1. A mensagem do Senhor Patriarca para esta Quaresma centra-se no olhar que Deus tem sobre cada um de nós. É um olhar de misericórdia, de perdão e de amor. A misericórdia de Deus é maior do que toda a nossa culpa. O perdão é devido a todos, qualquer que seja o caminho de cada um. O amor é o verdadeiro nome de Deus. É este Deus que “vê tudo no oculto” que nos dará a recompensa de tudo o que se fizer, mesmo que seja a esmola, a oração e o jejum. O olhar de Deus converte a esmola ou dádiva gratuita em partilha fraterna; a oração, em diálogo de intimidade com Deus; e o jejum, em sobriedade de vida, em todos os seus patamares. De facto o olhar de Deus transforma todas as coisas, converte-nos, torna-nos homens novos. O Patriarca de Lisboa, na sua mensagem, deixa-nos olhares extraordinários:

Olhar sobre Deus – “O segredo de Jesus foi estar sempre com o Pai, sendo um só com Ele, foi também um só constantemente para todos”. O grande apelo é o ser caminho com Deus, por Cristo, em todas as situações da vida.

Olhar sobre o outro – “Jesus ofereceu-se, em cada cuidado prestado ao outro, não buscou plateia, nem aplauso, bem pelo contrário”. A passagem de Jesus pela Galileia ou por Jerusalém não pretendia mais nada do que, no escondimento, fazer o bem.

Olhar sobre a comunidade – “Para Jesus qualquer ostentação, mesmo religiosa, estaria sempre a mais”. Quando hoje tantos querem parecer diferentes, julgando com isso serem melhores do que os outros, a mensagem de Cristo é a maior exigência.

Olhar sobre a vida quotidiana – “Ser cristão é, substancialmente, um outro modo de ver, e o baptismo é fundamentalmente uma iluminação”. Em última análise, o cristão deve ver tudo com os olhos de Deus, só a luz de Cristo permite ao cristão descobrir em todas as coisas um brilho novo, o sinal da salvação.

Estas pequenas “dicas” que o Senhor D. Manuel Clemente nos deixa na sua mensagem quaresmal desafia-nos a descobrir uma maneira diferente de viver a fé e de a pôr em prática na relação com os outros. O tempo de Quaresma convida-nos a ver tudo de maneira nova, com os olhos de Deus. O olhar de Deus em nós transforma tudo para um sentido novo e depois desafia-nos.

  1. Quem conhece e acompanha a vida de Jesus, através dos Evangelhos, compreende rapidamente que a coisa mais bela da narrativa que nos é dada são os olhares de Jesus. Cada pessoa que cruza com Ele é olhada de maneira diferente. Pode ser um olhar de ternura, um olhar de compreensão, um olhar de espera ou mesmo um olhar de chamada, revelador de uma confiança total.

Jesus viu Pedro à beira do lago e chamou-o, dizendo-lhe “de agora em diante serás pescador de homens”. Foi um olhar de confiança para a missão que a Pedro seria entregue.

Jesus viu Natanael debaixo da figueira e desde logo lhe disse que era um homem justo, em quem não havia dolo. É um olhar envolvente que só vê o que é bom.

Jesus viu a samaritana e, apesar de ser um estrangeiro, pediu-lhe água. Depois, deu-lhe a água viva que jorra para a vida eterna. A samaritana descobriu, por aquele olhar, que Jesus era o Messias, o Salvador do mundo.

Jesus em Jericó viu Zaqueu pendurado num sicómoro. Compreendeu que aquele cobrador de impostos não era apenas um curioso. Por isso disse-lhe: hoje vou almoçar em tua casa. O olhar de Jesus libertou-o do dinheiro, do poder, da importância, tornou-o um homem bom, capaz de repartir os bens e seguir Jesus.

Jesus, em casa de Simão, viu Maria pecadora. Olhou-a com um olhar diferente, enquanto Maria lhe banhava os pés com as suas lágrimas e os enxugava com os seus cabelos. Jesus recusou a crítica da sociedade sobre aquela mulher, afirmou a sua dignidade e tornou-a uma referência de beleza e de harmonia num mundo que a condenava.

Jesus, depois de olhar o centurião que lhe pedia pelo seu servo, soube dizer: “Nunca vi tanta fé em Israel”. O olhar de Jesus encontrou um homem humilde e simples, preocupado com um servo que em tudo lhe obedecia.

Jesus, já suspenso na cruz, soube dizer a um dos que estavam crucificados com Ele: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Um olhar de gratidão que abriu a porta da eternidade.

Muitos outros olhares de Jesus podíamos encontrar nos Evangelhos. Estes são os mais significativos, os que revelam todo o amor do Filho de Deus que encarnou, se fez homem, para a todos os homens salvar.

  1. Nesta Quaresma, Jesus olha para cada um de nós. Resta-nos saber interpretar o seu olhar, sempre repassado de amor.

É um olhar de proximidade, próprio de quem acolhe, compreende, espera e levanta uma onda de simpatia a que não pode fugir-se. Este é o desafio da fé. Por isso se adere incondicionalmente à Pessoa de Jesus.

É um olhar de perdão, olhar que leva consigo a misericórdia do Pai e a certeza de que a Jesus valeu a pena oferecer a vida pela humanidade. Com este olhar, cada um de nós é capaz de abandonar-se a Jesus, para com Ele ressuscitar para uma vida nova.

É um olhar de convite, apontando caminhos de vocação e de esperança na missão que Jesus a cada um quer confiar. É tempo de se deixar possuir pelo olhar profundo de Jesus. Ele pede para se levar a cruz de cada dia, para aceitar perder a fim de conseguir ganhar e aceitar ser o último sendo o servo de todos. É este o caminho do cristão.

É também um olhar de exigência para, seguindo-O, cada um de nós ser pobre, humilde, misericordioso, justo e construtor da paz. O olhar de Jesus tem a resposta na Bem-Aventurança, na generosidade de cada dia em que só Ele conta, só Ele pode pedir, só Ele é.

Os olhos são o retrato da alma. Pelo olhar Jesus revela-se constantemente. O problema do cristão está em responder-lhe fixando-O de tal maneira que uma corrente de exigência, de generosidade e de amor leva a uma fidelidade sem condições em todos os momentos da vida. Em qualquer momento da nossa história humana Jesus empresta-nos o seu olhar para nele recriarmos o nosso. Então, neste tempo de Quaresma o nosso olhar converter-se-á sempre em olhar de acolhimento, de perdão, de reconciliação, de paz e de alegria.

  1. O desafio que a todos é feito pela mensagem do Senhor Patriarca é o de que convertamos o nosso olhar. Se virmos tudo e todos com os olhos de Deus, tudo à nossa volta se vai transformar, na família, no trabalho, na vida social, na comunidade cristã. Com a conversão do nosso olhar tudo vai ser diferente.

          Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior