1. Neste tempo de Páscoa, os cristãos não celebram apenas a alegria da Ressurreição. Ao lermos o Evangelho de João, há um episódio do maior interesse em que se fala de Tomé, o Apóstolo que duvidava da Ressurreição do Senhor. Porque não estava presente quando, na tarde do primeiro dia, Jesus apareceu aos apóstolos reunidos no Cenáculo, Tomé afirmou perentoriamente que se não visse as chagas de Jesus nas suas mãos e a ferida no seu peito, não acreditaria. Pode dizer-se que Tomé queria a evidência deste acontecimento, queria acreditar depois de ver. Foi por isso que, oito dias depois, o Senhor lhe disse para ele tocar nas chagas das suas mãos e na ferida do seu peito, acrescentando: “Não sejas incrédulo, mas crente”. Dizem os estudiosos da Sagrada Escritura que o evangelista não queria referir-se precisamente a Tomé, mas a todos os que, ao tempo, ainda duvidavam. Porque a fé não se fundamenta na razão mas no mundo dos afectos, a Ressurreição de Cristo não se prova por evidência. Adere-se à fé pelo testemunho dos crentes e pela Palavra onde se vai descobrindo a realidade da Pessoa de Jesus. Jesus soube dizer um dia: “Felizes todos os que viram e acreditaram, mas mais felizes ainda aqueles que acreditam sem terem visto (Jo 20, 29). Estando o acto de fé no campo dos afectos, compreende-se que ao nível da inteligência possa haver dúvidas.
.Muitos dos discípulos de Cristo que com Ele tinham privado, mesmo no Monte da Ascensão em que Jesus se despediu, ainda duvidavam (cf Mt 28).
. Alguns teólogos que dedicam a sua vida aos estudos da mensagem de Jesus para confirmar a verdade, põem dúvidas e tentam encontrar a solução para elas.
.Grande número de santos canonizados questionaram-se acerca de algumas expressões de fé e sobretudo da presença de Deus no meio das dificuldades. Teresa de Calcutá diz, no seu diário, ter tido muitas dúvidas ao longo de cinquenta anos.
.Há muitos cristãos, cristãos convictos, que hesitam quando as dificuldades são maiores e o sofrimento é mais intenso. Perguntam-se mesmo: “Que mal fiz eu a Deus?”.
A dúvida faz parte do ser humano. A inteligência e o discernimento exigem uma interpelação constante sobre aquilo em que se acredita. Por isso são absolutamente naturais as nossas dúvidas. Perante elas pedem-se atitudes que abram as portas a uma intimidade maior com o Senhor.
2. O ser humano, porque é um ser inteligente e livre, tem o hábito de interrogar-se sobre as pessoas, as coisas, os acontecimentos e as situações. Qualquer um gosta de saber com quem se dá, quem é o amigo com quem se encontra, o que faz a pessoa que o procura. Talvez por querer saber isso tudo, o ser humano avalia cada momento da sua vida e é então que se multiplicam as dúvidas. O ser humano é um complexo bio, psico, social, cultural, espiritual e até religioso. É em cada um destes passos que as dúvidas se levantam.
.Ao nível da saúde e do bem-estar físico, levantam-se dúvidas sobre as doenças, o mal-estar, os eventuais tratamentos e muitas outras coisas. Neste caso, tantas vezes a dúvida converte-se em pânico perante o desconhecido que traz consigo ameaças de sofrimento ou até de morte.
.Ao nível das relações sociais, as pessoas perguntam-se sobre quem são os seus verdadeiros amigos. Querem saber em quem confiar quando se inserem num grupo, ou até quando criam um relacionamento íntimo com alguém.
.No mundo da actividade profissional, precisa-se de saber quem são os colaboradores que estão ao seu lado, companheiros de trabalho e concorrentes no progresso da carreira. Esta dúvida cria um imenso mal-estar.
.Na manifestação espiritual e religiosa, muitos perguntam-se onde está Deus quando o sofrimento é maior ou os acontecimentos são mais difíceis de entender. Na dúvida, chega-se mesmo a perguntar se Deus existe.
Se o ser humano, na sua inteligência, tem dúvidas de todo o género, compreende-se que os cristãos, mesmo os praticantes, tenham dúvidas sobre as verdades da fé. Torna-se indispensável ter a Ressurreição de Cristo como o fundamento da fé cristã, sabendo que a partir de Cristo Ressuscitado tudo é novo, tudo é verdadeiro, tudo é bom. Na tempestade do Lago, perante as dúvidas de Pedro e dos outros, Jesus tinha dito: “Homens de pouca fé porque duvidais?” (Mt 8, 26). Depois da Ressurreição, porém, perante a dúvida de Tomé, Jesus soube dizerlhe: “Feliz porque acreditaste, mas mais felizes ainda serão os que acreditam sem terem visto”.
3. O que fazer perante as inúmeras dúvidas que assaltam a pessoa humana? É claro que não se pode viver numa dúvida constante. É preciso fazer discernimento, compreender a situação e procurar ultrapassá-la.
. Em primeiro lugar é necessário esclarecer qual o tipo de dúvida que nos preocupa. Pode tratar-se de um problema grave ou apenas de uma questão superficial que rapidamente se resolve. Como classifico a minha dúvida?
.Depois, deve manter-se a serenidade e a paz. Não há nada que não seja ultrapassável. Respirar fundo, descontrair um pouco, cultivar a esperança, saber aguentar o tempo difícil, tudo isto constitui uma atitude que permite não ter medo das dificuldades.
.É preciso também procurar a solução indispensável. Para isso pode recorrer-se à internet, a um estudo suficiente do que está em causa, ouvir um bom conselheiro, e, depois, reflectir sobre o caminho novo que cada um se propõe para vencer as suas dúvidas.
Às vezes vale a pena recorrer a um perito. Se as dúvidas são do foro da saúde, um bom médico de diagnóstico pode dar-nos tranquilidade. Se o problema é de natureza espiritual, um bom confessor ou um director da consciência pode ser pacificador. Se a questão é outra, procure-se a pessoa com experiência na solução desses problemas.
.Nas dúvidas estritamente religiosas, um tempo de oração leva a clarificar as coisas com a certeza de que Deus nos ama e não nos deixa sós na tribulação.
Todas as dúvidas podem ser vencidas, assim cada um saiba manter a paz, consiga reorganizar o seu caminho, descobrir a solução que a sua inteligência e a sua sensibilidade pouco a pouco lhe ditem. Perante as dúvidas não se pode ter pressas, é essencial confiar na Misericórdia de Deus que é fonte de amor e de paz.
4. Toda a experiência humana traz dificuldades. Os cristãos têm, porém, uma certeza: a de que a Misericórdia de Deus aplana todos os caminhos e vence todos os sofrimentos. Foi S. João Paulo II que, acolhendo as visões de S. Faustina, nos veio falar da Misericórdia de Deus, criando mesmo a Festa da Misericórdia Divina a celebrar sempre no segundo domingo de Páscoa. É esta Misericórdia de Deus, um amor sem limites, que vai ajudar o ser humano a superar as suas dúvidas e a manter-se constantemente em paz.
Pe. Vítor Feytor Pinto Prior