1. A meio do caminho quaresmal os cristãos são convidados a celebrar a alegria que na Vigília Pascal atingirá a plenitude. Neste 4º Domingo da Quaresma não se fala de penitência. A nota dominante é a Pessoa de Jesus que é a Luz do mundo. É Ele próprio que o diz aos discípulos quando, ao encontrar o cego de nascença, lhe perguntam quem pecou, os pais ou o homem, para ter o castigo de nascer cego. Para os discípulos de Jesus, a imagem que tinham de Deus, era a de um Deus castigador. Jesus contrariou esta ideia, afirmando que ninguém pecou, apenas se está perante uma dificuldade humana que será vencida pelo grande amor de Deus. Jesus afirma mesmo: “Eu estou no mundo, eu sou a luz do mundo”. Para prová-lo Jesus fez um pouco de lama com a sua saliva, tocou nos olhos do cego e pediu-lhe para ir lavar-se na piscina de Siloé. Para o cego fez-se luz, porque Jesus Cristo é a Luz do mundo. Esta narrativa do Evangelho de S. João tem um número grande de personagens todas elas relacionadas com a luz. 

.O cego de nascença que vive nas trevas encontra-se com a Pessoa de Jesus. Não pede nada, são os discípulos que reparam nele, mas para Jesus não é indiferente. Por isso lhe propôs curá-lo. 

.Os discípulos têm uma visão negativa de todas as coisas. Então perguntam quem é o culpado daquela cegueira, qual o pecado que foi cometido e por quem. De alguma maneira os discípulos também estavam cegos. Não tinham compreendido que não havia culpados. A cegueira seria vencida pelo gesto de Jesus, um gesto de amor. 

.Jesus, sem nada lhe ser pedido, tem uma atitude humana, utiliza o lodo da terra, dá uma orientação, vai lavar-te à piscina de Siloé, e oferece ao homem o que ele não esperava, a luz para os seus olhos. O cego de nascença passou a ver. 

.Os vizinhos, na sua curiosidade, foram os primeiros a conhecer que o cego tinha encontrado a luz para os seus olhos. De facto, diziam, ele era cego e agora vê. Tornaram-se as primeiras testemunhas. 

.Os fariseus não se preocupam por reconhecer a luz. Prisioneiros das suas regras, só sabem que é sábado e nesse dia Jesus não pode curar ninguém. Os fariseus só têm um interesse: culpabilizar Jesus e marginalizá-l’O. 

.Os pais do cego de nascença não querem problemas. Comodamente dizem que o filho já é crescido e pode responder por si próprio. Apanhados pelo medo, propõem deixar o filho entregue a si próprio na sua defesa. Indiferentes, nem a um filho quiseram ajudar. 

O cego de nascença foi expulso do templo, encontrou de novo Jesus e os dois viveram um diálogo de salvação. “Acreditas no Filho do Homem? Quem é, Senhor? Já o viste, é Aquele que está a falar contigo. Eu creio, Senhor”.

Neste episódio, que envolveu tantas pessoas, pode cada um perguntar-se qual é o seu lugar: o cego, os discípulos, os vizinhos, os pais, os fariseus? Até que ponto acreditamos que Jesus é, em todas as circunstâncias, a luz que vem a este mundo?

2. Na mensagem para esta Quaresma, o Papa Francisco refere que o pecado nos cega. Centrados em nós próprios, marcados pelo egocentrismo, tantas vezes nos acontece esquecermo-nos de Deus e dos irmãos. O pecado não é outra coisa do que o culto acumulado do “eu”. Dar cada um a si próprio o primeiro lugar. É isto que nos faz cegos. Francisco, Papa, ainda vai mais longe ao dizer que as coisas que nos cegam são o dinheiro, a vaidade e a soberba. Esta trilogia de culpa constitui uma tentação constante para a exaltação do próprio egoísmo. 

.O dinheiro tornou-se um absoluto no mundo actual. Na vida pessoal e no ambiente social, tudo se centra no ter ou não ter muito dinheiro. A corrupção domina o convívio social e político. A nível pessoal, por causa do dinheiro, cortam-se relações, destroem-se famílias, ultrapassam-se pessoas. De facto, o dinheiro cega. 

.A vaidade traduz-se na preocupação constante por aparecer, revela-se no desejo de ser diferente, de querer ser o primeiro, de se destacar de todos os outros. Afirma-se nas coisas que se têm e se querem mostrar, o automóvel topo de gama, a casa num bairro de notáveis, as lojas de marca ou a moda que se persegue. A vaidade domina a vida das pessoas tornando impossível repararem nas dificuldades dos outros. 

. A soberba está na arrogância que se tem para com os outros. O soberbo quer ser sempre o primeiro, impõe a sua opinião porque tem sempre razão, com facilidade magoa quem o serve, avalia os outros sempre pela negativa e quer toda a gente submissa a seus pés. A soberba alimenta a vaidade e a importância do uso do dinheiro sem ter em atenção os pobres e os que sofrem.

Se o cristão não quer ser cego e deseja mesmo encontrar-se com Jesus tem de vencer estas três tentações e colocar-se permanentemente no último lugar. Jesus disse: “quem quiser ser o primeiro deve fazer-se o último e o servo de todos”. É este o lema que o Senhor nos deixou. Como o cego de nascença, pode dizer-se: “Eu creio que és o Filho de Deus”.

3. Quando o cego de nascença se lavou na Piscina de Siloé, passou a ver tudo com uns olhos diferentes, olhos encharcados de luz. Para o cristão, ver tudo com os olhos de Deus é o grande desafio que nos é feito. Infelizmente, no mundo actual, vê-se tudo pelo lado negativo. É preciso descobrir o positivo das coisas. Este é o segredo de ver tudo com os olhos de Deus.

.Olhar as pessoas com os olhos de Deus leva a descobrir o lado positivo de qualquer um. Há um ditado antigo que diz assim: “No coração de um santo há sempre um demónio que esbraveja, e no coração de um condenado há sempre um santo que chora”. O olhar de Deus em nós permite ver o que é bom em cada um daqueles que nos rodeia. 

.Olhar as coisas com os olhos de Deus vai ajudar o cristão a relativizar tudo o que é material. Há um poema de um coro internacional que diz assim: “las cosas son importantes, pero la gente lo es mas”. De facto, o amor sobrepõe-se à propriedade, ao que se tem. As coisas são para servir os outros, para os fazer felizes, e não para cultivar a nossa importância. 

.Olhar as situações com os olhos de Deus ajuda-nos a viver as dificuldades ou os sucessos com a mesma serenidade de coração. Bernanos no seu livro “Le journal d’un curée de campagne” diz uma coisa muito bonita: “Tout est grâce”, tudo é um dom de Deus. Quer o sofrimento, quer a alegria, as dificuldades ou os sucessos, tudo é um dom de Deus que nos faz felizes.

O encontro de Jesus com o cego de nascença trouxe àquele homem que pedia à porta do templo uma vida nova. Foi assim a luz que Jesus quis oferecer. Vencidas todas as trevas, foi-lhe possível conhecer e amar as pessoas, usar as coisas e viver com alegria as situações do quotidiano. Esta luz de Cristo desde há muito invadiu a vida dos cristãos. No caminho para a Páscoa, para a grande noite da luz, a Vigília Pascal, pedimos ao Senhor que nos empreste os seus olhos para descobrirmos em tudo o que é o melhor.

4. Quarta semana da Quaresma é a semana da luz. Que toda a nossa comunidade cristã se sinta iluminada pela ternura que nos vem de Deus, através do seu Filho feito homem.

Pe. Vitor Feytor Pinto - Prior