QUANDO O SOFRIMENTO BATE À PORTA – 18 de Outubro de 2015

1. O sofrimento faz parte da vida humana. Pode ser um sofrimento físico, vulgarmente chamado “dor”, pode ser um sofrimento moral, causado por uma situação difícil, pode ser um sofrimento “global” que afecta todos os aspectos da vida. Sofre-se ao nascer, o que leva aos cuidados necessários com a criança que acaba de chegar à luz da vida. Sofre-se pelas mais diversas razões no longo percurso da vida. Ao chegar à etapa final, com o envelhecimento e a proximidade da morte, o sofrimento torna-se cada vez mais intenso, na dor que magoa e na angústia que é sempre maior. Poderá perguntar-se: qual a visão que se tem do sofrimento?

. Na leitura do Livro da Criação, o Genesis, o sofrimento é sempre um castigo de Deus. Disse Deus ao homem; “comerás o pão com o suor do teu rosto”(Gn 3,19) e à mulher´: “será no sofrimento que darás à luz os teus filhos” (cf Gn 3,16). Depois, ao longo do Antigo Testamento, a narrativa descreve os castigos de Deus, causadores dos maiores tormentos. Vale que Deus é lento para a ira e rico em misericórdia (Slm 103).

. Quem conhece a natureza humana, sabe que ela não é perfeita. Os normais problemas do crescimento ou do envelhecimento, bem como o universo das relações humanas, todas estas situações têm tempos de dor e de sofrimento.

. O sofrimento pode também ser visto como caminho de santidade, na comunhão profunda com a dor de Jesus Cristo, na sua paixão e morte na cruz. Inúmeros santos ofereceram o seu sofrimento pela conversão dos pecadores, pelas grandes intenções da Igreja, por situações concretas vividas no mundo e que exigem, na oração, uma “interpelação do Céu”. A oferta do sofrimento, em comunhão com Cristo, pode “forçar” Deus a vir em auxílio da humanidade.  

Estas três maneiras de ver o sofrimento completam-se entre si. Não sendo um castigo, pode tornar-se uma oportunidade de “acordar”, permitindo ao homem descobrir caminhos de mudança de vida. Sendo um limite da natureza, desafia constantemente a ciência para descobrir a melhor forma de vencer as normais dificuldades humanas. Sendo oferenda associada aos méritos de Cristo, torna-se obra de redenção e salvação.

2. No mundo em que vivemos, com situações das mais diversas, pode dizer-se que há muitas situações geradoras de sofrimento. Cada um sente, à sua maneira, os problemas deste tempo. Numa sociedade globalizada, com uma informação imediata sobre os acontecimentos, com o sentido de responsabilidade dos cidadãos e a iniciação da cultura no essencial, é fácil discernir sobre quais são as causas do sofrimento.

. A crise económico-social dá origem a inúmeros problemas, nas pessoas e nas famílias. O desemprego, o baixo salário, a falta de casa, o empobrecimento, tudo isto atinge milhares e milhares de pessoas.

 . Os conflitos internacionais são geradores de multidões que se deslocam à procura de espaço onde possam viver, educar os filhos, realizar-se profissionalmente e contribuir para o bem comum. O caso dos refugiados e dos emigrantes causam um sofrimento generalizado.

. A organização da sociedade provoca muitas vezes a solidão. Há crianças e idosos abandonados no silêncio das suas casas. Há casais e jovens que se sentem sós no meio de muita gente. Há profissionais, gestores e trabalhadores que são postos à margem nos seus lugares de emprego. É a solidão generalizada.

. Os hospitais e as clínicas estão cheios de pessoas que foram apanhadas por uma enfermidade. Cada um destes doentes espera com ansiedade o diagnóstico e o prognóstico e, também, a complexidade da terapia que lhe é proposta e tem de cumprir.

. No interior de cada um há ainda o sofrimento espiritual, motivado pelas dúvidas, as hesitações, os complexos de culpa, os medos, a sensação de abandono, a falta de serenidade e de paz, tudo isto que põe em questão os bens adquiridos na fé cristã e na relação com Deus.  

Estas e muitas outras são as razões do sofrimento humano. Cada um conhece o seu e tenta encontrar a razão dele, tendo sempre dificuldade em dar-lhe um sentido. A tentação permanente é a revolta; a proposta cristã é a aceitação.

3. Como reagir ao sofrimento é o desafio que é feito a cada cristão. Há imensas pessoas que, perante uma doença, a morte de um filho, a perda de um emprego, um salário difícil, logo dizem: “mas que mal fiz eu a Deus?”. Atribuem-se a Deus coisas negativas da vida, como se Deus quisesse o mal de alguém. Deus é pai, Deus é amor, só pode querer o bem. O mal acontece por causa dos limites físicos, psicológicos ou sociais da natureza humana. Então, é preciso descobrir porque acontece tanto sofrimento e, depois, tentar superá-lo no próprio projecto de vida. Em vez da revolta, da perda de fé, do desapego de Deus, exige-se descobrir uma nova atitude.

A primeira coisa a fazer é procurar discernir sobre o “diagnóstico” seguro da situação que está a viver-se, isto é, saber a causa do sofrimento.

. Depois, deverá procurar-se “aliviar” o sofrimento. Se para a dor física os cuidados paliativos bastam, o sofrimento psicológico e espiritual pedem uma atenção maior. Neste último caso, o descanso, o diálogo oportuno e a oração podem ter lugar.

. Não se pode perder o sentido do sofrimento razoavelmente aceite. A dor pode permitir o despiste da situação que se está a viver. A dor pode ser positiva. Às vezes o sofrimento transforma-se num convite à mudança de atitudes.

. O sofrimento também pode ser oferecido como remissão pelos próprios pecados. Em comunhão com o sofrimento de Jesus, a oferta pode dar-se também tendo como objectivo a redenção de toda a humanidade. Foi assim que fizeram muitos santos.

.A intercessão através do sofrimento tem sido uma constante na vida dos doentes. Quantos, sobretudo os mártires, oferecem os seus sofrimentos em profunda comunhão com a acção redentora e salvífica de Cristo.

 É mesmo importante aprender a viver o sofrimento. A oração e a união ao mistério redentor da paixão de Cristo constituem um extraordinário controle da dor, porque lhe dão sentido.

4. Na encíclica de Bento XVI “Spe Salvi” fala-se nos sinais de esperança. O sofrimento é um deles. Esta realidade, a que João Paulo II chamou a dor que salva, Salvifici Doloris, exige atitudes pastorais:

. Evitar o sofrimento – ninguém pode causar sofrimento aos outros. Muitas acções irreflectidas geram dores completamente evitáveis. Os outros têm direito a ser respeitados e amados.

. Aceitar o sofrimento quando ele bate à porta – saber viver o sofrimento não consiste na resignação mas na confiança de que a alegria e a paz irão chegar.

. Aprender a transformar o sofrimento em oração – oferecê-lo pelos outros, é uma expressão de ternura e de misericórdia para com todos. Os doentes têm muitas vezes esta maravilhosa missão de transformar o sofrimento em dádiva espiritual. Os cursilhos de cristandade chamam-lhe “intendência”.

. Ir ao encontro dos que estão em sofrimento – fazer-lhes companhia é um extraordinário acto de amor. É frequente, quando se visita uma pessoa com dores, ouvir-se esta afirmação de ternura: “contigo aqui até as dores me passaram”. Uma presença de simpatia e de amor é alívio para o sofrimento.

. A organização da caridade na comunidade paroquial – pede-se, por isso, a oferta de cristãos que possam ir ao encontro de pessoas em sofrimento, pessoas essas que esperam sempre da Igreja actos de amor e superação das suas dificuldades.  

O sofrimento chegou à rua, está perto de todos, e só o amor poderá vencer a angústia de muitos. Estar com as pessoas em sofrimento é um serviço de extraordinária beleza. Está ao alcance de cada um realizá-lo.

Pe. Feítor Feytor Pinto - Prior

 

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