, é contribuir para o mundo novo, um mundo onde reine a justiça, o amor e a paz. Assim sendo, ao cristão não compete apenas preocupar-se com a sua espiritualidade, a sua oração, a sua relação com Deus. O cristão deve estar ao serviço do mundo para o transformar. Na conversa de Jesus com Nicodemos lê-se que: “Deus amou de tal forma o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito” (Jo 3, 16) e acrescenta-se que “Jesus não veio para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo” (Jo 3, 17). O Papa Francisco convida constantemente à oração, fala da importância do Pai Nosso, pede para viver com a maior exigência a Eucaristia, mas considera que esta dimensão espiritual é um apoio fundamental para a vida cristã, mas não o seu paradigma. O objectivo do cristão, porém, está no amor, através do qual o mundo inteiro pode ser transformado. Não foi por acaso que o Papa Paulo VI, referindo-se ao testemunho cristão, afirmou que ele consiste no acolhimento e compreensão de todos os outros, e na solidariedade para com os mais pobres (EN 21). Também o Papa Francisco no último Natal e no Dia Mundial da Paz, na sua visita pastoral ao Chile e ao Perú, a quem é que se dirige? É exactamente àqueles que mais precisam e que esperam alguma coisa da Igreja, já que são ignorados por todos os outros. 

. O Papa Francisco privilegia sempre os mais pobres, os sem-abrigo, os que estão presos, os que estão sozinhos. 

. O Papa Francisco convida a humanidade a olhar para os imigrantes e os refugiados, acolhendo-os, protegendo-os, promovendo-os e integrando-os na sociedade. 

. Francisco, no Chile, quis ser solidário com as vítimas de Pinochet e as suas famílias. Poderiam estar esquecidas mas o Papa relembrou a sua história de sofrimento no brutal tempo da ditadura. 

. No Peru, Francisco recordou o drama da Amazónia, o pulmão ecológico do ambiente, sem esquecer as comunidades indígenas, ignoradas de todos. 

. Em todas as viagens foi pedindo perdão às vítimas de abusos, cometidos até por responsáveis da Igreja. Sentiu-se envergonhado.

Esta intervenção do Papa para com os que mais sofrem revela a responsabilidade da Igreja em olhar para o mundo e tudo fazer para que seja salvo. Repor a justiça, ser solidário com os excluídos, realizar obras de misericórdia e de partilha, lutar pela liberdade de cada ser humano, tudo é missão do cristão no seu ambiente, o seu pequeno mundo.

2. O Concílio Vaticano II, há mais de 50 anos, não acabou sem um documento notável sobre a acção da Igreja no mundo. É a Gaudium et Spes, constituição conciliar da maior actualidade. O cristão, em todas as circunstâncias, tem o dever de respeitar e promover a dignidade humana, a atenção ao outro, seja ele quem for, a relação salvífica que liberta de todo o mal. No encontro com o outro, o cristão promove a comunidade humana em que todos se aceitam, todos se ajudam, todos se amam, em verdadeira atitude fraterna. Finalmente, o cristão tem de contribuir para a actividade humana com o trabalho que tem, como único objectivo, promover o bem comum. O trabalho realiza a pessoa, mas é muito mais do que isso, é contribuição para o bem de todos. Tratar da ordem temporal é para os cristãos um desafio nas diversas situações da vida. 

. Na família, constitui-se a felicidade de todos através do amor, da fecundidade generosa, da educação exigente, do acompanhamento dos mais velhos, para a verdadeira felicidade de todos. 

. Na vida cultural, definem-se os valores que deverão acompanhar todas as manifestações vividas em sociedade. Estes valores são a verdade, a justiça, o amor, a liberdade e a paz. É com eles que se transforma o mundo. 

.Na vida económico-social, o cristão administra os seus bens tendo em consideração, para além dos interesses pessoais, as extraordinárias ajudas que pode dar aos outros, mais necessitados. Não é só a Igreja, enquanto tal, que tem responsabilidades sociais. Cada cristão tem o dever de ir ao encontro dos mais pobres, dos que mais sofrem, repartindo com eles alguns dos seus valores. Já com razão Tiago dizia que “a fé sem obras é morta” (Tg 2, 17). 

. Na vida política, não se pode ser indiferente. O cristão deve ter em conta os grandes valores da democracia, da dignidade e liberdade humanas, a solidariedade social e a luta constante pelo bem comum. Ao mesmo tempo, exige-se-lhe a sensibilidade ética que o leve a intervir sempre que seja chamado a uma participação activa. 

. Na procura da paz, o cristão é objecto da reconciliação, vive em paz com todos e procura fazer a paz entre todos. É preciso, porém, ter consciência de que a paz não se vive só entre as nações. No pequeno mundo de cada um, é essencial ser agente de reconciliação e de paz.

Seguindo estas linhas de acção do Vaticano II, os cristãos estão ao serviço do mundo, enfrentam a realidade, denunciam, projectam, organizam-se e transformam a sociedade segundo os valores do Evangelho.

3. Não é difícil aceitar que a Igreja tem uma missão no mundo em que vivemos. Os últimos Papas, desde João XXIII, têm sido muito claros quer nas suas mensagens, quer, sobretudo, nas suas intervenções aquando das viagens pastorais que têm realizado. É preciso, porém, ter consciência de que a responsabilidade pela transformação do mundo não está apenas nas palavras e nos gestos dos Papas. Também não são suficientes as denúncias e propostas dos Bispos. Qualquer cristão tem de assumir-se agente da transformação do seu mundo. Na Igreja há algumas preocupações dominantes que qualquer cristão tem de assumir: 

. Na relação com os mais pobres – como na parábola do samaritano é preciso ver o homem caído na estrada, parar, aproximar-se dele e cuidá-lo. 

. Na relação social – como no diálogo com Zaqueu, é necessário levantar o olhar para aquele que quer ver, chamá-lo, entrar na sua casa e ajudá-lo a descobrir o caminho a seguir. 

. Na actividade profissional – como na parábola dos talentos, é essencial aceitar os dons de Deus e pô-los a render da melhor forma para o bem comum e, depois, esperar do Senhor todas as exigências que Ele lhe faça. 

. Na intervenção política – como Jesus foi claro com os fariseus dizendo-lhes, “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21), é urgente responder aos apelos do mundo e não se ficar apenas em atitudes de oração. Para isso o cristão sobrepõe o Evangelho às ideologias, é fiel aos grandes valores vividos por Jesus Cristo e aceita o serviço público quando lhe é pedido.

Não é nada fácil ser cristão no mundo, mas seria um erro que alguém se refugiasse numa espiritualidade alheia às realidades temporais.

4. No Tempo Comum a liturgia faz-nos desafios extraordinários. Vamos pedir ao Senhor que nos permita entendê-los e vivê-los.

P. Vítor Feytor Pinto