1. Ao celebrar-se o 43º aniversário do dia 25 de Abril, falou-se muito de liberdade. É um facto que, em Abril de 74, se fechou um ciclo da vida portuguesa com a queda de um regime político em que a liberdade tinha muitos limites. Em mais um aniversário deste acontecimento, falou-se de liberdade na Assembleia da República, gritou-se a liberdade nas ruas da cidade, em marchas alegóricas, houve conferências, declamação de poesias, programas de rádio e de televisão sobre o tema, tudo para exaltar a liberdade. Será que todas as pessoas se dão conta do que é ser livre e como isso é importante quer para a felicidade de cada pessoa, quer para a sociedade com o normal envolvimento de todos os cidadãos? 

.Há quem considere a liberdade como o direito a fazer o que se quer, sem ter em atenção o interesse dos outros, ou mesmo o bem-comum.  

.Muitos consideram que a liberdade individual ou de pequenos grupos se sobrepõe aos direitos humanos, às convenções internacionais, aos grandes códigos éticos, às orientações dadas por quem tem a responsabilidade de conduzir o destino dos povos. 

.Às vezes, identifica-se a liberdade com o capricho de quem se afirma sem ter em conta as consequências das suas decisões, muitas vezes negativas.

É tempo de descobrir a verdadeira liberdade. Uma liberdade que não tem fronteiras acaba por gerar ódios e levantar turbulências. Com razão se diz, na tradição portuguesa, que “a minha liberdade acaba onde começa a liberdade do outro”. De facto, no exercício da sua liberdade, ninguém tem o direito de prejudicar todos os outros.

2. O Concílio Vaticano II, ao falar da liberdade humana, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a relação da Igreja com o mundo, tem a preocupação de oferecer uma reflexão profunda sobre a liberdade. Já a Lumen Gentium, a Constituição Dogmática sobre a Igreja, dizia que é condição dos filhos de Deus o lutar pela dignidade e liberdade humanas. Mas afinal o que é a liberdade? 

. Consiste na capacidade de escolher, perante a diversidade das coisas, a variedade dos sentimentos e a riqueza das atitudes. 

. É também a coragem de sacrificar o que seria mais agradável, preferindo opções que trazem a garantia do bem-comum. 

.Realiza-se ainda no discernimento que, com a suficiente avaliação, permite preferir o que de melhor pode envolver a felicidade de todos. 

.A liberdade, porém, é sobretudo a imagem de Deus no coração do homem, pelo que, com um olhar diferente, se pode ter como grande objectivo praticar o bem ao serviço de todos.

Esta visão conciliar da liberdade supera a filosofia, critica as ideologias, vence os caprichos individuais e convida a opções sempre positivas na procura do bem-comum. Ao contrário, quando a liberdade é vista apenas como fonte de decisão individual, sem a mínima responsabilidade social, então cria-se o desgaste nas relações humanas e nas relações entre grupos. Servem-se interesses e não se serve o bem-comum. O caminho do cristão é feito na liberdade verdadeira com a capacidade de bem servir, provocando em todos uma dinâmica de felicidade. Aliás, o amor outra coisa não é do que o esquecimento de si próprio para fazer os outros felizes. Uma boa expressão da liberdade.

3. O tema da liberdade é tão importante para o cristão que já S. Paulo lhe dedicou uma das mais belas páginas das suas cartas. Quando escreveu aos Gálatas, o Apóstolo apressa-se a dizer que a Ressurreição de Cristo convida os cristãos a serem livres. É preciso, porém, aprender a sê-lo. Há duas formas de liberdade, a liberdade dos instintos e a liberdade dos filhos de Deus. A liberdade dos instintos centra-se no egoísmo, na preocupação de cada um por si mesmo, com o quase desprezo dos outros. A liberdade dos filhos de Deus, também chamada a liberdade do Espírito, é altruísta, generosa, faz a sua felicidade na felicidade dos outros. É nesta dupla dedicação aos outros que a liberdade gera atitudes: 

.A liberdade egoísta e egocentrista provoca as rixas, as brigas, as contendas, as discórdias, as dissensões, os ciúmes, as seitas, as divisões. Infelizmente é esta liberdade, com estas consequências que assolam o mundo contemporâneo, na família, no trabalho, na vida social, económica e política. Daqui a dificuldade de as pessoas se entenderem. 

.A liberdade dos filhos de Deus movida pelo Espírito é altruísta. Por isso tem tantos frutos, como a alegria, o amor, a paz, a harmonia, a solidariedade, a compreensão, o domínio de si próprio. Esta é a visão da liberdade que nos vem directamente do ser cristão, da capacidade de dar ao outro o primeiro lugar e, sobretudo, de viver como ressuscitado. 

.Viver a liberdade na força do Espírito Santo que dá um sentido novo a todas as coisas, poderá transformar completamente os ambientes e as situações. É com esta liberdade que se consegue a tolerância, a convivência, o diálogo, a solidariedade, a cidadania, valores essenciais à sociedade nova que se quer construir.

Saber discernir entre a liberdade dos instintos e a liberdade do Espírito é o segredo dos cristãos. A escolha pela liberdade dos filhos de Deus pode, de facto, transformar todas as coisas. Ainda que exija sacrifício esta escolha vale a pena.

4. Para saber ser livre, provavelmente é preciso aprendê-lo. Quem se preocupa com essa aprendizagem a oferecer às crianças, aos jovens e mesmo a alguns adultos? Há lugares privilegiados para o ensino da liberdade e a sua consequente experiência. Esses lugares são a família, a escola e as igrejas. 

.A família é o lugar privilegiado para a educação da liberdade. Ensinar as crianças a escolher, não segundo o capricho, mas segundo o que é melhor para todos, é um trabalho maravilhoso dos pais e dos irmãos mais velhos. O respeito por cada pessoa, a marca do amor nas relações humanas, a atenção a dar aos mais frágeis e aos mais pobres só se aprende em família. 

.A escola é um espaço de educação integral da pessoa. Infelizmente, tem sido muito, apenas um lugar de instrução, de transmissão de conhecimentos. A escola tem de ser um lugar onde se conhecem os valores e se aprende a vivê-los. Entre esses valores estão o culto da verdade, o sentido da justiça, a experiência da liberdade e a afirmação do amor sem fronteiras. Sem esta aprendizagem não será possível construir uma sociedade justa e fraterna. 

.As igrejas, as comunidades da Igreja Católica e tantas outras comunidades religiosas têm assembleias onde o viver comum constitui um desafio permanente. No caso das igrejas, a iniciação à vida cristã permite expressamente o conhecimento de Jesus Cristo, um homem livre, o Filho de Deus que veio ao mundo para a todos libertar. Libertou o homem curando os doentes, reintegrando os marginais, preocupando-se com os pobres, ressuscitando os mortos. A Ressurreição foi expressão máxima da liberdade. Jesus venceu a morte.

O grande problema da sociedade actual está em aprender a ser livre, cultivar a liberdade verdadeira em todas as situações da vida, conseguir um mundo de justiça e de paz.

5. Na comunidade Paroquial do Campo Grande há catequeses, há aulas de moral e de religião, há famílias cristãs, há grupos de pessoas que aprofundam a sua fé. Que em todos estes lugares a liberdade verdadeira seja a chave da felicidade. Pe. Vítor Feytor Pinto – Prior