1. A liturgia do 3º domingo da Quaresma está centrada num dos textos mais belos do Evangelho de S. João. É o episódio da mulher samaritana. Jesus viajava com os discípulos da Galileia para Jerusalém. Tinha de passar pela Samaria. Cansado do caminho já longo, passou perto do Poço de Jacó e pediu aos discípulos para irem à cidade buscar mantimentos. Sentado na borda do poço, viu uma mulher que vinha buscar água. Pediu-lhe, com a simplicidade de um viajante, um pouco de água. Jesus não tinha nada para recolher a água e o poço era fundo. São extraordinárias as reacções da Samaritana:
. “Como te atreves a pedir-me água a mim, sendo tu judeu?” De facto os judeus não se davam com os samaritanos. Para Jesus isso era secundário, como era também, sem importância para Ele, falar com uma mulher.
. “Se conhecesses o dom de Deus e se soubesses quem é Aquele que te pede água, serias tu a pedirlhe a água que jorra para a vida eterna”. Jesus acrescenta mesmo que a mulher não precisaria mais de voltar ao poço de Jacó.
.“ A mulher interroga-se: serás mais que o nosso patriarca Jacó, ou algum dos profetas que voltou ao mundo?” A samaritana deixa-se tocar pela simplicidade generosa daquele homem que ela não conhece.
. “Se calhar és o Messias que estará para chegar.” A samaritana correu, então, à cidade para dizer que encontrara o Messias.
. Todos, na cidade de Sicar, vieram ao encontro de Jesus e reconheceram, não pelos ditos da mulher mas pela sua experiência, que Jesus era o Salvador do Mundo.
Conduzida por Jesus, uma simples conversa na borda do poço de Jacob, a Samaritana fez um caminho. Da desconfiança com que acolheu Jesus, chegou depois a reconhecê-l’O, não apenas como Messias, mas como Salvador do Mundo. Se é este também o caminho do cristão, ao longo da vida, na Quaresma retoma-se o itinerário de exigência na fé. Nos tempos de actividade no meio da cidade ou de rotina, é tempo de sair à descoberta de Jesus como Redentor de cada um e Salvador do mundo inteiro.
2. O normal itinerário na vida cristã tem etapas que é preciso assumir, para que a fé cresça continuamente até a suficiente maturidade. O que a Samaritana viveu, durante algumas horas, na conversa frontal que teve com Jesus, consegue-o o cristão ao longo da vida.
. A ternura da infância leva a criança a reconhecer Jesus como um amigo, alguém que está sempre presente, que ajuda na dificuldade, que perdoa e ama muito.
. As dúvidas da adolescência desafiam a estar com Jesus numa relação diferente. Uma fé que não tem dúvidas diz Francisco, Papa, não deixa de ser infantil. Então o adolescente questiona-se e, acompanhado, descobre Jesus como Filho de Deus, Salvador.
. As opções fundamentais, na juventude, permitem ver em Jesus a referência para os valores que ajudam a construir um mundo novo, de justiça, de verdade, de liberdade e de amor. Entre os 20 e os 30 anos, a fé centra-se no essencial, na adesão à Pessoa de Jesus. A fé não é mais o conhecimento de uma doutrina ou a prática de uma moral. É a adesão à Pessoa de Jesus como referência única para toda a vida.
. A vida cristã, no adulto, leva a intervir na cidade com referências fundamentais que conduzem a ser cristão na família, na cultura, na vida socioeconómica, na política, na construção da paz em toda a parte.
. A serenidade dos mais velhos é a expressão de uma profunda identidade com Jesus, mesmo nas situações mais difíceis. O silêncio e a quietude, nesta idade da vida, é a afirmação da fé intensa, em que Cristo nos aproxima do Pai para a festa eterna da Bem-Aventurança.
Assim como a mulher samaritana fez um caminho que terá levado a Jesus alguns dos habitantes de Sicar, assim também os cristãos de hoje fazem um caminho ao longo da vida, que atrai outros para superarem dúvidas e crises, encontrando Jesus numa intimidade para sempre. Em cada idade, é fundamental conhecer o Dom de Deus. E o Dom de Deus é Jesus Cristo que veio para salvar.
3. Nesta caminhada quaresmal, tem-se oportunidade de conhecer e aceitar os dons de Deus, a água viva que se recebe do Senhor. Junto ao Poço de Jacó, o Senhor conversa com cada um de nós. Fala-nos dos dons de Deus. Não basta conhecê-los e aprendê-los. É preciso pô-los a render, para que a água viva que eles são jorre para a vida eterna.
. O dom da vida – existir é a primeira das graças que se recebem de Deus. Ninguém é autor da sua própria vida. Ela é oferecida por Deus, a partir do amor dos nossos pais.
. O dom da fé – acreditar em Jesus Cristo Ressuscitado é uma mais valia no nosso caminho humano. Nascemos num ambiente cristão onde a Pessoa de Jesus é, para grande número, uma referência constante. Acreditamos n’Ele
. O dom do outro – amar de maneira universal todos os que se cruzam no nosso caminho e privilegiar os mais pobres é fonte de uma alegria ímpar, porque, fazendo o outro feliz, se é feliz também. .
. O dom da comunidade – construir a Igreja através das relações humanas, marcadas pela referência a Jesus e pela procura da felicidade num caminho cristão, é desafio constante. Só assim seremos um só coração e uma só alma, como nas primeiras comunidades cristãs.
. O dom da Palavra – escutar o que o Senhor tem para nos dizer e pô-lo em prática, é um apelo insistente de Jesus em quem acreditamos e que procuramos servir. Não podemos esquecer que a Deus falamos quando rezamos, mas a Deus escutamos quando lemos a sua Palavra.
. O dom dos Sacramentos – celebrar os sinais que exprimem a fé e a fortalecem é atitude permanente de união com Cristo e com a Igreja em todas as situações da vida. O grande Sacramento é Cristo, Ele está sempre connosco em qualquer idade
Mas há muitos outros dons de Deus na nossa vida: a família, a vocação profissional, a roda de amigos, os acontecimentos, os mais diversos, a alegria no sucesso e a serenidade no sofrimento. Tudo são dons de Deus a agradecer e a valorizar constantemente. Todos estes dons enriquecem o ser cristão. “Se conhecesses os dons de Deus, certamente pedirias ao Senhor a água viva que jorra para a vida eterna”, com razão diz Jesus à Samaritana.
4. Entramos na 3ª semana da Quaresma, marcada pelo encontro de Jesus com a mulher samaritana. Neste itinerário de conversão é tempo de avaliar a nossa fé, de compreender a nossa relação com Deus por Cristo, de nos renovarmos na relação com os irmãos a partir dos dons que se recebem e que enquadram o nosso viver.
Pe. Vitor Feytor Pinto – Prior