- O Concílio Vaticano II, depois de definir a Igreja como Povo de Deus, teve a preocupação de classificar os seus membros com funções próprias e, sempre, ao serviço da comunidade cristã que em todo o lugar se vai construindo. Indicou os Bispos como os sucessores dos Apóstolos, os presbíteros como colaboradores dos Bispos no tríplice ministério profético, sacerdotal e pastoral, os religiosos como testemunhas permanentes da alegria pascal e os leigos chamados a cuidar da ordem temporal. Todos estes são convidados à santidade, isto é, à comunhão plena e perfeita com Cristo. Durante séculos, os leigos não tinham definida uma missão específica. Eram mesmo tratados como simples fiéis. Mais: para ser proclamado Santo, canonizado e nos altares, só podia ser um Papa, um Bispo, um sacerdote ou um religioso. Ser leigo era, entre os membros da Igreja, uma classificação menor. Uma das mais importantes definições doutrinais e pastorais do Concílio Vaticano II, foi dar aos leigos o lugar que lhes compete na Igreja, Povo de Deus. Se a Igreja é um Povo de Deus que tem como cabeça Cristo, como condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, como mandamento o amor e como projecto a felicidade no tempo e na eternidade (cf LG 9), então os cristãos leigos também estão unidos a Cristo, cabeça da Igreja, também lutam pela dignidade e liberdade humanas, também aceitam o amor como o paradigma do cristão e também querem viver em felicidade no tempo e ser bem-aventurados na eternidade. Poderá agora perguntar-se, qual a missão específica dos leigos, diferente da dos sacerdotes e dos religiosos. Pertence-lhes:
. Dar testemunho de Cristo em toda a parte, e àqueles que lho pedirem dar razões da esperança da vida eterna que há neles (LG 10). O testemunho cristão revela a plena comunhão com Cristo, manifestada em todo o lugar, na família, no trabalho, na vida social. Além disso, compete aos leigos anunciar a Pessoa de Jesus através da esperança vivida em todas as situações. Tudo isto é evangelização.
. Tratar da ordem temporal e orientá-la, segundo Deus, para que progrida e assim glorifique o Criador e Redentor (LG 31). A presença activa, como cristão, na ordem temporal, no coração do mundo, define a missão específica do leigo. Intervenção constitui para ele o desafio que lhe é feito. Deve intervir como mediador na economia, na política, na vida social, tanto como em família e no trabalho quotidiano.
. Procurar uma visão cristã nos três campos essenciais da vida humana: na luta pela dignidade humana, na promoção da comunidade humana e na valorização da actividade humana que dá frutos em abundância. É esta a dinâmica da vida proposta sobretudo aos leigos, na Gaudium et Spes, o documento conciliar sobre a relação da Igreja com o mundo.
. Instaurar os valores do Evangelho em áreas específicas, onde urge transformar o mundo: na família, na cultura, na vida socioeconómica, na política e na construção da paz. Estes são terrenos onde é imprescindível a presença dos cristãos, para edificar uma sociedade com valores essenciais à dignidade do ser humano, à igualdade entre as pessoas e à participação de todos na vida comum.
A descoberta da importância do laicado na vida da Igreja constituiu uma das grandes inovações conciliares. São João Paulo II quis afirmá-lo na Exortação Pastoral Christifideles Laici, orientando o laicado para que possa intervir na construção do mundo mais justo e fraterno.
2. A intervenção na ordem temporal é, sem dúvida, a missão específica dos leigos. Durante séculos a sua vida cristã limitava-se às orações, à celebração da Eucaristia Dominical, à catequese das crianças e à contribuição com pequenas ofertas para a vida das comunidades. Era muito limitada a proposta feita aos leigos na definição da sua vida cristã. Hoje, os leigos têm bem definida a sua vocação e missão. Participam, a seu modo, na função profética, sacerdotal e pastoral de Cristo; têm uma presença activa no mundo, levando-lhe os valores evangélicos da verdade, da justiça, da liberdade e do amor; procuram construir a paz vivendo em caridade com toda a gente, mesmo nos campos mais difíceis da intervenção humana. O Concílio Vaticano II, na segunda parte da Gaudium et Spes, definiu as áreas onde a Igreja, através do laicado, deverá estar presente: a família, a cultura, a vida económico-social, a política e a paz.
. Intervir na construção da família: “quando a família está em crise, afirmá-la como comunidade de pessoas ao serviço da vida, para a renovação da humanidade” (FC 3ª), é um trabalho lindíssimo a realizar pelos leigos.
. Preocupar-se com a cultura: no mundo em que os homens e as mulheres da cultura muitas vezes se dizem agnósticos, os cristãos têm o dever de marcar a sua presença com critérios que reafirmem a beleza que vem de Deus, os valores que se recolhem do Evangelho, a arte que o engenho humano consegue, e a liberdade que reflecte o respeito profundo por todos os outros. Toda a cultura revela a grandeza de Deus e a beleza do ser humano feito à sua imagem e semelhança.
. Fazer uma administração económica dos bens: na sociedade actual o dinheiro ocupa por vezes o primeiro lugar. Isso levou o Papa Francisco a dizer que a economia mata, e que o dinheiro nunca pode estar acima da pessoa. Tendo isto em consideração, a atenção aos mais pobres é uma exigência cristã. De facto, o destino universal dos bens deste mundo é uma marca de todo o pensamento da Igreja. Pô-lo em prática é difícil, mas no apoio aos mais pobres é crucial.
. Participar na vida política: contribuir para a construção de uma cidade nova em que todos sejam felizes constitui um apelo constante feito aos cristãos leigos. É da sua vocação aceitar responsabilidades políticas que possam alterar os modelos de intervenção que estão tomados, muitas vezes, de injustiça e corrupção.
. ontribuir para a construção da paz: foi o próprio Jesus que o disse aos seus discípulos, “Em qualquer casa onde entrardes dai a paz” (Lc 10, 5). Aceitar todos os outros como são e, a partir do diálogo com eles, ir construindo um tecido social em que todos se sintam livres, é caminho universal para levar a paz a toda a gente.
São estes cinco os campos onde os cristãos leigos deverão actuar. É esta a sua missão. Toda a oração, encontro ideal com Deus, é uma forma de apoio à missão do leigo na Igreja e no mundo. Esta relação pessoal com Deus é fonte de uma acção eficaz para a transformação do mundo “de selvagem em humano, de humano em divino, isto é, segundo o querer de Deus” (Pio XII – 11.02.1952).
3. Os leigos podem ter também uma missão dentro da Igreja; não é, porém, essa a sua missão especifica. Podem colaborar com os sacerdotes, nas catequeses, na orientação litúrgica, nas obras sociais, na administração dos bens da comunidade. No entanto, a sua missão será sempre tratar da ordem temporal. A Igreja precisa de um laicado activo, para levar ao mundo os valores do Evangelho. Por isso, a formação do laicado não pode ser exclusivamente de natureza espiritual; deve inspirar-se no pensamento dos Papas, desde Leão XIII, na Rerum Novarum, até à orientação do Papa Francisco na Exortação Pastoral, Evangelii Gaudium, que pedem aos cristãos que sejam capazes de contribuir para uma nova humanidade.
Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior