1. Foi no fim do século XIX que a Igreja sentiu o dever de se preocupar com os problemas sociais. Estava-se no começo da industrialização, Karl Marx tinha publicado “O Capital” na defesa intransigente dos trabalhadores contra os empresários que faziam crescer as suas fábricas com a exploração da mão de obra. A pobreza aumentava à custa de algum trabalho escravo, sem o salário justo a que se teria direito. Perante tudo isto, a Igreja não poderia ficar indiferente. Leão XIII, apesar da sua idade, assumiu o dever de intervir na procura da justiça em todas as situações da vida. Publicou a Encíclica Rerum Novarum sobre a questão social. A Roma católica, sobretudo a mais próxima do Papa, não entendeu. Chegaram a fazer-se preces nas igrejas pela conversão do Papa. Era preciso reagir, diziam, garantir a propriedade dos grandes senhores. A Rerum Novarum foi, porém, o modelo revelador da preocupação da Igreja pela justiça social. Ela contém quatro pontos fundamentais:
. A defesa intransigente da dignidade humana, com o respeito universal por cada pessoa, seja quem for. Dignidade e liberdade são elementos fundamentais do ser humano. É essencial garanti-las sempre.
. A procura constante do bem comum, superando todos os individualismos das pessoas e dos grupos, para garantir o que é melhor para todos e não apenas para alguns.
. A afirmação da subsidiariedade, sabendo que as grandes decisões não dependem exclusivamente dos detentores do poder, mas podem ser assumidas pelas pessoas, qualquer que seja o lugar onde vivem e intervêm.
. A importância da solidariedade, uma vez que é urgente cada um fazer seu o problema do outro, resolvendo-o com a generosidade da partilha que é caminho para fazer os outros felizes.
Esta iniciativa do Papa Leão XIII abriu a Igreja aos problemas sociais, afirmando com clareza que não basta ajudar o outro com esmolas, mas é fundamental lutar pela promoção das pessoas, para se sentirem realizadas no seu eventual projecto de vida. O desenvolvimento integral faz parte dos direitos do ser humano, e constitui uma questão de responsabilidade comunitária.
2. Depois de Leão XIII, a Igreja não descurou mais a questão social. Com uma grande exigência, a partir daí continuou a pedir-se às comunidades cristãs que afirmassem a igualdade entre as pessoas e a justiça social para cada um. A Igreja escreveu documentos notáveis: a Quadragesimo Anno, de Pio XI; a Octogesima Adveniens, de Paulo VI; a Populorum Progressio, de Paulo VI; a Centesimus Annus, de João Paulo II; a Laborem Exercens, de João Paulo II; a Porta Fidei, de Bento XVI; a Evangelii Gaudium, do Papa Francisco. Curiosamente, em todos estes textos se afirma a dignidade humana, a promoção do bem comum, o respeito pela subsidiariedade e a solidariedade generosa, quatro elementos essenciais na vertente social. Os últimos Papas têm, no entanto, uma extraordinária originalidade, ligando a intervenção social à Fé cristã.
. São Tiago, na sua carta, diz que a Fé sem obras é morta e acrescenta mesmo: “Se um irmão ou irmã estiver nu ou tiver fome e precisar de alimento quotidiano e um de vós lhe disser: Vai em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, e se não lhes deres aquilo de que necessitam, para o corpo, de que lhes aproveita?” (Tg 2, 16).
. Bento XVI, na Porta da Fé refere que: “A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra realizar o seu caminho.” (PF 14).
. O Papa Francisco na Exortação Pastoral sobre a Alegria do Evangelho, afirma com toda a clareza que o exercício da fé cristã exige a acção social e esta deve estar organizada nas comunidades cristãs (cf EG IV capítulo).
A sensibilidade para a Pastoral Social é hoje determinante na vida da Igreja. O Papa Francisco, no Primeiro Dia Mundial dos Pobres, afirmou claramente: “Não basta uma boa obra de voluntariado que se pratica uma vez por semana ou, menos ainda, gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis, são insuficientes e deverão abrir ao verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida (DMP 3). Também D. José Traquina, da Comissão Episcopal da Pastoral Social, afirmou: “Tudo farei para que a Pastoral Social não seja um anexo à vida da Igreja”.
3. A Pastoral Social é visível por toda a Igreja, mas são os leigos os melhores agentes, na atenção aos grandes problemas que se colocam perante a luta contra a pobreza. Os campos de intervenção são, sem dúvida, a educação para todas as crianças e jovens, a saúde com uma assistência que não exclua ninguém, e o trabalho, um direito para todos, com salário justo, que permita a sua promoção.
. A Pastoral Social faz parte da missão do leigo, a quem compete tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus para que progrida e assim glorifique o Criador e Redentor (LG 31).
. O testemunho cristão consiste em acolher e compreender a todos, ser solidário com os mais pobres e viver em comunhão de vida e de destino com o povo de que se faz parte (EN 21).
. Intervir na vida social e política é obrigação dos cristãos mesmo de uma forma organizada como diz a Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II. O cristão que participa a seu modo na função profética, sacerdotal e real de Cristo intervém na cultura, na vida socioeconómica, na organização política e na construção da paz (GS II parte).
As comunidades cristãs têm o dever de investir fortemente na acção social. Não bastará dar o peixe: é preciso ensinar a pescar. Então, para além do apoio pontual indispensável, é urgente promover as pessoas, para as autonomizar e lhes dar a capacidade de se bastarem a si mesmas e chegarem a ser felizes.
4. O Centro Social Paroquial é um órgão essencial para a Pastoral da Caridade. Nele acompanham-se e apoiam-se crianças, jovens, pessoas com problemas, doentes e idosos. A ajuda tem de ser integral e não pode limitar-se à solução de um problema ocasional. O Centro Social é um instrumento de desenvolvimento, de promoção humana. Será possível fazê-lo? Com a ajuda de todos julgo que sim.
. É preciso cultivar a sensibilização para a promoção social, a atenção aos mais pobres e que mais sofrem.
. Não pode dispensar-se a partilha generosa de bens, bens materiais, mas também culturais, sociais e mesmo espirituais.
. Não basta ter intervenções meramente individuais, pede-se a acção organizada e, com ela, a efectiva promoção das pessoas, como objectivo a alcançar.
É um trabalho intenso que temos de realizar. Mas vale a pena, uma vez que o pobre é, para o cristão, a presença de Cristo na sua vida. “O que fizeres ao mais pequenino dos teus irmãos é a Mim que o fazes” (Mt 25, 40).
P. Vítor Feytor Pinto