1. Entramos na terceira semana da Páscoa e tudo à nossa volta nos fala de Ressurreição. São as campainhas festivas na noite da Vigília Pascal, são os aleluias que se repetem na liturgia, é o “compasso”, rito tradicional que leva o Senhor a andar de casa em casa, é até o sol que, de quando em quando, anuncia que a Primavera já chegou. Tudo fala de alegria, de ressurreição, de partilha fraterna, da presença do Senhor Ressuscitado no meio de nós. Apesar de tudo isso, porém, somos confrontados com o terrível mistério da morte. 

.  A violência nos conflitos políticos, nas atitudes de vingança ou simplesmente em vulgares actos de agressão, revelam-nos a morte muito perto de nós todos. 

. A procura da liberdade, nos refugiados ou nos emigrantes clandestinos transpondo os mares ou os caminhos da Europa oriental, com riscos graves, provoca a morte que se acumula de maneira aflitiva. 

. O desespero perante situações de grande sofrimento e a dor quase insuportável na etapa final da vida, chegam a entusiasmar alguns pela legalização da morte provocada, vulgarmente chamada “eutanásia”. 

. As doenças irreversíveis, com diagnósticos altamente reservados, levam facilmente ao medo perante a proximidade da morte, para a qual nem sempre se está preparado.

A morte está na ordem do dia e a maioria das pessoas não sabe como lidar com ela, na sua certeza, na sua proximidade, na sua forma de encará-la. Em tempo de Páscoa os cristãos têm consciência de que a morte deve ser vencida. Cada um, utilizando os meios à sua disposição, deverá cultivar a vida, em todas as etapas do seu percurso, provocando ressurreição, quando situações de morte batem à porta. É este o grande mistério da Páscoa.

2. Jesus é o vencedor de todas as mortes. Progressivamente, em ocasiões muito fortes, Jesus revelou-se o Senhor da vida e da morte. No caso da filha de Jairo, Jesus liberta a menina de um sono profundo. Ele mesmo disse; “a menina não morreu, mas dorme.” Jesus venceu “a morte aparente”. Depois, ao entrar na cidade de Naim, encontrou um funeral em que uma mãe viúva levava o filho morto à sepultura. Parando o féretro, Jesus devolveu o filho a sua mãe. Revelou-Se, então, o Senhor da “morte real”. Aquele jovem voltou à vida. Tempo mais tarde, em Betânia, ressuscitou Lázaro o seu amigo, que estava sepultado há 4 dias. Jesus venceu a “morte absoluta”. Todos estes momentos de ressurreição, porém, eram sobretudo o anúncio de que depois de morrer, ao 3º dia, ressuscitaria. Jesus, pela Ressurreição, é o Senhor da vida. Onde houver morte, seguindo Jesus, o cristão deve provocar a ressurreição e a vida. Os cristãos são hoje actores da ressurreição: 

.  Da ressurreição social perante as inúmeras situações de morte que marcam as pessoas, com o desemprego, o salário ínfimo, a falta de habitação, a marginalização social; 

.  Da ressurreição cultural perante as situações de morte nascidas do analfabetismo, do abandono escolar, da iliteracia, a par da falta de informação e do insuficiente desenvolvimento cultural da sociedade; 

.  Da ressurreição no campo da saúde, tendo em conta as diversas mortes, concretizadas na falta de assistência, no atendimento desigual, na dificuldade de acesso aos serviços de saúde, nas listas de espera e em outras dificuldades nos cuidados a que se tem direito; 

. Da ressurreição nas relações familiares, tantas vezes marcadas pelos divórcios, pela ausência dos pais, pela dificuldade na educação dos adolescentes e na marginalização dos avós na etapa final da vida;

.  Da ressurreição no universo profissional onde é preciso superar a incompetência de alguns, a competição de muitos, a dificuldade em contribuir pelo trabalho para o bem comum de toda a comunidade humana; 

.  Até da ressurreição espiritual, perante tantas situações de perda de fé ou de simples mediocridade na vida espiritual e religiosa.

Não há apenas a morte física para vencer. No caminho comum dos cristãos, há muitas outras mortes que é preciso enfrentar. Provocar ressurreição em todas as situações da vida é o desafio fundamental feito aos cristãos que, acreditando na Ressurreição de Cristo, querem levar esta ressurreição a toda a parte.

3. Na vida de uma comunidade cristã, é preciso estar atento, para provocar algumas ressurreições necessárias. Basta recordar o Livro do Apocalipse para ler, no 2º e no 3º capítulos, como João pede às Igrejas da Ásia Menor que se renovem profundamente, isto é, que ressuscitem para uma vida mais autêntica. João diz-lhes mesmo que já não têm o amor da primeira hora e devem por isso recordar os ensinamentos que ele lhes fez para que cada comunidade responda claramente à ressurreição vivida por Jesus. O Livro, isto é, a Palavra de Deus, deverá ser por isso o alimento constante na vida das comunidades. Precisam de “ressuscitar”, isto é de se renovar. O mesmo pode ser dito às comunidades de hoje. Aliás, esta a razão pela qual o Patriarca de Lisboa convidou todos os cristãos da Diocese a entrarem no caminho sinodal, através do qual todos em conjunto consigam tornar a Igreja mais presente e mais visível no meio do mundo. Há 3 campos de ressurreição permanente: 

.  Na Pastoral Profética, a ressurreição exige o constante aprofundamento da fé, através de uma catequese bem estruturada para crianças, para jovens e para adultos. Sem a iniciação à fé cristã e o seu aprofundamento constante, a vida cristã não acontece; 

. Na Pastoral Litúrgica, a ressurreição permite uma beleza cada vez mais conseguida, nas grandes celebrações da Eucaristia e nas orações comunitárias, bem como na celebração dos vários sacramentos de vida; 

.  Na Pastoral Sócio – Caritativa, a ressurreição chama-se apoio incondicional a quantos têm urgência nos problemas sociais difíceis com que se deparam. Todo o apoio é indispensável para dar a cada um a dignidade e a liberdade suficientes para a afirmação da sua vida.

A ressurreição é uma constante na vida de cada comunidade cristã e todos, sem excepção, estão comprometidos nesta transfiguração permanente da comunidade.

4. Continuamos a celebrar a Páscoa da Ressurreição. Depois de uma Quaresma exigente e de um Tríduo Pascal carregado de emoção, a Páscoa é o tempo de compromisso em que tudo e todos temos de alegrar-nos com o Senhor Jesus Ressuscitado. Continuemos a viver, a celebrar, a valorizar as Festas Pascais.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior