Solenidade da Epifania | Dia dos Santos Reis Magos, Padroeiros do Campo Grande

 

Hoje celebramos os nossos padroeiros – estes Santos Reis Magos que, de uma maneira muito inteligente e ao mesmo tempo muito interessante, S. Mateus deixa assim envolvidos num certo mistério.

Se virem, ele não demora muito tempo a descrever aqueles Magos, ele não se preocupa muito em localizá-los, em dizer de onde é que eles vêm, como é que eles descobriram que aquela estrela seria a que os conduziria ali… ele não se perde com isso. Porque ele quer fazê-los chegar rapidamente a Jesus e quer, de certa maneira, que nós nos identifiquemos com eles – precisamente na forma como tantas vezes o nosso caminho para Jesus se inicia. E, para cada um dos que aqui está, esse caminho começou de uma maneira diferente: a uns foi-lhes apresentado Jesus logo no seio familiar; outros foram descobrindo Jesus nas várias etapas da vida; uns permaneceram sempre junto d’Ele; outros afastaram-se em determinado momento e depois sentiram novamente esse chamamento a reaproximarem-se.

Por isso, nós podemos identificar-nos pessoalmente com estes Reis Magos e, também, de uma maneira muito bonita, encontrar nos nossos padroeiros um sentido de identidade para a paróquia do Campo Grande.

Começávamos com este texto belíssimo de Isaías que, já sabemos, é um dos grandes profetas do Antigo Testamento, que escreveu cerca de 700 anos antes de Jesus. E ele vai, quer naquilo que diz respeito ao nascimento de Jesus, quer naquilo que depois diz a respeito à Paixão e à morte de Jesus, dar um conteúdo teológico a tudo isso. Ou seja, Isaías, 700 anos antes, estava a falar daquilo que acontecia no seu tempo, mas esses acontecimentos rasgavam a história e vinham precisamente falar daquele que viria mais à frente dar um cumprimento pleno àquela profecia que estava localizada naquele lugar, afecta a um determinado momento da história que era aquele em que Isaías vivia.

E a mensagem de Isaías é a mesma que nos vai aparecer na segunda leitura e que, de certa maneira, nos aparece no Evangelho – é uma mensagem de universalidade. Esta luz que vem à nossa vida, esta luz que brilha para todos, esta luz que a si nos chama, não é só para aqueles que nasceram num determinado contexto social e político, não é para aqueles que nasceram num determinado grupo de escolhidos. Essa luz brilha sobre todos os homens, sobre toda a humanidade, independentemente da latitude ou da longitude onde se encontram, independentemente do momento da história em que estão.  A luz de Jesus não brilhou só para aqueles que conviveram fisicamente com Ele. A luz de Jesus  brilhou para aqueles que eram antes de Jesus e a luz de Jesus brilha para aqueles que são depois de Jesus, até ao fim dos tempos. E, por isso, essa é uma luz que brilha sobre a nossa vida.

E vemos como ali há uma centralidade sobre Jerusalém, que é a cidade santa, mas que depois também é o paradigma, o protótipo daquela que é a cidade celeste, a Jerusalém celeste, para onde todos os homens caminham. A cidade que muitas vezes, aqui na Terra, é identificada com a Igreja que vai a caminho até à sua plenificação total. E, por isso, acorrerão todos os povos; todos os povos são chamados a pertencer, a habitar, a peregrinar para essa cidade, que é a Igreja, no tempo em que agora nós vivemos, chamada ela também a ser uma luz no meio do mundo; a ser ela, também, uma presença viva de Jesus Menino, no seu acolhimento, na sua mensagem de Salvação, mas depois também de Jesus Ressuscitado, gerador de vida para todos os que se aproximem d’Ele e que se deixem tomar por essa Sua luz.  

Depois, ouvimos esta Carta de São Paulo aos Efésios. Sabemos que São Paulo era um judeu distinto. E os judeus tinham esta particularidade de achar que a mensagem de salvação do Senhor Deus de Israel era só para eles – só aqueles que nasciam judeus ou que se faziam judeus pelos ritos religiosos, só esses é que seriam alcançados pela salvação de Deus. Mas vejam que, a partir do momento que Paulo se deixa inundar daquela luz no caminho de Damasco onde se dá a sua conversão, a sua mentalidade muda completamente. O seu coração é totalmente transformado por aquela luz que é a mesma luz que chama ao presépio, que é a mesma luz que brilha na estrela, que é a mesma luz da Transfiguração, que é a mesma luz da manhã da Páscoa – é a luz de Jesus!

A partir daquele momento Paulo deixa de sentir que a mensagem que ele tinha de transmitir de salvação era só para os judeus; a partir do momento que é alcançado por Jesus ele percebe que o que está a acontecer é tão grande, que o amor de Jesus é tão abrangente, que é para todos. Então o próprio Paulo vai chamar-se a si mesmo o “apóstolo dos gentios”, quer dizer, o apóstolo enviado àqueles que não tinham nascido judeus mas a quem Jesus queria também alcançar com a Sua luz, com o Seu amor, com o dom da fé que é oferecido no momento do nossos baptismo. Isto é muito belo porque esta herança, inicialmente destinada aos judeus, a partir de Jesus e muito na teologia de Paulo, é a herança que é alargada, partilhada com todos os gentios, com toda a humanidade.

E essa é a mensagem que a Igreja, na continuação de Paulo, dos apóstolos e na melhor fidelidade a Jesus, é chamada a anunciar a todos. De facto, Jesus quer que todos os homens conheçam o Seu amor, Jesus quer que todos os homens se sintam amados por Ele, Jesus quer que, a partir do amor que nós somos capazes de partilhar uns com os outros, Ele continue a amar a humanidade toda. Ele ama também através dos gestos de amor que os cristãos são capazes de realizar no meio do mundo.

E é tão belo vermos como a Igreja, em tantas iniciativas – umas mais visíveis, mas muitíssimas muito discretas – se vai desdobrando em amor. Que é o amor de Jesus que nos impele a actuar, sobretudo a irmos junto dos mais frágeis, dos mais pobres, junto dos menos amados. Porque há-de ser a esses que Jesus, com certeza, quer amar mais! Quer chegar mais rapidamente, quer abranger mais totalmente com a Sua luz. E nós sabemos que o amor de Jesus nunca nos deixa de fora. Apesar de nós dizermos isto – que Jesus tem uma atenção especial com os que são mais frágeis – isso não quer dizer que o amor de Jesus não vai chegar para mim. Pelo contrário! Jesus ama-me também no amor que eu sou capaz de fazer fluir, e que é sempre o amor d’Ele do qual eu participo.

E depois temos este magnífico Evangelho. Quem são estes Magos que nos aparecem, de quem ainda não tínhamos falado em nenhum momento do Evangelho e de quem não vamos voltar a falar? Os estudiosos vão tentando desdobrar-se em aprofundamentos deste texto. De facto, estes Magos são uns homens sábios, filósofos, como aqueles homens que procuravam a verdade através do saber nas suas múltiplas formas. E por isso serão identificados como sendo sábios da zona da Babilónia, da Mesopotâmia, que nesta altura tinha uma cultura já muito desenvolvida. Muitos registos arqueológicos entretanto descobertos mostram-nos que, naquela zona, eram já muito evoluídos na astronomia e por isso escreviam numas placas de argila (que é um dos antecedentes do papel) todos aqueles cálculos que hoje nos permitem perceber o quanto eles já sabiam acerca dessa e doutras áreas científicas. E ainda hoje, conjugando planetas e estrelas, os estudiosos tentam identificar que fenómeno terá sido aquele que terá conduzido os Magos.

Até pode ser que se venha a descobrir e desvendar isso tudo mas o mais belo da história não é isso. O mais belo da história é que estes homens, que eram gentios, que nunca tinham ouvido falar de Jesus, que com certeza conheciam as profecias porque souberam identificar aquela estrela como a que correspondia a alguma profecia que vinha do Antigo Testamento (talvez à célebre profecia de Balaão, que também falava de uma estrela), quando vêem aquela estrela eles, que tinham já contemplado o céu muitas vezes, percebem que o brilho que emana é diferente.  Que vai ao encontro de uma sede profunda de verdade que existia nos seus corações, de uma sede profunda de sentido para as suas vidas.

