- As comunidades cristãs durante as últimas semanas foram-se preparando para celebrar a Ressurreição de Jesus Cristo. Fizeram-no através da penitência durante o tempo da Quaresma, entraram com Jesus em Jerusalém no Domingo de Ramos, sentindo que Jesus é Rei e Senhor mas não para este mundo, é Redentor e Salvador para toda a humanidade. Celebraram depois o Tríduo Pascal. A Quinta-Feira Santa revelou o extremo amor de Jesus ao instituir a Sagrada Eucaristia. Depois a comunidade acompanhou o sofrimento de Cristo à volta da sua Paixão e Morte. Todos os cristãos viveram intensamente o mistério de Cristo sofredor. O sofrimento faz parte da vida de Jesus. O sofrimento faz parte da nossa vida humana. Pode cada um encontrar no sofrimento de Cristo o seu próprio sofrimento.
.Jesus viveu o brutal sofrimento da solidão numa sociedade que não o compreendia quando defendia os humildes e se solidarizava com todos os pobres; quando curava os doentes e lhes apontava a fé como remédio; quando a morte batia à porta de alguns e Ele os fazia voltar à vida.
.Jesus viveu o sofrimento da perseguição: fariseus e doutores da lei constantemente preparavam armadilhas para poder apontá-lo como criminoso ou blasfemo. Apesar de ser difícil, Jesus conseguia sempre vencer aqueles que queriam provocar-lhe a morte.
.Jesus viveu o sofrimento da crucifixão. Do Horto das Oliveiras até ao Calvário, Jesus foi, de facto, o “homem das dores”. Sofreu perante o julgamento dos sumo-sacerdotes, perante o tribunal de Pilatos e até perante os gritos do povo que em tribunal popular para Ele pediram a morte. Que dor intensa não terá sido o ser pregado na cruz e alçado entre o céu e a terra?
.Jesus viveu o abandono dos discípulos. Se Judas o traiu e Pedro o negou, todos o abandonaram na hora mais importante da vida de Jesus. O momento fundamental da Redenção, a sua morte porta aberta para a ressurreição.
.Jesus sofreu mesmo com o aparente abandono do Pai quando, citando um salmo, rezou assim: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
Os cristãos recebem de Jesus lições extraordinárias de sofrimento. Se se identificarem completamente com Cristo serão capazes de aceitar a dor que lhes bate à porta que é sempre um limite da natureza. Poderão também oferecer o seu sofrimento unidos à Paixão de Cristo, caminharão para atingir a perfeição porque se tornam também corredentores com Cristo na salvação de todos.
- Mas afinal o que é o sofrimento? Ele faz parte da vida humana, é um limite da natureza, nunca um castigo de Deus. Anda por aí à venda uma medalha, que na face tem a palavra amor e na contra face tem escrita a palavra dor. É que não existe amor sem sofrimento. Acontece com a mãe no seu amor pelos filhos, acontece também naqueles que se amam para construir uma vida, acontece até naqueles que pela fé acreditam em Jesus e sofrem constantemente o estranho mistério da dúvida. Quando se fala de sofrimento é fundamental fazer a distinção entre o sofrimento e a dor.
A dor é física e até com alguma facilidade se pode diminuir com cuidados paliativos eficazes. A dor faz parte do percurso humano desde as crianças que se magoam no seu brincar, até aos mais velhos que são surpreendidos por doenças que provocam dor intensa. Todos podem aliviar as suas dores tentando dominá-las, em momentos de silêncio, de domínio de si próprio e até da oração súplica.
O sofrimento é espiritual. Quantas pessoas sofrem terrivelmente sem terem dor física: os pais que perdem um filho, os idosos deixados na solidão, todos os que são surpreendidos pelas “doenças” do tempo presente, ou por jovens que não conseguem emprego, pelas famílias que foram obrigadas a deixar a sua casa ou quantos pobres sobrevivem apenas com o salário mínimo. O sofrimento tem muitos rostos.
Hoje é urgente falar do sofrimento global. Quantas e quantas vezes um sofrimento intenso provoca dores físicas. É o caso da rotura na família em que as lágrimas dão lugar a uma dor intensa. É também o caso dos jovens que veem limitados todos os seus sonhos e se sentem enfraquecidos por dores que os surpreendem, é também o caso dos mais velhos que com o medo do fim de vida não são capazes de aceitar os limites da natureza que lhes batem à porta. O sofrimento gera muitas vezes a dor e a dor intensifica o sofrimento, é a isto que se chama sofrimento global.
O sofrimento e a dor são um mistério. É preciso preveni-los, é possível aceitá-los, é muito belo saber oferecê-los. Vale a pena recordar o congresso internacional realizado em Lisboa em que a melhor oração foi a que 150 doentes fizeram pela renovação espiritual e pastoral do Patriarcado de Lisboa. A oferta do sofrimento também leva a uma profunda paz.
- Nem sempre o sofrimento e a dor são negativos. A mãe que espera um filho, depois da dor do parto, sente uma alegria intensa: o nascimento de uma criança é uma realização para a mulher e uma felicidade para o casal. Também os artistas precisam do sofrimento e da dor para serem criativos. Na história da música as melhores peças nasceram de compositores marcados por um grande sofrer. Todo o engenho humano obriga a longos tempos de preparação, muitas vezes aceites para se alcançarem os sonhos. Os desportistas para atingirem o “top” precisam de sofrer os treinos continuados com exigências sem limites. Acontece o mesmo com os pintores, os escultores, os bailarinos, os escritores e os poetas, toda a arte está amassada no sofrimento que quanto mais intenso mais criativo é. Tudo isto acontece porque a dor e sofrimento abrem a porta à esperança.
Bento XVI na sua encíclica Spe Salvi diz mesmo que o sofrimento é o lugar da esperança. Os ditos populares são mentirosos quando dizem que “quem espera desespera”. Ao contrário, quem sofre tem sempre razões de esperança para ultrapassar as dificuldades que a vida lhe oferece.
Todos os Papas referem a Paixão de Cristo como tempo de Redenção a que os cristãos se podem associar. De facto, se Jesus deu a maior prova de amor, dando a vida pelos seus amigos, ainda mais morrendo por toda a humanidade, também cada cristão, vivendo o mistério pascal, pode oferecer o seu sofrimento tornando-o desde logo fonte de ressurreição. Este é o mistério da esperança.
O mundo de hoje tem muita dificuldade em aceitar o sofrimento, por isso multiplica produtos químicos para se libertar da dor, mas ela em espasmos regressa sempre. Não bastam cuidados paliativos, são urgentes os cuidados espirituais. É através da transcendência que cada ser humano se ultrapassa. Para conseguir viver o domínio de si próprio e dar a cada sofrimento um sentido novo que enriquece toda a vida. Há muitos que superando a dor global acabam por dizer: “valeu a pena”.
O desafio da esperança traz sempre consigo uma imensa fonte de alegria. Se buscamos meios para superar o sofrimento, é a esperança que está em causa. Se vamos ao encontro de alguém que está longe de nós com quem queremos reconciliar-nos é sempre a esperança que nos move. Se na nossa fragilidade sentimos culpa diante de Deus, a certeza de um Deus Pai misericordioso motiva a capacidade de conversão. É ainda a esperança a alimentar os nossos caminhos.
- Queridos amigos, vivi estes dias em comunhão profunda com o Padre Hugo e toda a Comunidade Paroquial do Campo Grande que celebrava a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Podem imaginar o sofrimento da distância que me foi imposta pela dor que me bateu à porta. Se a dor física está a ser recuperada, o sofrimento só é atenuado por todo o carinho que tenho recebido nas orações de cada um e no apoio da Paróquia às minhas carências neste tempo de provação. A minha esperança está em regressar em breve, para poder estar com todos na alegria do nosso amor comunitário. Em Cristo somos um só, em Cristo oferecemos o nosso sofrimento para uma comunhão sempre maior na comunidade paroquial, em Cristo este sofrimento da solidão é superado pela vossa presença amiga, convertendo-se mesmo em alegria verdadeira. Agradeço a todos a vossa presença e o vosso carinho. Obrigado! Vítor Feytor Pinto