1. No mundo de hoje, há imensas pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza, a quem falta o essencial para uma vida digna com a qualidade indispensável para se sentirem felizes. Então, alguns cristãos mais preocupados e atentos são capazes de dizer que têm compaixão dos pobres, dos mais carenciados, dos que mais sofrem. Na linguagem popular, em português, ter compaixão é ter pena do outro que está em dificuldades, é considerá-lo em situação difícil mas sem possibilidade de mudança; é mesmo considerar o outro um “coitadinho” a quem se lamenta mas com quem não se é solidário. Neste Ano Jubilar da Misericórdia, é preciso entender a compaixão, não como um lamento pela situação do outro, mas como um compromisso de solidariedade que leva “a fazer seu o problema do outro” para encontrar os caminhos que podem resolver a situação de sofrimento. Na sua origem latina, a palavra “compaixão” significa, “sofrer com”, estar com aquele que sofre, levar o peso do outro, aliviar todo o sofrimento com soluções suficientes que lançam pontes de esperança a quem sofre. Ora isto é a misericórdia. Compaixão e misericórdia identificam-se de tal maneira que ter compaixão é amar, é escutar, é dar-se, é partilhar com o outro do que se tem, é carregar o sofrimento do outro vencendo, se possível, toda a dificuldade.

2. Deus que, no dizer do salmo 86, “é clemente e compassivo, lento para a ira e cheio de misericórdia”, tem compaixão do homem pecador. Há um livro de extraordinária beleza, escrito por autor desconhecido e que fala da ternura de Deus para com o ser humano em sofrimento. O livro tem o nome de “Relatos de um peregrino russo”. É escrito talvez por um monge do mosteiro de Kasan. No meio de todas as suas desventuras, o peregrino repete uma oração muito simples, na qual põe toda a sua confiança: “Senhor tem compaixão de mim que sou um homem pecador”. O texto refere a sua condição humana na dificuldade de vencer as crises espirituais que a assaltam. As angústias, as dúvidas, as culpas dominam-no completamente. Mas ele sabe que, apesar de ser pecador, Deus não lhe falta nunca, porque tem compaixão dele. A compaixão não é a pena com que Deus o olha. A compaixão é a expressão máxima da misericórdia, que faz Deus levá-lo ao colo. Assim Deus tem compaixão de cada ser humano. Foi por isso que nos enviou o seu próprio Filho para Ele, Jesus, suportar todas as nossas culpas e oferecer a vida por todos os pecados dos homens no sacrifício da cruz. A Paixão e Morte de Cristo é o momento mais alto da compaixão de Deus pelo homem. Em Cristo, Deus assume toda a culpa da humanidade e cobre-a com o seu perdão total. É o mistério da Redenção. Como o peregrino russo citado pelo monge de Kasan, é tempo de pedir a Deus compaixão: 

.  Pelas normais limitações humanas, dificuldades físicas, morais, sociais, espirituais ou de outra natureza; 

.  Pelas inúmeras faltas que se cometem, causadas unicamente pelo egoísmo, que se sobrepõe ao bem dos outros; 

. Pelas omissões, nascidas quase sempre de uma certa desmotivação e preguiça, que reduzem o sonho e matam a esperança;

. Pela rotina que não permite a continuidade necessária ao crescimento na fé, no serviço aos outros, na vida em comunidade; 

.  Pelas palavras a mais ou os silêncios a menos, o que tantas vezes provoca crises e roturas na relação entre as pessoas.

Por tudo isto, porque o ser humano é mesmo assim, cada um, neste caminho quaresmal, pode repetir muitas vezes: “Senhor tem compaixão de mim que sou um homem pecador”.

3. Ter compaixão para com os outros, neste Ano da Misericórdia, supõe fazer seus os problemas e as dificuldades que os outros suportam. É uma solidariedade autêntica que se torna imperativo social. Há na sociedade muitas pessoas marcadas por uma profunda fragilidade. É preciso ir ao seu encontro, assumir as suas carências, compensar a angústia que lhes mina o coração, apostar na resolução das suas causas. Tudo isto é ter compaixão activa. 

. Ter compaixão para com os mais pobres e mais desfavorecidos, um pedido constante do Papa Francisco, quando se sabe que estão à nossa porta e, por vezes, já sem voz para pedir

. Ter compaixão para com os doentes e deficientes; nos hospitais ou em casa, eles precisam de quem leve o peso da sua enfermidade e com o mesmo carinho os acompanhe. 

. Ter compaixão para com os idosos, com uma vida já muito limitada; as suas renúncias e as suas perdas pedem compaixão bem estruturada: a família e os amigos são uma alternativa à institucionalização. 

. Ter compaixão por quantos estão já na etapa final da vida; a tentação eutanásica, a que alguns chamam morte assistida, é o contrário do respeito pela vida que, nessa etapa final, mantém o seu pleno sentido; além disso, os cuidados de compaixão dão a quem se aproxima do fim, a riqueza extraordinária da serenidade e da paz. 

. Ter compaixão para com todos os cuidadores; aqueles que na arte de servir os outros se deixam muitas vezes dominar pelo cansaço e querem desistir da grande missão que lhes foi confiada.

Basta olhar à volta, para encontrar gente que precisa de gente, pessoas que estão em sofrimento e para quem a primeira grande forma de apoio é o amor, a ternura, a misericórdia, a compaixão.

4. Há nas comunidades cristãs uma enorme tentação, ao celebrar o Jubileu da Misericórdia. É uma tentação redutora considerar que o importante no Jubileu é ganhar a indulgência plenária em proveito próprio ou em proveito dos amigos, passando a Porta Santa, celebrando os sacramentos e rezando pelas intenções do Santo Padre. Esta é uma visão limitada da compaixão. Todo o Ano Jubilar pede para se ir mais longe, recriando o ser cristão com uma verdadeira intervenção social:

.  Reconhecendo os outros, sobretudo os mais pobres, os marginalizados, os que não têm ninguém, como verdadeira presença de Jesus; 

. Acompanhando os outros nos seus sonhos, uma vez que não basta dar a cada um aquilo de que ele tem mais necessidade, é preciso estar com ele na construção de um futuro melhor;

. Responder às suas causas ajudando-os a deixar uma atitude reivindicativa ao garantir-lhes a possibilidade de intervir em ideais de valor indiscutível; 

. Cultivando na relação com os outros a alegria que só com amizade profunda se pode garantir; 

. Criando ambientes de harmonia e de paz, indispensáveis para que todas as pessoas se sintam felizes.

Este clima de misericórdia e compaixão não é propósito apenas para uma quaresma, é desafio para toda uma vida.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior