1. Faz parte da tradição as dioceses celebrarem as ordenações sacerdotais nos meses de Junho, Julho ou Agosto. Durante décadas, no Patriarcado de Lisboa, as ordenações eram a 29 de Junho, dia de S. Pedro. Mais tarde, fixaram-se as ordenações no dia 15 de Agosto, dia de Nossa Senhora da Assunção. Nos últimos anos, tem sido o primeiro ou o segundo domingo de Julho, o dia escolhido para ordenar os Diáconos e os Presbíteros, para o serviço do Patriarcado. É sempre uma festa de grande significado e beleza, habitualmente no Mosteiro dos Jerónimos e com a presença numerosa de fiéis, que enchem completamente o templo. Está presente o cabido patriarcal, grande número de sacerdotes, os Bispos auxiliares e a celebração é presidida pelo senhor Cardeal Patriarca. Os cânticos ecoam pelas naves do Mosteiro, as preces sobem ao céu e todos os cristãos acompanham os ritos de consagração dos futuros sacerdotes. Os presbíteros comprometem-se à pobreza, à castidade e à obediência. O senhor Patriarca pede-lhes “obediência e reverência”. Prometem, num “sim” sem condições, ficam comprometidos no serviço dos ministérios profético, litúrgico e sócio-caritativo. Nestes dias, também em muitas dioceses de Portugal foram ordenados algumas dezenas de sacerdotes. Nas dioceses de Viseu, Braga, Coimbra, Guarda, Setúbal houve alguns jovens que, este ano, já receberam a ordenação sacerdotal. Bendigamos ao Senhor! Neste domingo, 2 de Julho, são as ordenações no Patriarcado de Lisboa. Todas estas ordenações são, porém, insuficientes, uma vez que não substituem os que, a pouco e pouco, vão partindo.
.Nos anos 50, em cada Diocese, havia dezenas de jovens que recebiam a ordenação sacerdotal. Todas as paróquias tinham o seu pároco e havia muitos jovens padres, a quem eram confiadas missões do maior interesse pastoral.
.Nos finais da década de 60, chegou a crise de vocações. Padres que deixaram o sacerdócio, jovens com dificuldades na fé, que já não procuravam o seminário, pessoas que não tinham filhos a quem indicar o caminho da consagração, tudo isso esvaziou os seminários e reduziu profundamente o número de novos consagrados.
.Passaram a faltar sacerdotes para as normais missões pastorais da Igreja, sobretudo nas comunidades paroquiais. A Conferência Episcopal aprovou a ideia da criação de unidades paroquiais, em que dois ou três sacerdotes acompanham a vida espiritual de uma dezena de paróquias. Sendo uma solução, é sempre, no entanto, insuficiente.
. Promover a oração intensa, pelas vocações sacerdotais, tornou-se, então, um imperativo: “A seara é grande. Pedi ao Senhor da messe que envie operários para a messe” (Lc 10, 1-9). Só forçando o céu com a oração, será possível crescer o dinamismo vocacional, que ajude muitos jovens a abraçar a vocação sacerdotal.
Temos razão de alegria ao ver, nas diversas dioceses, serem ordenados sacerdotes que vão substituir os que adoecem, envelhecem ou, simplesmente, se reformam. São, porém, insuficientes os que chegam e são muito mais os que partem.
2. No dia de S. João Batista, o Papa Francisco fez uma homilia, na casa de Santa Marta, sobre os valores fundamentais do sacerdote. Falava para todos os padres e propunha-lhes três atitudes fundamentais, à semelhança, aliás, de S. João: a “paixão”, o “discernimento” e a “denúncia”, as virtudes vividas pelo Precursor.
.A “paixão” faz parte da vida sacerdotal. O padre tem de estar em comunhão total com Cristo, apaixonado pela Igreja e identificado com a missão que o Bispo lhe confia. O padre não pode ceder à rotina que o levaria a uma mediocridade pastoral. Também não pode ceder ao carreirismo, uma vez que, na Igreja, não há lugares de poder, há lugares de serviço. Não pode ainda querer ter importância social, uma vez que a sua proposta de vida é a simplicidade, a pobreza e o cuidado com os pobres.
. O “discernimento” é essencial nas decisões que o padre tem de tomar. Quantos programas pastorais a organizar, quantas pessoas em dificuldades a assistir, quantas famílias cheias de problemas a acolher, quantos doentes a preparar para a celebração de sacramentos, quantos crentes a acompanhar nas etapas difíceis que a vida traz! O discernimento, na força do Espírito Santo, é indispensável. “Só quem se deixa conduzir pelo Espírito é de verdade filho de Deus” (Rm 8, 14). Os sacerdotes deixam-se conduzir como Deus lhes pede.
.A “denúncia” é a atitude mais difícil no exercício da função sacerdotal. O Papa Francisco refere que não se pode ter medo de dizer o que está mal e tentar que esse mal seja vencido pelas novas atitudes que venham a propor-se. Sobretudo, perante os inúmeros pecados sociais que invadem o mundo contemporâneo, é necessário denunciar a injustiça, a mentira, a opressão, a falta de amor. É uma tarefa difícil, mas indispensável; pode ser incómoda, mas tem de fazer-se; pode gerar incompreensões, mas têm de superar-se. Na Igreja, há Bispos e padres que sofreram o martírio por denunciarem situações de injustiça, autênticos profetas dos novos tempos. O Papa referia alguns neste seu discurso aos sacerdotes. Por isso atribuiu à denúncia uma maneira fundamental de anunciar a Boa Nova do Evangelho.
É significativo que o Papa Francisco tenha escolhido estas três atitudes a serem vividas pelos jovens padres. No fundo, é uma afirmação de que o padre tem de ter os pés na terra e as mãos erguidas ao céu. O Papa poderia ter falado de oração, ou de santidade, ou de perfeição evangélica. Preferiu falar da paixão, do discernimento e da denúncia, atitudes essenciais de uma Igreja que não nos quer afastar do mundo, para que ele seja salvo (Jo 3-17).
3. O Patriarcado de Lisboa tem uma grande falta de sacerdotes. Por terem diminuído tanto as vocações, o senhor Patriarca vê-se obrigado a recorrer ao apoio das ordens e congregações religiosas e também a sacerdotes de outas dioceses. Quem olha para o anuário católico, rapidamente se dá conta de que trabalham, pastoralmente nesta diocese, sacerdotes da Índia, de África (Angola e Moçambique), do Brasil. O contributo de todos estes sacerdotes, na vida pastoral do Patriarcado de Lisboa, é de um valor incalculável, sabendo que grande número de paróquias da diocese tem, como párocos, sacerdotes de outros lugares. Apesar deste esforço, há ainda paróquias que não têm padre e, por isso, são orientadas por diáconos, religiosas e até leigos qualificados.
.Toda a diocese de Lisboa deverá alegrar-se pela ordenação dos seus sacerdotes, para os ministérios profético, litúrgico e socio-caritativo.
.Todos os cristãos diocesanos deverão rezar, incessantemente ao céu, para que estes novos sacerdotes possam ser colaboradores em lugares onde se realizem e sintam felizes, na missão sacerdotal que lhes for confiada.
.Todo o Patriarcado de Lisboa está a viver um tempo de renovação profunda com a Constituição Sinodal, autêntica orientação pastoral para as comunidades cristãs. Este tempo de renovação implica o apoio de todos os cristãos ao trabalho dos sacerdotes. Com a colaboração dos leigos, os sacerdotes, investidos agora em novas tarefas, vão ser mais eficazes, no trabalho que o senhor Patriarca lhes confia.
Na base de todo o nosso trabalho pastoral deverá estar, porém, a oração que permite o total abandono aos desígnios de Deus.
4. Que a nossa comunidade cristã do Campo Grande saiba viver este tempo extraordinário de renovação profunda, crescendo sempre mais na comunhão eclesial, alicerçada no amor a Deus e aos irmãos.
Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior