1. Apesar dos repetidos apelos à paz feitos pelas Nações Unidas pelos últimos papas e por grande número de responsáveis políticos, parece que, no mundo actual, a reconciliação e a paz são coisas impossíveis. Cada pessoa está tomada das suas razões, cada um tem os seus critérios, e, a partir dos egoísmos pessoais ou de grupo, multiplicam-se as tensões e acontece a rotura do diálogo que todos afirmam ser necessário. Falta sempre a harmonia, elemento essencial ao convívio são entre as pessoas. Ao olhar para o mundo, o que se vê? 

. A nível internacional, repetem-se as guerras, as agressões de natureza étnico-religiosa, as violações dos tratados de paz. 

. A nível político, multiplicam-se os conflitos, os choques ideológicos, as acusações verbais, com uma dificuldade imensa em construir os consensos indispensáveis ao bem comum. 

. A nível profissional, a competição sobrepõe-se ao trabalho em equipa, para melhores resultados nas diversas actividades que se desenvolvem; até se diz que “o maior inimigo é o oficial do mesmo ofício”. 

. A nível familiar, sucedem-se os divórcios e a violência doméstica; além disso, o diálogo entre pais e filhos torna-se cada vez mais difícil, com a cumplicidade de terceiros que comprometem uma relação que deveria ser sempre de amor. 

.  A nível social, há imensa gente que só se sente bem quando, à sua volta, se repetem os ditos e mexericos que comprometem definitivamente a harmonia entre as pessoas. 

. Ao nível da comunicação social, nos jornais, rádios e televisões, mantem-se o aforisma “no news,good news”. Por isso, as notícias são sempre reveladoras de coisas negativas e de tensões que se agravam cada vez mais.

É este infelizmente o mundo em que nós vivemos hoje. Há uma total incapacidade de empatia nas relações difíceis, de compreensão para os eventuais erros de alguns, de reconciliação na disponibilidade para perdoar e de construção da paz no ambiente em que se desenvolvem as actividades de cada um.

2. As relações humanas têm-se regido, ao longo dos milénios, por regras jurídicas nem sempre fáceis de compreender. Pensa-se agora que as relações humanas teriam sido sempre marcadas por normas fáceis de entender, mas não foi assim. A evolução das regras tem sido muito lenta e só com a pessoa de Jesus Cristo se descobriu a importância do perdão e da reconciliação como propostas para a harmonia social indispensável. 

. Durante milénios não houve regras para a convivência entre os seres humanos. O poder, fosse ele qual fosse, sobrepunha-se a qualquer outra razão. Assim surgiu a escravatura e o direito à destruição do outro. 

. Nos povos mais antigos começou a sentir-se a necessidade de uma lei que regesse as relações humanas. Surgiu o que se decidiu chamar a pena de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Era uma expressão de vingança, para quem se sentia ofendido. 

. O Povo de Israel terá no Monte Sinai a oferta dos 10 Mandamentos, proclamados por Moisés. Eles defendiam não apenas a relação com Javeh, mas também a relação das pessoas umas com as outras: honrar pai e mãe, não matar, não roubar, não levantar falsos testemunhos. 

. No tempo de Jesus já tinham sido constituídas muitas leis. Gregos e romanos tinham estabelecido regras de convivência. Jesus, porém, indo além do decálogo, diz “aos antigos foi dito amarás o amigo e odiarás o inimigo; mas a vós eu digo, amai os vossos inimigos e fazei bem aos que vos odeiam e maltratam” (cf Mt 5, 44).

. Perante a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, a Assembleia das Nações promulgou a Carta Universal dos Direitos Humanos. São 30 artigos de uma exigência extraordinária. Se se cumprissem sempre, o mundo seria diferente. Acontece, no entanto, que os próprios legisladores, nos muitos parlamentos, contrariam os direitos humanos.

Foi por falta de harmonia na relação entre os povos e entre os homens que o mundo se tornou de alguma maneira “selvagem”. Por isso, em 1952, a 11 de Fevereiro, Pio XII fez um discurso notável em que pede: “que o mundo se transforme, de selvagem em humano, de humano em divino, isto é, segundo o querer de Deus.”
 3. A relação do ser humano com Deus, “o Deus clemente e compassivo, lento para a ira e cheio de misericórdia” vai permitir a construção de um mundo novo, alicerçado na reconciliação e na paz. Quem lê a Sagrada Escritura, compreende facilmente que o nosso Deus é um Deus de paz
. 

. No Antigo Testamento, Deus não se cansa de perdoar, apesar da infidelidade dos homens manifestada através dos séculos. Na alegoria do Dilúvio, a pomba com o ramo de oliveira é um sinal de perdão e de paz. Depois, apesar das revoltas no deserto, das traições da realeza, das desconfianças nos cativeiros, Deus perdoa sempre ao seu povo.

. No Novo Testamento, sabe-se que Deus enviou o seu Filho à terra, por amor, para que todos sejam salvos. Deus não quer condenar o mundo, mas que ele receba a salvação (cf Jo 3, 17).

Jesus pede insistentemente que se cultive o perdão. Quando Pedro lhe pergunta quantas vezes deve perdoar, Jesus responde-lhe 70 x 7 vezes, o que quer dizer: sempre. Jesus chega a dizer que o perdão é mais importante do que todos os sacrifícios que se possam oferecer no altar (cf Mt 5, 22). Além disso, àqueles que lhe pedem a cura Jesus diz sempre “vai em paz, não tornes a pecar” (Jo 8, 11). 

. Com a sua morte e ressurreição, Jesus afirma que amar é dar a vida por aqueles a quem se ama. É então importante amar como ele amou, isto é, amando todos, perdoando a todos, e dando a vida por todos.

É neste contexto de misericórdia que os cristãos têm a certeza do constante perdão de Deus e aceitam responsavelmente o dever de perdoar sempre. Ao ensinar a oração, Jesus chega a dizer esta súplica: “Senhor, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6, 12). O perdão de Deus está condicionado pela nossa capacidade de perdoar.
 4. O Sacramento da Misericórdia é a Reconciliação. A Igreja quis instituir, a partir das palavras de Jesus no Evangelho, o sacramento do perdão. Jesus, de facto, disse a Pedro que lhe dava as chaves do Reino, mas depois, no dia da Ressurreição, a todos os Apóstolos deu o Espírito Santo, acrescentando: “Àqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20, 23). Jesus transmitiu aos Apóstolos o poder de perdoar e a Igreja instituiu, então, o sacramento da Reconciliação. Este sacramento tem características maravilhosas:

. É um perdão universal. Pelo sacramento da Reconciliação são perdoados todos os pecados que se tenham cometido depois do baptismo em qualquer etapa da vida. É uma amnistia geral. 

. Quem oferece o perdão em nome do Senhor é um sacerdote, um homem que é pecador como todos os outros homens. Pedro foi o primeiro a receber esta missão e era um pecador.

. É um sacramento que fortalece a fé e dá, pela força do Espírito Santo, a capacidade para vencer as normais dificuldades que a tentação comporta. Daí falar-se em propósito de emenda. O Espírito Santo vai ajudar. 

. No dizer do Papa Francisco, não é “uma câmara de tortura, mas um momento da misericórdia e da ternura de Deus” (EG 44). Não é, então, como se dizia no passado, “o sagrado tribunal da Penitência”, mas a sublime oportunidade de experimentar a misericórdia do Pai.

Quando, com tanta generosidade, recebem o perdão de Deus, os cristãos assumem também a responsabilidade de perdoar sempre aos seus irmãos. A tradicional “penitência” tem este significado de reconciliação e amor.

5. Na comunidade paroquial do Campo Grande temos algumas oportunidades de celebração do Sacramento da Reconciliação: na noite e jornada da misericórdia, nas duas celebrações penitenciais e, ao longo da semana, sempre que se desejar e se pedir. Neste Ano do Jubileu da Misericórdia vamos valorizar o Sacramento da Reconciliação.

Pe.Feytor Pinto - Prior