1. Há mais alegria em dar que em receber. O mundo contemporâneo talvez ainda não entenda este dito popular que tem, no entanto, o maior significado. A alegria que se tem no dar um beijinho a uma criança; a alegria que se sente ao visitar um doente ou uma pessoa mais velha que acolhe a presença de um amigo, a alegria de quem, no meio das dificuldades, cuida de um filho para lhe dar o indispensável à sua sobrevivência. É nestes pequenos gestos que se revela a alegria do dar. Quando se fala em dar ou repartir, pensa-se exclusivamente na oferta de bens materiais. Não é, porém, assim. Podem dar-se muitas outras coisas: 

. Dar um sorriso, como expressão de simpatia com quem se cruza no caminho pode ser uma saudação que leva consigo a boa vontade; 

. Dar uma palavra a quem pede uma informação ou, simplesmente, está só, é uma forma de cumprimento reveladora de que na cidade somos todos amigos; 

.  Dar um pouco de tempo a quem pela doença ou pela idade está na solidão e precisa de ajuda, é um pouco de companhia indispensável na angústia da solidão; 

. Dar uma explicação a quem não entende nada dos papéis recebidos pelo correio e que vêm das Finanças, acalma o nervosismo e beneficia o contribuinte que compreende finalmente o que fazer; 

. Dar pequenos gestos de ternura a uma criança que se perdeu, a uma pessoa que se revela confusa, a um sem-abrigo, pode abrir uma porta à solução de um problema que parecia mais difícil.

Todas estas formas de partilha são a concretização de obras de misericórdia que é urgente levar à prática, para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e mais fraternal.

2. Há dois textos, um da literatura universal e outro da Sagrada Escritura que podem ensinar gestos de partilha. O primeiro é de Saint Éxupery, no celebérrimo Petit Prince. “Só se vê bem com o coração; foi o tempo que perdi com a minha rosa que tornou a minha rosa tão importante”. Dar tempo constitui o exercício de ser feliz, fazendo o outro feliz. O segundo texto é do Profeta Ezequiel que diz assim: “Senhor tira do meu peito o coração de pedra e põe nele um coração de carne, um coração capaz de amar” (Ez 36, 26). De facto, no mundo de hoje há muita gente com o coração empedernido, muito duro, um coração metalizado que só pensa no dinheiro, o vil metal. Sente-se que é preciso transformar o coração para compreender os problemas dos outros, o seu sofrimento e, depois, sentir quanto é urgente a proximidade para recuperar o outro para a vida e para a felicidade. Parafraseando o Papa Francisco, na sua mensagem Sapientia Cordis de 2015, é fácil conhecer o que é ter um coração bom:

. É fazer-se próximo do outro, sobretudo quando ele está marcado por dificuldades que parecem intransponíveis;

. É saber escutar o outro até ao fim, para conhecer a realidade que ele está a viver e o ajudar a construir a solução que é urgente descobrir;

. É ir ao encontro do outro tomando as iniciativas necessárias para que ele se sinta acolhido, com a certeza de que não recebe apenas palavras de conforto, mas orientações seguras para a solução dos seus problemas; 

.  É tornar-se capaz de ser solidário com o outro, sem o julgar, uma vez que o outro é pessoa, com o direito de exercer a sua liberdade, mesmo quando depende de alguém que o ajude no concreto da sua vida.

Esta necessidade de ter um coração bom abre a porta a uma total liberdade perante as pessoas e as coisas, e até perante os próprios interesses. Só uma pessoa completamente livre é capaz de se tornar disponível para estar perto do outro e lhe dar todo o apoio merecido, nas enormes dificuldades em que se encontra.

3. O Novo Testamento tem inúmeras páginas em que Jesus convida a repartir, mesmo os bens materiais. Os textos contêm algo da radicalidade judaica que Jesus usa muito, para convidar os que querem segui-lo. A generosidade de alguns é fonte de uma alegria intensa. É o caso de Zaqueu, de Levi, dos Apóstolos. Ao contrário, o jovem rico, porque tinha muitos bens e estava preso a eles, não conseguiu seguir Jesus. Senão vejamos em pormenor: 

. O jovem rico queria ser perfeito. Jesus aconselha-o a amar a Deus e ao próximo. Ele diz que há muito faz isso. Então, diz-lhe Jesus “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e vem depois”. É verdade que a proposta é de total radicalidade. O jovem não aceitou porque tinha muitas coisas. Jesus viu-o partir com tristeza. 

. Zaqueu, cobrador de impostos, apenas queria ver Jesus. Mas Jesus convidou-se para almoçar em casa dele. Não se conhece a conversa, mas, depois, Zaqueu deu metade dos seus bens aos pobres e, ainda, deu quatro vezes mais àqueles a quem defraudara. Aquele almoço terminou em alegria para todos. 

. Levi, mais tarde chamado Mateus, era um administrador de bens. Jesus chamou-o e ele, deixando tudo, seguiu a Jesus sem condições. Acabou Apóstolo. Foi uma total mudança de vida em que a perda se transforma em ganhar uma vida completamente nova. 

. Os Apóstolos, no Lago Tiberíades, deixaram tudo, o barco, as redes, e o pai, e seguiram Jesus. Nada os podia prender para seguirem a Pessoa de Jesus. Fizeram a total experiência de pobres que iria mudar toda a sua vida. 

. Os discípulos recebem uma proposta idêntica, quando Jesus lhes diz que é preciso deixar o pai, a mãe, a mulher, os filhos, as filhas, os campos e as casas, para serem seus discípulos. É sempre a mesma liberdade radical perante os bens materiais.

Em todas estas páginas do Evangelho se sente a radicalidade proposta por Jesus de se ser livre perante os bens da terra. É esta liberdade que desafia à partilha com os mais pobres. Agora, o repartir dos bens com generosidade só é possível no quadro das Bem-Aventuranças, isto é, quando se tem um coração de pobre, um coração simples, um coração justo, um coração misericordioso, um coração disponível para construir a paz. Este código de conduta é a grande originalidade do Evangelho. Nele se refere que o outro tem prioridade na nossa relação de amor.

4. A parábola da partilha refere-se também incondicionalmente à liberdade perante os bens materiais. De facto, o cristão tem consciência de que as coisas não lhe pertencem; delas, ele é apenas administrador. Daí poder perguntar-se o que se faz quando as economias excederam as expectativas, quando uma determinada acção económica correu bem, quando se recebeu um aumento nos rendimentos habituais, ou, até, quando o problema de algum que está próximo é muito grave e reclama uma generosidade acrescida. Repartir, nestas circunstâncias, é sempre uma forma de amar. Os projectos comuns merecem também a nossa generosidade. Há três características que ajudam a discernir a nossa intervenção nas causas que são de todos: 

.  Assumir um projecto comum. Numa comunidade há desafios que exigem a participação de todos os seus membros. Na construção de um sonho, que é uma causa comum, há muitas formas de participar: são ideias que se partilham, são trabalhos que se oferecem, são colaborações as mais diversas, mas são também dádivas que podem favorecer a construção desse projecto comum.  

. Ter gestos de intervenção nas acções da comunidade. Poder contribuir com o tempo para a catequese, para a formação de jovens, para o acolhimento dos seniores, para a assistência aos doentes, para o apoio aos mais pequeninos, são coisas de todos e não apenas de alguns. 

. Fazer seus os sonhos que fazem crescer a comunidade cristã. A Paróquia do Campo Grande está a crescer. Quer as respostas de natureza espiritual, quer a solução dos problemas sociais, têm dado a esta comunidade cristã alguma referência na grande cidade. É por isso que para chegar mais longe é preciso alargar as instalações proporcionando mais iniciativas, mais trabalho, mais respostas. Este projecto é de todos. Cada um tem que descobrir a forma de participar nele.

A comunidade cristã do Campo Grande tem consciência de responder à perspectiva que o Papa Francisco dá para a Igreja quando ele diz que é urgente “ser uma Igreja em saída”. Igreja em saída é uma Igreja que vai ao encontro dos outros, crentes ou não crentes, jovens ou mais velhos, próximos ou distantes. Reestruturar a Paróquia com novos dinamismos vai permitir uma Igreja à imagem do Papa Francisco. Há muitos pobres que nos procuram a quem queremos responder com estruturas eficazes. Há muitos em procura na linha da fé que querem voltar a uma prática cristã, e temos que estar totalmente disponíveis para esses. Mas há também a gente mais simples e os que foram sempre praticantes que merecem o nosso carinho e o nosso apoio espiritual. É este trabalho global de grande dimensão que está a crescer e que nos pede para fazermos aumentar a nossa casa comum, esta Paróquia dos Santos Reis Magos ao Campo Grande.

5. Ter um coração capaz de amar e levar este amor à prática nas mais diversas situações permitir-nos-á sentir que há mais alegria em dar que em receber.

Pe. Vitor Feytor Pinto - Prior