1. Quando em Barcelona se reuniram os Bispos das maiores cidades do mundo para repensar a evangelização nas metrópoles, alguém disse, com alguma surpresa, que não era possível levar a Boa Nova a esses lugares, onde se movimentam multidões, sem “escutar a cidade”. O Patriarca de Lisboa, ao convocar o Sínodo Diocesano para 2016, repetiu este desafio, afirmando que só escutando a cidade, com as suas vozes ou os seus gritos, é possível anunciar o Evangelho que tudo pode transformar. Durante esta semana, no princípio de 2016, reuniu-se o Presbitério da Diocese de Lisboa e, ao reflectir sobre as experiências da nova evangelização, apareceu outra vez este slogan: “é preciso escutar a cidade”. Mas como é a nossa cidade?  A cidade perdeu o sentido de Deus mas continua à procura de alguém que possa ser referência em todas as situações da vida. As ideologias radicalizaram as pessoas, os líderes ficaram esquecidos, os cidadãos com algum prestígio social foram desaparecendo. Há na cidade uma sensação de vazio. 

.  A cidade deixou muita gente na periferia. Há muitos pobres a quem é urgente ajudar, para sobreviverem; há muitos doentes e idosos que sofrem a solidão mais violenta, no segredo das suas casa s; há gente marcada pelo desemprego, com baixo salário, com residência sem dignidade, e até com a rua como morada. 

. A cidade tem jovens e crianças sem o ambiente de família necessário. Quantas famílias desestruturadas, com crianças à procura de um colo, ou jovens com necessidade de um conselho, ou casais com urgência de um apoio. 

.  A cidade já não tem referências. Os mais velhos são postos à margem, os antigos professores são esquecidos, os avós e até já os pais e as mães são vistos com desconfiança. As ideologias tornam iguais todas as pessoas e acabaram por sobrar os que afirmam o seu próprio egoísmo, para poder sobressair no meio da multidão.

É a esta cidade que é preciso escutar, os seus sorrisos, os seus cantos, a sua alegria, mas também os seus gritos, os seus clamores, o seu sofrimento e, ainda, a sua esperança. Escutar a cidade é a primeira atitude de uma Igreja em saída, que quer ir ao encontro dos problemas reais, para ajudar a resolvê-los com a força da solidariedade.

2. Em tempo sinodal, as comunidades cristãs têm oportunidade de ir ao encontro de todos. No desafio da vida partilhada, que a sinodalidade significa, a Igreja tem uma missão extraordinária, a de levar a ternura de Jesus às pessoas, aos ambientes e às estruturas. E os cristãos são os evangelizadores da cidade, os que levam à cidade a Boa Nova. É necessário, porém, escutar as vozes dessa cidade: 

. O clamor dos pobres que têm fome e sede de justiça, que lutam pelos seus direitos, que querem ser integrados na sociedade com estatuto de igualdade. 

. A solidão dos mais velhos que vivem sozinhos no meio da multidão que os esquece ou no segredo das suas casas cuja porta já se não abre. Até da família estão distantes. 

. A angústia dos que são vítimas de crises sucessivas e que não conseguem solução para vencer a situação social em que vivem; são gente aflita que corre todos os lugares onde o seu currículo possa ter cabimento. 

. A perda do sonho de muitos jovens que são obrigados a atravessar a fronteira para recriar o sonho de uma vida que, pelo menos na aparência, está perdida.

.O choro das crianças que não conheceram o pai e a mãe e foram atiradas para instituições onde o carinho e a ternura são mais difíceis. Quantas crianças a quem falta o colo da mãe e as brincadeiras que o pai lhes proporciona. 

. O esquecimento de Deus e o abandono da comunidade cristã uma vez que, depois de O conhecer, d’Ele se afastaram por uma má experiência que a Igreja-instituição lhes provocou.

É preciso escutar todas estas vozes da cidade para a cada um levar as razões de esperança e alegria a que têm direito. Há também outras vozes, as da cultura, as da ciência, as das empresas, as das profissões, as das responsabilidades sociais. Perante todas estas vozes os cristãos não podem passar sem dar conta de que só com o anúncio de Jesus é possível levar ao mundo a salvação.

3. O segredo está em saber responder às vozes da cidade. Se as vozes são para ser escutadas, então a relação próxima com as pessoas deverá levar consigo respostas eficazes. O que fazer então? 

.  Falar de Jesus às pessoas, uma vez que não há salvação em nenhum outro, como disse S. Pedro ao anunciar a Ressurreição (Act. 4, 12). 

.  Afirmar valores, porque sem eles acaba cada um a pensar só em si. Esses valores são a verdade, a justiça, a liberdade, o amor e a paz. 

.  Dar testemunho de Cristo, em toda a parte, e, àqueles que no-lo pedirem, dar razão da esperança da vida eterna que há em nós. 

. Desenvolver uma acção social organizada para responder às grandes dificuldades sociais que as pessoas suportam.

.  Reorientar quem vive mergulhado na confusão, ajudando a que ele encontre o caminho para poder chegar à felicidade. 

. Fazer oração pelos mais vulneráveis, por aqueles que se deixaram apanhar pela tormenta da crise e do abandono, para reencontrarem o rumo das suas vidas.

O essencial para que o cristão leve à cidade resposta ao imenso clamor dos que sofrem, é mesmo o amor, o paradigma do ser cristão. “Porque amais, os outros vos reconhecerão como meus discípulos” (Jo 13, 35).

4. A Paróquia do Campo Grande deve “estar em saída”, com as portas abertas, para ir ao encontro daqueles que procuram o sentido da vida e querem conhecer Jesus. É esta a missão dos cristãos no meio da cidade dos homens.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior