1. Um dia, Jesus caminhava no meio da multidão e as mães trouxeram os seus filhos para que Ele lhes tocasse. Os discípulos impediam-nas e Jesus indignou-se dizendo: “Deixai vir a mim os pequeninos porque se não vos tornardes simples como eles, não entrareis no Reino dos Céus” (cf Lc 18, 15-16). Jesus fazia assim o elogio da simplicidade. Diz-se, habitualmente, que Jesus nasceu pobre, viveu pobre e morreu mais pobre ainda. Pode dizer-se o mesmo da sua simplicidade: Jesus nasceu e foi colocado na simplicidade de uma manjedoura; viveu sempre no mundo simples ajudando os pobres e os infelizes; e morreu na simplicidade humilhante de um crucificado, devido às circunstâncias do tempo. A vida de Jesus pode resumir-se a uma só palavra: a simplicidade. 

. No nascimento, porque não havia lugar nas estalagens de Belém, ficou no meio de animais e foi adorado pelos pastores. 

.Na vida em Nazaré, foi crescendo em sabedoria, em idade e na protecção de Deus, como qualquer criança do seu tempo 

. Antes de começar o anúncio da Boa Nova, deixou-se baptizar por João, cumprindo assim os rituais dos judeus daquele tempo. 

. No início da vida pública, escolheu pescadores no Lago de Tiberíades e alguns homens rudes que ia encontrando para serem os seus discípulos, os continuadores da sua obra. 

.  Sempre que o quiseram aclamar rei, afastou-se discretamente para um lugar deserto, ficando aí a orar, num diálogo amigo com o Pai. 

. Na condenação à morte, proclamada por todos os tribunais, aceitou levar uma cruz às costas e deixar-se crucificar, sem um momento de revolta.

A grande síntese da simplicidade vivida por Jesus é descrita por S. Paulo na Carta aos Filipenses: “Sendo o Filho de Deus, humilhou-se a si mesmo, tornando-se servo de todos, aceitando a vontade do Pai até à morte, e à morte de cruz” (Fl 2, 8).

2. A simplicidade como padrão de vida para os cristãos está bem definida no código das BemAventuranças. Para participar na felicidade que Deus oferece, é preciso ter um coração de pobre, um coração sincero e verdadeiro, um coração que acolhe e que perdoa, um coração capaz de fazer a reconciliação entre as pessoas e de promover a paz. Tudo isto só é possível se se for “simples como as pombas”, como diz Jesus no Evangelho (Mt 10, 16). 

. Na vida de família, a simplicidade da relação traduz-se em constantes actos de amor. O amor conjugal, para ser verdadeiro, é simples, cheio de compreensão, de misericórdia e de alegria. O amor recíproco entre pais e filhos tem a mesma marca de simplicidade que gera bem-estar. 

. No trabalho profissional, a simplicidade revela-se na competência e na eficácia, em todo o serviço que se realiza, e na entreajuda cordial com os colegas que aí trabalham, lado a lado. 

. Na vida social e económica, a simplicidade reveste a cor da solidariedade, isto é, a preocupação com os outros, o que a torna a dominante fundamental nas palavras, nos gestos, nas atitudes; assim sendo, a simplicidade pede para não ter estilos de vida cujo objectivo seja aparentar mais qualidade do que a vivida por todos os outros. 

. Na relação com Deus, a simplicidade é discrição, com poucas palavras, nunca querer ser visto pelos homens para merecer a recompensa que vem de Deus (cf Mt 6, 6).

É muito bela a imagem de “ser sempre como as pombas”, uma vez que a pomba branca, parecendo imaculada, ergue-se da terra com uma beleza extrema, e revela a transparência que só os simples conseguem viver. Ainda há poucos dias, o Papa Francisco, na Praça de S. Pedro, pegou numa pomba branca, a levantou, para que ela se elevasse totalmente no céu. Imagem maravilhosa da simplicidade urgente.

3. O Evangelho tem no entanto um conselho que não pode ignorar-se: “ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes” (Mt 10, 16). No mundo complicado em que se vive, é necessário ser prudente, isto é, discernir à luz do Espírito Santo sobre o que fazer e como fazer. Esta é a prudência necessária para não transformar a simplicidade em ingenuidade, com comportamentos que são ridículos e um risco para o bem comum. Os corações simples devem ter também uma inteligência prudente. 

. Ser prudente nas relações de família permite não magoar ninguém, não abrir crises, não haver afirmações egoístas, atitudes que comprometem o bem estar de todos. 

. Ser prudente no trabalho profissional leva a não cometer erros, a não falhar nos horários ou noutros compromissos, a não julgar ninguém, a ser capaz até de aceitar os mais difíceis e com eles fazer caminho. 

. Ser prudente na administração económica evitará assumir encargos que mais tarde são difíceis de cumprir; a sobriedade nas despesas é uma medida de prudência do maior valor. 

. Ser prudente na relação espiritual possibilita o discernimento para não enveredar por grupos radicais, com atitudes exageradamente conservadoras ou demasiado inovadoras.

A prudência não é uma virtude negativa; é, antes, uma medida prática que previne acidentes, permite serenidade nas decisões, e dá eficácia sem riscos nas soluções a encontrar. Ser simples como as pombas e prudente como as serpentes é uma regra de ouro no convívio de todos numa comunidade cristã e na relação com os outros no meio da sociedade.

4. Poderá perguntar-se: porquê este tema da simplicidade nesta Folha Informativa? Estamos no Tempo Comum. Este é um tempo para afirmar os melhores valores cristãos. A simplicidade e a prudência são factores importantes na vida de hoje. Há muita arrogância, muito egoísmo acumulado, muita agressividade na vida social e política, pouca humildade para servir. Então, a simplicidade é essencial na nossa vida comum. A prudência evitará muitas situações negativas. Foi por aqui, hoje, a nossa reflexão.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior