O MÊS DAS ALMAS.

 1. Na tradição da Igreja, em Portugal, chama-se sempre, ao mês de Novembro, «o mês das almas». A razão é simples. A 1 de Novembro, celebra-se o Dia de Todos os Santos, recordando quantos partiram para Deus e estão já na sua glória. No dia seguinte, a 2 de Novembro, fazem-se sufrágios por quantos podem estar ainda no tempo da purificação, à espera de alcançar a Bem-Aventurança eterna. A estes últimos convencionou-se chamar «as almas do purgatório». A glorificação de uns e a purificação de outros constituem as grandes intenções que levam a chamar, a este mês de Novembro, «o mês das almas». Esta especial oração por quantos partiram ao encontro de Deus pode ter muitas explicações:

. A Igreja é um mistério de comunhão. Todos os cristãos estão unidos em Cristo Ressuscitado, sejam os peregrinos da terra, sejam os santos no céu, sejam mesmo os que, depois de morrer, se preparam para o derradeiro encontro com Deus.

. A unidade dos cristãos. Este é o projecto anunciado por Jesus Cristo, a Boa Nova do Evangelho. Qualquer que seja o lugar onde se encontrem, os cristãos estão unidos a Cristo, no Mistério da Salvação.

. O tempo da saudade. Quando alguém que se ama deixa a vida, deixa também uma recordação acrescida. Lembrar aqueles que se amam torna-se oração, ficando-se unido a eles para sempre.

. Ponte de vida eterna. Este mês de Novembro recorda, ao cristão, que a morte não é o fim, mas sim uma porta para a vida verdadeira. São Paulo afirma-o numa das suas cartas, ao dizer que “a vida não acaba, apenas se transforma e desfeita a tenda do exílio terrestre, adquire-se no céu uma habitação eterna” (2Cor 5, 1).

Em última análise, o que se vive, neste mês de Novembro, é a Ressurreição de Cristo. Em vez da morte, celebra-se a Vida, porque “como Ele ressuscitou, todos com Ele vão ressuscitar”. Compreendem-se as lágrimas e as preces pelos “finados”, mas a alegria da ressurreição sobrepõe-se a tudo o mais.

2. Durante estes dias, a natureza fala do Outono da vida. Caem as primeiras chuvas, agora já em abundância, as folhas amareladas tombam das árvores, revestindo o chão, o sol parece quase esconder-se e o frio vai chegando de mansinho, convidando a agasalhos que saem do armário. Também as pessoas sentem esta mudança da natureza. As mais débeis, pela doença ou pela idade, deixam o convívio das famílias e dos amigos, e vão ao encontro do além. Como crentes, sobretudo porque há a promessa de uma eternidade feliz, é bom lançar pontes de amor. É preciso converter em prece tudo o que possa ser feito.

. A oração. Uma das obras de misericórdia convida a rezar por aqueles que partem, para que, libertos do purgatório, descansem em paz.

. As boas obras. Já no Antigo Testamento se dizia que as boas obras, ao serviço dos pobres e de todos os que sofrem, são das melhores formas de se estar perto dos antepassados.

. A Palavra de Deus. Há imensas páginas da Sagrada Escritura onde se afirma a imortalidade do ser humano e se garante a ressurreição. O Livro de Job, o texto de Isaías, os Evangelhos e as Cartas do Apóstolo Paulo, todos nos falam da ressurreição, da vida para além da morte.

. A visita aos lugares de repouso. A peregrinação aos «campos-santos», onde moram os corpos dos nossos antepassados, constitui uma atitude de saudade, expressão de um grande amor que nem a morte consegue romper.

. As memórias carregadas de saudade. As cartas que se guardam, as fotografias que se revêem, os objectos que foram oferecidos, tudo alimenta a recordação de um amor que, para além da vida, parece sempre maior.

Um dos livros do célebre Abbé Caffarel foi intitulado com a seguinte expressão: “O amor é mais forte do que a morte”. Porque assim é, têm-se estas formas de prolongar a vida. O amor que liga os humanos não se destrói com a morte. Todos, peregrinos no tempo, podem continuar a relacionar-se com aqueles que já ultrapassaram o tempo. O grande desafio está em lançar esta maravilhosa ponte com aqueles que já partiram para Deus.

3. São Paulo escrevia aos cristãos de Tessalónica e dizia-lhes: “No que se refere aos defuntos, não fiquem tristes como os pagãos que não têm esperança” (1Tes 4, 13). De facto, os cristãos têm uma sorte extraordinária: acreditam na vida para além da morte e esta vida é de Bem-Aventurança, ou seja, de felicidade. É natural que, ao longo da vida, se tenha consciência de que a morte é uma fronteira que abre o caminho para a definitiva alegria. Não se justifica o medo do além porque, na eternidade, o encontro é com Deus, Deus de compreensão e misericórdia, compreensão para com os nossos erros e misericórdia para a total comunhão de amor a que se é chamado. Perante os que partem, têm-se normalmente três atitudes:

. Colocam-se flores junto dos restos mortais dos que amamos e as flores são sinal de vida e de beleza.

. Choram-se lágrimas e cada lágrima é um cristal que se oferece como expressão de ternura que liga a quem parte e é também um pequeno grito de saudade que a certeza da fé traz consigo.

. Faz-se ainda memória dos melhores momentos vividos com a pessoa que se ama e que partiu. Cada pequena história traz a lembrança da pessoa que deixou inúmeros exemplos a seguir.

A pastoral de sufrágio constitui um dos momentos mais importantes da comunidade cristã. Há muita gente que vai aos funerais por amizade, mesmo não tendo fé. O testemunho da serenidade dos cristãos, no tempo do luto, torna-se uma referência da imortalidade. Os que vêm, por vezes descobrem o seu próprio caminho de fé, que os leva ao encontro de Deus

4. Que o mistério da morte, entre nós, na nossa comunidade do Campo Grande, se transforme em expressão de vida.

Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior