Páscoa da Ressurreição do Senhor – Celebração transmitida em directo
E eis que vemos aqui a continuação da história que escutávamos no Evangelho da noite passada. Maria Madalena, como sabemos, tinha ido ao sepulcro logo ao romper da manhã, para ungir o corpo de Jesus e assim cumprir os rituais fúnebres que estavam prescritos e que não tinha sido possível fazê-los antes, por estar a aproximar-se o Sábado. E vemos precisamente o momento em que ela, depois de ter presenciado o que vimos ontem, volta para junto dos discípulos. E encontra Pedro e João, dois dos que estavam sempre presente nos momentos mais significativos da vida de Jesus, que normalmente levava consigo três discípulos – Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Aliás, não sei se alguma vez repararam mas, no Evangelho de São João, ele nunca menciona o seu próprio nome e substitui-o por outros títulos e expressões como aqui “o discípulo predilecto de Jesus”.
Os discípulos dirigem-se então ao sepulcro para ver se aquilo que as mulheres tinham acabado de lhes contar era mesmo assim. E a verdade é que vão ser surpreendidos, não só pela pedra removida, pelo sepulcro vazio, mas por aqueles sinais tão familiares para eles do pano que cobria o corpo de Jesus e também do sudário que Lhe envolvia o rosto, e que ainda hoje continuam a ser sinais da ressurreição. De facto, o corpo humano de Jesus esteve envolvido naqueles panos, deixou aí impressa a Sua marca, mas Ele não estava lá – ressuscitou! E João, sendo mais novo, chega primeiro, consegue correr mais velozmente, mas vejam como ele dá lugar a Pedro. Logo aqui se começa a perceber o lugar que Pedro há-de ter depois na Igreja nascente, um lugar que lhe foi confiado por Jesus, de ser aquele que está à frente dos discípulos, que depois há-de conduzir a Igreja nascente nos seus primeiros passos.
É Pedro que entra primeiro no sepulcro, logo seguido de João. E, diz-nos o texto que, logo que entrou, João “viu e creditou”. Tal como ontem, quando fizemos o exercício de ver o que levariam aquelas mulheres no seu coração quando subiram para ir ao sepulcro, podemos perguntar-nos também o que iria no coração de João e de Pedro. Seria um pouco diferente, porque elas ainda não tinham visto o sepulcro vazio, ainda ninguém lhes tinha dado um testemunho de que as coisas não estariam tal e qual como elas esperavam. Mas estes sim, a estes as mulheres disseram que o sepulcro estava vazio, que o corpo não estava lá. Como é que eles terão corrido naquele dia? No medo de que o corpo tivesse sido roubado? Que o túmulo tivesse sido profanado? Ou – e eu acredito que seria esta segunda opção – correram na feliz expectativa de que o que Jesus tinha dito acerca de Si mesmo estava cumprido, porque o testemunho que as mulheres traziam era precisamente esse, o da ressurreição.
Estes dois apóstolos são aqueles que, de certa maneira, começam um caminho que há-de depois ser trilhado por muitos homens e mulheres logo naquele dia e, depois disso, até aos nossos dias, que é este caminho daqueles que acreditam na ressurreição, que veem o Ressuscitado presente nas suas vidas, presente na vida do mundo, que veem os sinais do Seu amor a acontecer. Eles, por causa daquele momento e dos encontros que vão ter com Jesus logo depois disso, tornaram-se anunciadores de uma palavra que o túmulo já não pôde silenciar; tornaram-se anunciadores de uma alegria que nunca mais viria a terminar, tornaram-se anunciadores de uma vida nova que todos seriam chamados a viver a partir dali. Uma vida que não era só para os tocar a eles, mas que viria a tocar toda a Humanidade em todos os tempos e lugares do mundo, e que por isso também uma vida que nos abarca a nós, a totalidade da nossa existência.
Por isso, hoje é imperativo que nos perguntemos como está a nossa fé na ressurreição. Onde é que nós vemos na nossa vida as marcas da presença do Ressuscitado, onde é que a nossa vida é também continuadora da vida ressuscitada de Jesus, onde é que os nossos gestos são os gestos do Ressuscitado, onde é que as nossas palavras são as palavras do Ressuscitado, onde é que as nossas escolhas deixam entender que vivemos a partir desta adesão de coração a este homem que, ao contrário do que seria de esperar, se manifesta vivo.
São Paulo, em várias das suas cartas, vai aprofundar o sentido do Baptismo como um momento pascal da nossa vida. Aliás, daí também a celebração dos baptismos de adultos tradicionalmente na Vigília Pascal. Pelo Baptismo somos sepultados com Cristo na morte, como homem velho, e depois ressuscitados com Cristo para a vida eterna a partir daquele sacramento celebrado. E isso é uma vida ressuscitada, que nos é entregue a partir desse momento. A nossa vida está escondida com Cristo em Deus. E, por isso, se queremos sentir-nos vivos, procurar o sentido mais profundo da nossa vida, se queremos viver uma vida que seja realmente feliz e pascal, havemos de procurar essa vida em Deus. Quantas vezes andamos à procura da vida longe de Deus? Quantas vezes andamos à procura da felicidade longe de Deus? Quantas vezes andamos à procura de um sentido para a nossa existência longe de Deus? Pois andaremos sempre longe de nós também. Porque, a partir do momento em que aderimos a Jesus, então a nossa vida e a chave que desvenda o seu mistério está em Jesus e só aí podemos encontrar a plenitude do sentido para o que somos.
Nós só somos em Deus; fora de Deus não somos nós. Somos alguma coisa que ainda não se encontrou, que ainda anda à procura, que ainda precisa de caminhar, talvez até de correr, como fizeram os discípulos. Correr ao encontro de Jesus, mas mais profundamente ao encontro de si mesmos, do sentido último profundo para as suas vidas.
Deixava este apelo: a vermos como temos andado à procura do sentido para a nossa existência, a vermos onde temos andado á procura da felicidade, a vermos onde acabam as nossas tentativas que às vezes vemos fracassadas. Se calhar temos de procurar mais em Jesus, procurar mais a proximidade com o Ressuscitado, procurar mais que as nossas palavras, os nossos gestos, as nossas escolhas transpareçam a presença viva deste Jesus na nossa vida. Só assim teremos aderido plenamente à Páscoa.
A Páscoa pode ser um momento importantíssimo para nos reunirmos em família; a Páscoa pode ser um pretexto para fazermos muitas festas e romarias (que este ano até não puderam acontecer). Mas a Páscoa será pouco vivida se ela não for isto: o momento em que nós saímos ao encontro daquele que nos precede, daquele que já nos espera – Jesus, o Ressuscitado – no qual a nossa vida encontra a sua finalidade última.
Só saberemos realmente quem somos quando formos totalmente no Ressuscitado.
12 abril 2020