A certeza de que é preciso mudar alguma coisa
No dia 8 de Dezembro de 2016, o Senhor Cardeal-Patriarca, D. Manuel Clemente, publicava um documento de incontornável importância para o futuro da Igreja na nossa Diocese: a Constituição Sinodal de Lisboa. Talvez nos escape o real alcance deste acontecimento, mas se lembrarmos que o último Sínodo em Lisboa tinha sido em 1640, talvez fique mais fácil perceber que não se tratou apenas de mais uma reunião, nem de mais um documento, entre os muitos que vão surgindo. Não podemos ignorá-lo!
A Igreja de Lisboa – bispos, presbíteros, religiosas e religiosos, homens e mulheres das famílias, do mundo do trabalho, dos movimentos de juventude – reuniu-se motivada por cumprir «o sonho missionário de chegar a todos», do Papa Francisco. E não o fez cada um por si, nas suas reuniões e segundo os seus critérios próprios: fizeram-no juntos, na certeza de que só assim se constrói uma Igreja que tenha futuro.
A sinodalidade como método
A própria palavra sínodo expressa esse desejo de caminhar em conjunto e este caminho sinodal da Igreja de Lisboa ajudou-nos a descobrir que é essa a identidade profunda da Igreja, que não pode deixar de caminhar junta, como um povo que se encaminha ao encontro de uma mesma meta (n.23).
No contexto actual, em que os desafios à vida do homem em sociedade são cada vez mais complexos, inevitavelmente, a própria evangelização e vida da fé acabam por ser tocadas pelos mesmos desafios. Neste sentido, a proposta que a Igreja tem a apresentar ao mundo tem de ser feita em conjunto, num verdadeiro trabalho sinodal que, mais do que um esforço que se faz de trabalhar em rede, é uma forma de viver em Igreja, que estrutura toda a sua vida, a sua acção, o seu discernimento e testemunho. Este processo, propõe o sínodo, não é tarefa de especialistas, mas compromisso de todos os baptizados, com as suas qualidades, formação e dons pessoais. (cf. n. 23)
Fez-se mesmo sempre assim?
São oito os critérios de discernimento e acção propostos pelo sínodo que temos de ter presentes: o critério do tempo, iniciando processos, acompanhando as pessoas e trabalhando a longo prazo; o critério da unidade, que nos leva a reconhecer que a unidade prevalece sobre o conflito e que é melhor privilegiar sempre o que gera a comunhão, sem anular a diversidade; o critério da realidade que nos leva, a partir da realidade como é e se mostra, a lê-la à luz da fé, lembrando que o real é superior ao ideal; o critério da totalidade, ou seja, assumir o Evangelho como um todo, sem o mutilar, e ter presente que a acção da Igreja há-de ter sempre em vista todos os homens e o homem todo; o critério familiar, tomando a família como sujeito e objecto de tudo o que fazemos e criando na comunidade um ambiente de familiaridade e proximidade entre as pessoas; o critério da inclusão, fazendo uma opção clara pelos mais vulneráveis e marginalizados; o critério da autenticidade, na certeza de que a autenticidade e coerência de vida cristã são forças interpeladoras e atraentes; o critério da qualidade e da beleza, na certeza de que já não é suficiente a boa-vontade, mas exigida uma qualidade e uma beleza que apresentem o Evangelho em toda a sua verdade e capacidade atractiva (cf. n. 32).
O facto de o Sínodo, seguindo a proposta do Papa Francisco, dizer que estes são critérios de discernimento e acção, exige que, de facto, se faça um discernimento da realidade concreta do nosso tempo e do nosso contexto, à luz do Evangelho e isso levará a que, como também diz o Papa Francisco, muitas vezes seja imperativo rejeitar o cómodo critério pastoral do «fez-se sempre assim» (EG 33). Às vezes, muitas vezes, já não basta fazer como sempre se fez, porque a nossa inacção e imobilidade têm consequências. É por isso preciso abraçar com ousadia o convite a «não deixar as coisas como estão» (EG 25).
O Campo Grande na aventura sinodal
Nos últimos meses, os responsáveis, dos muitos grupos e sectores da nossa pastoral paroquial, têm-se reunido precisamente para, num trabalho conjunto, discernir e definir os aspectos em que, como Paróquia, queremos investir no próximo ano pastoral. Tem sido um trabalho verdadeiramente belo, porque ocasião de encontro, conhecimento mútuo e chegada a tomadas de decisão e compromissos partilhados.
Numa das reuniões, em que estavam mais de vinte pessoas, dividimo-nos em grupos, com o objectivo de ali discutir e propor dois pilares em que investiremos mais significativamente, de entre os que são apontados pelo documento sinodal: Santidade, Missão, Comunidade, Iniciação Cristã, Família, Vocação e Sinodalidade. O mais extraordinário é que, no momento em que voltámos a reunir-nos todos, os cinco grupos tinham escolhido exactamente os mesmos dois pilares: Missão e Comunidade. Só pode ter sido o Espírito Santo a actuar em nós!
A Missão
Logo no primeiro ponto, o Sínodo diz que «a Igreja que peregrina em Lisboa quer ser testemunha da alegria do Evangelho e rosto da misericórdia divina. Animada pelo convite sempre novo do Senhor Jesus – «faz-te ao largo» (Lc 5, 4) -, ela sabe que a isso Deus a impele sempre, pela sua Palavra, no seu Espírito.» Com o Sínodo, a conversão pastoral e missionária da Igreja é uma exigência à qual queremos responder enquanto paróquia. Alguns pontos que ficámos de continuar a trabalhar foram os seguintes: ter a preocupação de ir ao encontro dos indiferentes e afastados, como Igreja em saída; acolher e cuidar das periferias geográficas e humanas; focar a nossa acção evangelizadora no anúncio de Jesus Cristo Ressuscitado, vivo e gerador de vida, aspecto central da nossa fé; assumir o Centro Social como um agente missionário mas, também, como terreno de missão; preparar os agentes, desde o acolhimento paroquial até ao Centro Social, para a missão. Tudo o que fazemos deve carregar em si a boa-nova de Jesus Cristo. Antes com os gestos e, só depois, com as palavras.
A Comunidade
N’A Alegria do Evangelho, o Papa Francisco pedia-nos: «Não deixemos que nos roubem a comunidade» n. (92). De facto, o Sínodo afirma que «a Igreja reconhece-se como “comunidade de discípulos” e nisso encontra o horizonte fundamental da sua identidade e missão» (n. 14).
Na reunião dos agentes da pastoral, sentimos que era muito importante investirmos cada vez mais em sermos e sentirmo-nos comunidade, agindo como um corpo que caminha e vive inspirado pelo mesmo Jesus. Alguns dos aspectos que se considerou necessário trabalhar são os que partilho com todos: criar dinamismos de coesão que resultem numa pastoral verdadeiramente comunitária, de conjunto, em que são criadas pontes e se trabalha em rede, e não apenas especializada em sectores que trabalham de forma estanque, sem se sentirem parte de um todo mais abrangente; trabalhar a capacidade de acolhimento de quem vem ao encontro da Paróquia nas diferentes fases e situações da vida, mas também a capacidade de nos acolhermos mutuamente intra-paroquialmente; crescer no sentimento de que fazemos parte de uma Igreja que é universal, integrados numa Vigararia e numa Diocese, procurando aderir às suas propostas como experiência de comunhão; valorizar os momentos de partilha, discernimento e decisão em Igreja; desenvolver a comunidade como família de famílias, um lugar onde todos se sintam em casa e onde cada vez mais temos a oportunidade de nos conhecermos uns aos outros; investir na renovação do tecido paroquial, sobretudo nas faixas etárias entre os 30 e os 50 anos, de modo a garantir continuidade em todos os nossos projectos; trabalhar a dimensão da festa como celebração da vida, não só na Liturgia, mas também em momentos culturais, lúdicos e de encontro, onde as pessoas possam conviver e crescer humanamente.
Um caminho a continuar
Esta foi apenas uma das etapas deste trabalho. O desafio seguinte foi, e será, o de encontrarmos respostas e caminhos para ir concretizando alguns destes objectivos, para levar mais Aquele que encontramos mais: Jesus!
Padre Hugo Gonçalves-
*)Adaptado da afirmação de Helen Keller: “A vida, ou é uma aventura ousada, ou não é nada!”