Desejo que a esmola se torne um verdadeiro estilo de vida para todos.
Papa Francisco 

A esmola é, juntamente com o jejum e a oração, um dos instrumentos apontados pela Palavra de Deus da Quarta-feira de Cinzas que podemos usar para bem fazer esta caminhada espiritual que nos conduzirá à vida nova da Páscoa. São gestos muito concretos que Jesus nos propõe, para viver com a maior discrição, que nos impedem de ficarmos só nas belas reflexões e numa espiritualidade que não passe das ideias à prática. O amor precisa de ser sentido, mas prova-se ao ser praticado.

Quando falamos de esmola, falamos de quê? É muito claro que, primeiramente, falamos da partilha do que temos, dos nossos bens materiais, os acessórios e supérfluos, mas também, numa proposta mais radical e muito mais bonita, dos bens a que renunciamos, de que nos privamos, que nos fariam falta. É o ‘dar até doer’ que moveu a Madre Teresa de Calcutá.

Mas este acto de dar esmola resume-se apenas à partilha dos bens? Ele não terá, como um pressuposto imprescindível, o imperativo de nos darmos a nós mesmos? Se dar esmola é um acto de verdadeira caridade – de amor – ele não pode ficar limitado à entrega de uma ‘coisa’. Tem de ir mais longe.

Hoje, gostaria que considerássemos a necessidade de dar esmola do nosso tempo. Não somente do tempo que nos sobra, que será pouco, mas do tempo que ganhamos ao renunciar a algumas ocupações para podermos privilegiar outras, mais prioritárias e valiosas.

Penso que todos conhecemos aquela história da criança que entra no escritório do pai, que trouxe trabalho para casa, e lhe pergunta quando é que ele ganha numa hora. O pai, impaciente, lá responde que recebe quinze euros por hora e o filho aproveita para lhe pedir sete euros emprestados. Pensando que toda aquela conversa era apenas uma distração para lhe pedir dinheiro, o pai mostra-se um pouco irritado mas resolve emprestá-lo por não ter muita disponibilidade para lidar com o assunto. O filho, com os sete euros na mão, corre para o mealheiro, retira o que lá tinha guardado e volta ao escritório do pai para lhe dizer: “Pai, agora que tenho 15 euros, posso comprar uma hora do teu tempo?”

A nossa família, os nossos filhos, precisam do bem-estar que, com o esforço do nosso trabalho, lhes conseguimos proporcionar, mas tudo isso terá pouco valor se não for complementado com a presença, o acompanhamento, o afecto que só o tempo de qualidade passado juntos pode proporcionar. Era assim que nos ensinava Saint-Exupéry, no seu imortal O Principezinho: “Foi o tempo que eu gastei com a minha rosa que a tornou única no mundo!” É muito urgente que aprendamos a fazer estas renúncias, de forma consciente, sem as deixar ao acaso, ou reféns das circunstâncias: isto exige opções claras.

O exemplo que dei fala do tempo dado pelos pais aos filhos, mas não devemos esquecer o movimento contrário. Há uns tempos as notícias chocaram-nos com a evidência de que muitos idosos são esquecidos por todos, chegando a morrer sem que ninguém dê por isso, a não ser muito tempo depois. Termos conhecimento disso alterou, automaticamente, a realidade? Talvez não… Contaram-me também que, numa residência sénior, onde o máximo conforto é proporcionado aos que lá vivem, um idoso espera dias a fio pela visita do filho que, em dia de pagamento, se dirige à instituição e entra na recepção para pagar, sem sequer desligar o carro, arranjando sempre uma desculpa para não ter de visitar o pai. Talvez nunca tenha tempo. Ou podemos também referir os avós, para quem os netos, à medida que crescem, nunca têm tempo, nem para visitar, nem para telefonar, deixando passar meses entre as visitas.

Penso que assim vai ficando claro o que quero dizer com o dar esmola do nosso tempo. Não falo da esmola como uma realidade negativa, em que se perde alguma coisa, mas como uma realidade positiva em que ganho a oportunidade de me dar. Nós damos esmola porque os outros precisam do que damos, mas é muito importante não esquecermos que nós precisamos de dar, de dar-nos.

Esta esmola do nosso tempo começa, obviamente, nos núcleos fundamentais das nossas relações – é sempre assim no Cristianismo – mas ela pode estender-se, como os círculos concêntricos formados pelas pedras atiradas à água, às realidades com que nos deparamos no nosso dia-a-dia, aos projectos de voluntariado e de caridade organizada, à boa vizinhança, a tudo o que a criatividade do amor fizer surgir como possibilidade. É preciso estarmos disponíveis para renunciar, porque só assim teremos disponibilidade para dar, para nos darmos.

E, desta forma, a esmola do nosso tempo pode tornar-se numa forma de estar no mundo, num verdadeiro estilo de vida, pondo-nos ao serviço dos outros, criando uma verdadeira rede de amor. É uma troca, como um investimento de capitais, e estou seguro de que os lucros produzidos (porque o lucro não se traduz só em ganhos financeiros), ultrapassarão em muito o investimento inicial.

Santa Quaresma!
P. Hugo Gonçalves