(Constituição da República Portuguesa, artigo 24)

Nesta Semana da Vida, abordo o tema da eutanásia, por ser um tema de tão grande importância e nos aproximarmos de um momento crucial em que a legalização da eutanásia será posta à votação no Parlamento, porque não podemos aceitar que a vida seja posta à votação.

Não assino esta folha porque é, à excepção de algumas simplificações ou explicitações minhas, uma divulgação quase textual do que a Conferência Episcopal publicou acerca deste tema e que, parece-me, é essencial partilhar com todos.    
P. Hugo Gonçalves

O que é a eutanásia? É alguma coisa que se faz, ou algo que se deixa de fazer, com a intenção de provocar a morte a alguém, alegando o objectivo de lhe pôr fim ao sofrimento. O suicídio assistido, que está equiparado à eutanásia, é o acto de ajudar alguém a pôr fim à sua vida, também com o intuito de pôr fim ao sofrimento.

O que é a obstinação terapêutica (ou encarniçamento terapêutico)? É a aplicação excessiva de todos os métodos diagnósticos e terapêuticos conhecidos, sem que isso proporcione qualquer benefício ao doente. Tem como objetivo prolongar de forma artificial e inútil a sua vida, impedindo que a natureza siga o seu curso. Este exagero é eticamente condenável e corresponde a má prática médica, conduzindo à chamada distanásia.

O que são cuidados paliativos? São cuidados que intervêm activamente no sofrimento, procurando eliminar a dor e outros sintomas e proporcionando apoio espiritual e psicológico, desde o momento do diagnóstico até ao final da vida. Servem para melhorar a qualidade de vida dos doentes e das famílias que se confrontam com doenças ameaçadoras, independentemente do diagnóstico e do tempo de vida esperado.

É lícito provocar a morte de uma pessoa a seu pedido? NÃO. O direito à vida é um direito do qual ninguém pode dispor. Não se torna aceitável a morte de alguém só por ter o seu consentimento. A vida é o pressuposto de todos os direitos, e também da liberdade. Com a eutanásia e o suicídio assistido atinge-se a raiz e a fonte da liberdade, que é a vida. Existem outros direitos humanos fundamentais indisponíveis que são expressão do valor objetivo da dignidade da pessoa humana. Também a escravatura, o trabalho em condições desumanas ou um atentado à saúde, não podem justificar-se com o consentimento da vítima.

É lícito provocar a morte para eliminar o sofrimento? NÃO. Com a eutanásia e o suicídio assistido, não se elimina o sofrimento, elimina-se a vida da pessoa que sofre. Tal como não se elimina a pobreza eliminando a vida dos pobres. A morte provocada não é resposta para o sofrimento. O recurso à eutanásia e ao suicídio assistido são formas de desistir de combater e aliviar o sofrimento. Com a legalização da eutanásia e do suicídio assistido, o Estado afirma que a vida de pessoas doentes e em sofrimento já não merece proteção, não é digna de ser vivida. E isso não é aceitável. A dignidade de uma pessoa não se mede pela sua utilidade para a sociedade, nem diminui com o sofrimento ou a proximidade da morte. A dignidade da vida humana não depende de circunstâncias externas e nunca se perde.

A vida tem apenas um valor individual? A vida não pode ser concebida como um objeto de uso privado. Não está de forma incondicional à disposição do seu proprietário para a usar ou a deitar fora de acordo com o seu estado de espírito ou determinada circunstância. Ninguém vive para si mesmo, como também ninguém morre para si próprio. A vida tem uma referência social associada ao amor, à responsabilidade, à interdependência e ao bem comum. Todos temos de defender a vida humana.

Quais as necessidades do doente em fim de vida? Essencialmente, um doente em fim de vida precisa de alívio do sofrimento físico e psíquico e apoio espiritual, prestados por uma equipa devidamente capacitada. Essencial é também o suporte afectivo, através da família e amigos. Uma correcta terapêutica da dor física torna-se necessária e importante para garantir a melhor qualidade de vida. O sofrimento psíquico necessita de acompanhamento e apoio adequado. As necessidades espirituais devem ser valorizadas, para se disponibilizar o apoio devido, que garanta uma intervenção plena no sofrimento.

Quais as consequências da legalização da eutanásia? Num quadro de pedido de eutanásia, o papel do médico entra em contradição porque ele não pode, ao mesmo tempo, fazer tudo ao seu alcance para melhorar a vida do doente (que é o papel do médico) e agir, mesmo que a pedido do doente, no sentido de lhe tirar a vida ou ajudando ao suicídio. Se admitirmos a eutanásia, é destruída a relação médico-doente, que assenta numa base de confiança, com o objectivo de lutar pela vida, que deve ser respeitada e que é a base da medicina. A eutanásia opõe-se à medicina e acaba por ser a sua negação.

Existe risco de aumento generalizado da eutanásia? É conhecida a imagem da rampa deslizante, muitas vezes evocada a este respeito. A experiência dos Estados que legalizaram a eutanásia revela que não é possível restringir essa legalização a situações raras e excepcionais, como muitas vezes se defende. O número de mortes associadas à eutanásia e ao suicídio assistido aumentou nos países em que tais práticas foram legalizadas, como é o caso da Bélgica, Holanda, Suíça e o Estado de Oregon nos Estados Unidos. Uma vez legalizada a eutanásia, o Estado corre o risco de, por razões economicistas, privar os doentes com doenças incuráveis de receber os tratamentos adequados e com isso antecipar o momento da morte, encurtando a vida da pessoa. Em países que legalizaram a eutanásia, a prática desta estendeu-se a crianças recém-nascidas com deficiências graves e a adultos com grave deficiência e incapazes de exprimir a sua vontade consciente, o que até contradiz o princípio de base da eutanásia que é a decisão de morrer expressa pela própria pessoa.

A legalização da eutanásia é um progresso civilizacional? Ao contrário do que se defende, não é um progresso civilizacional, mas antes um retrocesso. Em diversas sociedades primitivas, bem como na Grécia e na Roma antigas, a eutanásia era praticada. A valorização e a defesa da vida humana em todas as suas fases foram instituídas, em grande parte, pelo Cristianismo. Essa valorização e defesa foi um dos grandes estímulos ao progresso da medicina. Uma sociedade será tanto mais moderna e avançada quanto melhor trata e cuida dos seus elementos mais vulneráveis, criando leis e normas que impeçam o mais forte de exercer o seu poder sobre o mais fraco.