E  é essa sede que os faz caminhar, que os faz deixar aquele lugar seguro onde, com certeza, tinham estatuto e conforto, para se aventurarem no incerto; para se aventurarem atrás de uma estrela, de uma esperança que alimentava o seu existir. E a verdade é que eles não sabiam que iam encontrar um Menino numas palhinhas deitado; não sabiam que a estrela os ia conduzir directamente àquela terra. De tal maneira que o primeiro lugar a que eles se dirigem é ao palácio de Herodes. Pois, se há-de nascer um Rei (porque era isso que a profecia dizia) então qual o melhor lugar senão num palácio? Então encontram-se com Herodes que, como nos diz o texto, era um homem cheio de “manha”, e ele faz-se desentendido: “vão lá investigar isso bem, porque também eu vou querer ir adorar o Menino”.

Os Magos seguiram o seu caminho e quando chegam ao presépio são inundados de tal maneira por aquela luz, por aquela presença que é o Menino, que isso transformou totalmente as suas vidas. E perceberam que não precisavam de procurar mais – a verdade que eles buscavam, o sentido último que havia de dar razão a todo o seu existir estava ali!

E depois deram-se conta de que não podiam regressar já pelo mesmo caminho. Teria de ser outro que não passasse por Herodes. Eles voltam às suas terras, mas não para serem os mesmos. Porque não há possibilidade de nós encontrarmos Jesus, de uma maneira tão decisiva como eles fizeram, e depois voltarmos iguais. Quando o encontro com Jesus é verdadeiro, é profundo, então ele muda-nos, transforma-nos! E o sinal mais visível dessa transformação é a alegria. Aquela de que estamos sempre a falar – a que é própria do ser cristão, daqueles que vivem com esta esperança no coração, daqueles que se sentem amados sem como nem porquê, incondicionalmente. De certeza que foi assim que os Magos se sentiram no momento em que foram envolvidos naquela grande luz de Jesus.

O que é que nós podemos aprender com isto? Ali está a Humanidade toda representada e nós também. De facto, há no coração de todos nós um desejo de ser, de descobrirmos a chave da nossa existência, para que estamos neste mundo, para que é que o Senhor conta connosco, o que dá sentido e razão ao nosso viver. E obviamente que nós, cristãos, sabemos que isso está em Jesus, que a resposta está na contemplação do Menino. E não é que esteja desvendada como quem escreve numa placa de argila uma receita que depois se aplica invariavelmente a todos. Ela está envolvida num mistério, como aconteceu com os Magos. Por isso, em tantos momentos, o Senhor não nos dá os caminhos como faz o GPS, permitindo saber todas as curvas por onde vamos passar; o Senhor, quando se “mete” connosco, quando nos chama para alguma coisa, dá-nos estrelas para seguirmos. E a beleza está aí – em nos deixarmos seduzir por essas estrelas e não deixarmos de procurar a luz. É isso que nos ensinam os Magos – que a nossa vida seja uma constante busca da luz que Deus possa trazer à nossa existência, a tudo o que somos e fazemos. E enquanto nós não deixarmos de buscar, enquanto nós não deixarmos de nos seduzir pelo brilho dessa estrela que nos conduz a Jesus, então a nossa vida nunca vai deixar de ter um propósito, nunca vai deixar de ter um sentido, porque ele está precisamente aí – no sermos caminhantes e peregrinos do Senhor, sempre em busca dessa vida plena que Ele é capaz de nos fazer experimentar e sentir.

Todos os que, tal como os Reis Magos, fazem da sua vida um caminho para o presépio, quando voltam não podem deixar de ir por outro caminho. E para nós, que somos cristãos, esse outro caminho tem de passar pelos que são mais pobres, mais fragilizados, mais esquecidos, que precisam dos nossos gestos de proximidade e carinho, de generosidade e amor, que é o amor de Jesus que quando é verdadeiro, actua em nós assim.

Os Reis Magos têm muito a ensinar-nos e podem ser, de facto, construtores de uma identidade para nós, enquanto paróquia que os tem como padroeiros – sermos gente que busca, que nunca deixa de ser peregrina, de estar a caminho para Jesus, que quer sempre aprofundar e ir mais longe. Uma paróquia que é capaz de acolher tanto os que já caminharam muito e já estão próximos de chegar ao presépio, como aqueles que ainda vêm como os Reis Magos, no início do seu caminho, a tactear por onde hão-de ir, e que precisam que nós sejamos a suas estrelas a conduzi-los. Uma paróquia que é capaz de acolher a luz de Deus que se dá a todos os que buscam essa luz. 

Desejo a todos um ano de 2020 muito feliz, porque cheio desta luz que dá sentido a tudo o que somos e fazemos.

6 de Janeiro de 2020