Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus – Encerramento da Missão LX no Campo Grande
Queridos irmãs e irmãos,
Impressiona-me sempre este passo do Evangelho, o encontro dos pastores – que vão até à manjedoura, onde encontram o Menino deitado, em palhinhas, encontram Maria e José no meio daquele lugar improvisado, lugar que era habitação de animais…
E é espantoso porque os olhos veem uma coisa – e o coração diz outra.
Os olhos veem o quê? O que é que os pastores veem? Objetivamente, veem uma situação muito precária, muito preocupante… como é que uma criança vai nascer naquele lugar absolutamente sem condições para isso?
O que é que os pastores veem? Veem a pobreza, veem a exclusão, tocam o sofrimento e a angústia daquele jovem casal que vai ter aquela criança numa situação de aflição, de uma emergência… O que é que os pastores vão ver? Pessoas que não foram acolhidas na cidade…
E contudo, eles chegam, contam histórias, trocam as histórias, contam o que tinham ouvido dizer acerca daquele Menino, escutam Maria e José, acolhem, abraçam o silêncio deles – e voltam pela estrada louvando a Deus.
Então, uma coisa é o que os olhos veem – outra coisa é o que o coração vê. O coração deles vê o começo, o raiar da esperança, o início humilde mas absoluto de uma nova história que vai transformar as suas vidas.
E por isso as condições mais desprovidas, mais paupérrimas, para eles não são obstáculo, porque o fundamental é o encontro… e eles voltam pelo caminho numa alegria, porque se sentem visitados pelo próprio Deus! Deus visitou-os! E eles vêm dando glória a Deus…
Estes queridos jovens da Missão LX, missionários durante estes dias, eu penso que fizeram uma experiência semelhante…porque no fundo, desde o dia 27, o que é que vocês fizeram? Vocês visitaram pessoas, estiveram juntos, tentaram ajudar, tentaram ser solidários, tentaram conversar, falar, daquilo que tinham ouvido, daquilo que do céu o vosso coração já herdou… mas em termos objetivos, qual o motivo da vossa alegria? Porque é que chegam hoje, dia 1 de janeiro e sentem uma alegria diferente no vosso coração?
Sentem que alguma coisa aconteceu… mas o que é que aconteceu? Aconteceu alguma coisa que não está dependente, unicamente, das coisas materiais: porque vocês foram ao encontro dos mais pobres, porque vocês foram ao encontro daqueles que estão mais sós, porque vocês visitaram excluídos – então não são as condições materiais o importante, mas o importante é aquilo que o vosso coração viu… e o que é que o vosso coração viu?
Viu o Deus-connosco, viu esta aliança de amor que Deus tem com todos, que não deixa ninguém, que não abandona ninguém… o vosso coração viu o começo, o início, aquilo que poderia ser uma história completamente diferente – e isso mudou, e isso mudou… e isso encheu o vosso coração de alguma coisa que antes ele não tinha, isso deu-vos alguma coisa.
E por isso, vós, como os pastores, hão-de voltar agora pelo caminho glorificando a Deus – porque o encontro mudou a vossa vida.
E a Igreja, toda ela chamada a ser uma Igreja missionária, é uma Igreja chamada a viver isto, a viver no encontro com a humanidade…a viver na história, na confusão da história, esse encontro com o Deus-connosco que muda, que altera completamente aquilo que somos – e por isso saímos a cantar!
Não importa a humildade dos começos, não importa! Não importa que o Menino seja colocado na manjedoura, que é o lugar onde comem os animais, não importa, não importa! Não importa às vezes a fragilidade, a pobreza, a simplicidade extrema dos sinais que nos são dados a ver, não importa! O que importa é a capacidade de agarrar com confiança, de ver com o coração, de acreditar, acreditar! Que ali, naquela casca difícil vai acontecer um parto, vai acontecer um milagre, vai acontecer um nascimento. E é essa confiança que nós temos de levar no nosso coração.
Como dizia São Paulo hoje na Carta aos Gálatas que nós lemos, “Deus enviou o seu Espírito ao nosso coração”, ao coração de todos nós, mulheres e homens, para dizer: “Tu já não és escravo, mas tu és filho, tu és filho”!
E no fundo o resumo do mistério da Encarnação que nós celebrámos no Natal é: Deus dá-nos o Seu Filho para nós lermos o mistério e percebermos que também nós somos filhas e filhos – já não somos escravos, já não estamos de parte, já não somos estranhos, nós somos filhos e filhas e temos de viver a vida com a alegria de filhos e filhas – e por isso a nossa vida precisa tanto de uma bênção!
Deus, na primeira Leitura, do Livro dos Números, manda a Aarão abençoar o povo de Israel e diz as palavras com que há-de abençoar o povo de Deus. E essas palavras são as palavras que hoje a Liturgia nos traz e que nos lembram a grande bênção, porque a nossa vida tem de ser uma vida abençoada: “Que o Senhor volte o Seu olhar sobre ti, que Ele te abrace com Misericórdia, que o Seu amor seja a tua consolação, e que tu descubras nisso a Paz”…
Todos nós somos sedentos de uma bênção, famintos de uma bênção… porque a nossa vida é uma vida que precisa de ser confirmada – e a bênção é uma confirmação de que nós precisamos… Quando os missionários entram num Lar ou entram a visitar uma pessoa doente e a olham nos olhos e a beijam e a tocam com carinho, o que é que estão a fazer? Estão a confirmá-la, estão a dizer: a tua vida é querida, a tua vida é um grande dom, a tua vida é maravilhosa, e por isso nós estamos aqui, obrigado!
E isso é uma bênção … e cada um de nós precisa disso, cada um de nós precisa desse abraço, cada um de nós precisa dessas palavras, cada um de nós precisa, no fundo, de experimentar uma comunidade de bênção, onde trocamos de facto a bênção que damos uns aos outros.
Porque vocês viram, entrando numa zona da cidade de Lisboa – que até é uma zona onde nós, se calhar, esperaríamos que as coisas estivessem melhor, ou que não houvesse sofrimento, ou que não houvesse solidão, ou que não houvesse pobreza, não, mas há! Porque há em todo o lado, em todo o lado! Atrás das portas estão os seres humanos com as suas feridas, que são de género tão diferente, com o seu sofrimento, com a sua solidão… atrás de cada um de nós há alguém que precisa de uma bênção, nos sítios onde nós vivemos há pessoas a precisar de uma bênção, e a Igreja missionária é uma Igreja que leva a bênção.
E qual é a bênção que nós temos para levar?
Nos Atos dos Apóstolos, é-nos revelado: “Não temos prata nem ouro” – às vezes, temos prata e ouro e é preciso aprender a partilhar e saber partilhar… mas muitas vezes nós não temos prata nem ouro, mas o que é que temos? O que temos, damos – e damos esta certeza: de que Deus é Pai, Deus nos ama, Deus nos deu um Filho, que nos veio revelar que nós somos filhos – e este é o maior tesouro que podemos dar uns aos outros, dizer: “Olha, tu és filho, olha tu és filha, não tens de viver enclausurado num sentimento de orfandade, não tens que te sentir órfão, não tens que te sentir perdido, não tens que te sentir escravo, não tens que desanimar, não tens que te sentir excluído, não, tu és filho!”
E esta é a boa nova que nós temos de levar uns aos outros!
O Papa, para este dia Mundial de Oração pela Paz escreveu uma Mensagem sobre a política, dizendo: “Nós todos sabemos como a política vive um descrédito grande; nós olhamos para a política e muitas vezes não vemos aquilo que gostaríamos de ver, aquela qualidade ética, aquela entrega aos outros, aquela paixão por servir… às vezes vemos coisas que não gostávamos de ver – mas não podemos desacreditar de que a política é um instrumento necessário, privilegiado, para construir a Paz. E é um instrumento que qualifica eticamente as nossas sociedades; nós não podemos dispensar a política! E temos de rezar pelos nossos políticos!”
E mais, o Papa faz um apelo aos jovens cristãos, aos jovens católicos: “Empenhem-se na política, sigam a política com atenção, porque a política é o serviço público, é o serviço da casa comum, da casa de todos!” E é muito importante que as novas gerações cristãs se empenhem verdadeiramente a defender os seus valores, as suas causas, o seu modo de construir a sociedade – é muito importante estar presente nos lugares onde se tomam as decisões fundamentais para a construção do presente comum, do futuro que será de toda a nossa sociedade.
Por isso, nesta Eucaristia vamos também rezar pelos políticos do presente e pelos políticos do futuro, se calhar estão aqui sentados diante de nós – para que os grandes valores do Evangelho possam ser traduzidos em pensamento, em maneiras de estar, em políticas públicas justas, humanas, solidárias, atentas à pessoa… isso que é tão importante e tão necessário.
Que neste dia primeiro do ano sintamos a alegria, muito grande, de estar juntos – e que isso tenha para nós o sabor de uma bênção, de uma bênção que vem do fundo do coração, a bênção de um Deus que nos chama filhos, e que nos confirma a cada instante, dizendo: “ Tu és minha filha, tu és meu filho, amado, Eu coloco em ti, Eu derramo em ti o meu Amor”…
1 janeiro 2019