1. Quem lê o Evangelho, neste 2º Domingo da Quaresma, depara-se com um acontecimento maravilhoso. Jesus sobe a um monte alto com Pedro, Tiago e João, e transfigura-se diante deles. Com um brilho extraordinário aparece no meio de Moisés e Elias e, no mesmo instante ouve-se a voz do Pai que diz: “Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha ternura. Escutai-O” (Mc 1, 11). Durante a transfiguração de Jesus no Monte (talvez o Monte Tabor) os três discípulos limitam-se a contemplá-l’O. A sua visão de Jesus leva-os a dizer: “Façamos aqui três tendas, uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Os discípulos, em êxtase, querem ficar ali contemplando o Filho de Deus. Foi preciso Jesus “acordá-los” e dizer-lhes que deveriam descer à terra, para ali anunciar o Evangelho. Esta página lindíssima de Marcos e de Mateus revela três coisas:
.que Jesus é o Filho de Deus anunciado pelos profetas, verdadeiro libertador do mal, redentor e salvador para todos os povos;
.que a contemplação constitui o momento mais belo da relação pessoal com Jesus; contemplando, reconhece-se n’Ele o Salvador da Humanidade e Senhor do Universo;
.que, depois da oração contemplativa, é fundamental descer à terra para proclamar o Evangelho do Reino; ninguém pode ficar no Monte; Tabor é um lugar de passagem para melhor responder à missão a que se foi chamado.
A contemplação faz parte da vida espiritual do cristão. Se se reconhece que Jesus é o Filho de Deus que, aliás, deve ser escutado, então, acolher a sua Palavra é o caminho para “encharcar” a vida da sua presença.
2. Não é possível viver a Quaresma sem tempos fortes de contemplação. Quem contempla, adora, espera e ama: adora, porque se relaciona com o Senhor; espera, porque sabe receber d’Ele orientações seguras para a sua vida; e ama, porque o amor, síntese de todas as coisas, gera uma relação profunda com Deus e um sentido de serviço para com os irmãos. Às vezes pergunta-se qual a melhor forma de orar. A resposta de Jesus, no Evangelho de Mateus, é esta: “Quando orares fecha-te no teu quarto e ali, a sós com Deus, fala com Ele, como um amigo fala a seu amigo” (cf Mt 6). Neste texto estão as três exigências da contemplação, oração da intimidade:
.procurar um lugar sereno, em silêncio, fora do barulho do mundo. Pode ser o quarto ou outro lugar qualquer, um sítio tranquilo, para poder contemplar;
.depois, falar com Deus como um amigo fala a seu amigo, sem palavras estruturadas ou de rotina, procurando em tudo um encontro de coração a coração, porque só em Deus se pode pôr toda a confiança;
.finalmente, chamar a Deus, Pai, um Deus próximo, um Deus que faz parte da vida de quem ora. Por isso um filho proclama o seu nome, procura construir o seu Reino e aceita sempre a sua vontade; para além disso, porém, reparte o pão de cada dia, perdoa sempre e pede para se libertar da tentação. Deus passa a ocupar na vida do cristão o primeiro lugar.
A contemplação é todo o contrário das orações programadas, rotineiras, com manifestações de interesse que levam a pensar em Deus só quando se precisa d’Ele.
3. Há inúmeras formas de contemplar tudo o que de Deus nos vem. O mundo actual caracteriza-se pela agitação, pelo barulho, pelo medo. A contemplação pede exactamente o contrário: o silêncio, a solidão procurada, o murmúrio na comunhão que se tem com Deus. Por isso vale a pena olhar para as inúmeras situações em que se é convidado a contemplar. Todas estas formas são expressões de oração contemplativa:
.contemplar as maravilhas de Deus: na vastidão do oceano, na espuma das ondas que batem nas rochas, na brisa que beija as árvores das florestas, nas flores dos jardins que falam da beleza de Deus, no brilho do sol ou no segredo da noite, tudo pode ser motivo de contemplação pelo que Ele nos dá;
.contemplar as expressões dos homens que têm sempre uma história para contar: o sorriso de uma criança, a ruga de uma pessoa idosa, a generosidade de um jovem, o amor de um casal de namorados, a lágrima de uma pessoa em sofrimento e o céu aberto no rosto de uma pessoa feliz; tudo isto deverá ser lido com os olhos de Deus, o que só é possível contemplando;
.contemplar a própria vida, revelação da ternura de Deus: o nascimento nesta família, o crescimento naquela escola ou na comunidade cristã, os encontros que se vão multiplicando, a vocação que é sempre uma chamada de Deus. Até os mais pequenos acontecimentos trazem sempre a mensagem de alguém; em todos os momentos da vida, Deus está a falar na originalidade da sua linguagem: ao ser humano, compete escutá-l’O. Também aqui é fácil contemplar;
.contemplar o quotidiano vulgar que traz sempre desafios novos que são chamadas de Deus; em cada momento da vida pode perguntar-se: “Senhor, porque me chamaste?” E logo acrescentar: “Falai Senhor que o vosso servo escuta” (1Sm 3, 10).
A contemplação é a oração por excelência do cristão. Dar tempo à contemplação, aceitar os desafios de Deus, compreender a sua presença constante e manter o diálogo de proximidade com fé, é o essencial da oração do cristão. É nesta disponibilidade para Deus que depois entra a sua Palavra que nos possui, nos renova, nos transforma e nos transfigura.
4. Motivados pela transfiguração de Jesus os cristãos são chamados à contemplação. Nas minhas viagens que fiz à Terra Santa recordo três lugares onde me foi possível contemplar, perdendo-me no tempo. Em 1965, chegando ao Calvário, encostei a cabeça ao altar do rito latino. Perdi-me no tempo, contemplando um Deus que, feito homem, deu a vida por mim. Depois, no Monte das Bem-Aventuranças e no Monte Tabor fiquei em êxtase, acompanhando Jesus nesses dois grandes momentos da vida, com a proclamação das Bem-Aventuranças e a revelação que fez do Pai. Agora, há inúmeros lugares onde posso fazer silêncio e rever a imensa ternura de Deus, ao dar-me o seu Filho, para Ele me acompanhar no caminho da salvação. Dar tempo à contemplação é um desafio que nos é feito nesta segunda semana da Quaresma. Contemplar será reconhecer esse louco amor que Deus tem por cada um de nós.
P. Vítor Feytor Pinto