1. Jesus, durante os três anos e meio da sua vida pública, escolheu doze apóstolos a quem foi revelando a Boa Nova do Reino de Deus. Depois, chamou setenta e dois discípulos, enviando-os a todas as cidades e aldeias para levarem a paz, curarem os doentes e libertarem todos do mal. Estes escolhidos de Jesus pensavam num reino temporal, a afirmação de Israel sobre todos os outros povos. Aconteceu, porém, que Jesus foi perseguido, condenado à morte e pendurado numa cruz. Então, os discípulos dispersaram-se. Aconteceu, porém, que ao terceiro dia, o primeiro da semana, Jesus ressuscitou dos mortos. Apareceu aos Apóstolos reunidos no Cenáculo, com medo dos judeus, e disse-lhes: “A Paz esteja convosco. Como o Pai me enviou assim eu vos envio. Recebei o Espírito Santo e a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados.” Estava lançado o alicerce da Igreja. Havia já um líder a quem Jesus dissera: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. A fundação da Igreja, no entanto, só aconteceu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos em plenitude. Nas cidades onde os Apóstolos foram, depois, anunciar a Ressurreição de Jesus, surgiram pequenas comunidades fundadas por eles e em que os cristãos reconheciam Jesus como Filho de Deus. Estas comunidades constituíam entre si uma só Igreja. Durante três séculos de perseguições, com a clandestinidade e o martírio de muitos, a Igreja adquiriu uma força extraordinária, porque “sangue de mártires é semente de novos cristãos”. Com a liberdade de culto, concedida por Constantino, no século IV, a Igreja foi-se acomodando, aliou-se muitas vezes ao poder temporal e desvirtuou, em situações concretas, a sua verdade de Povo Santo de Deus. Chegados ao século XXI a imagem da Igreja está, para muitos, desfigurada:
.Uns vêem a Igreja como uma religião, ao lado de tantas outras, como o judaísmo, o islamismo e o budismo ou até as religiões primitivas.
.Há quem veja na Igreja apenas a hierarquia com Bispos e padres a pretenderem alianças com o poder temporal e com os governos que conduzem a política nos diversos países do mundo.
. Para muitos intelectuais, a Igreja é a detentora de uma ideologia conservadora, que está contra a nova maneira de ver os comportamentos humanos, contrariando as grandes questões fracturantes que fazem hoje a história da humanidade.
.Para um grande número a Igreja é apenas uma quantidade de pessoas que se refugiam em orações, para ter garantida uma eternidade feliz junto de Deus em quem acreditam.
.Há também quem veja a Igreja como um grupo de pessoas influentes, o Papa, os Bispos, os padres, que podem intervir para conseguir empregos, soluções económicas ou outras respostas às dificuldades das pessoas. Estes só vêem a dimensão social da Igreja.
Estas e outras são as imagens que muitas pessoas têm porque não conhecem a Igreja na sua verdade, quer na sua relação com Deus, quer no serviço que presta aos outros, sobretudo aos mais frágeis. A Igreja está dominada pela fé e pela caridade, valores complementares que muitos desvirtuam.
2. Somos Igreja, mas afinal que Igreja somos? Esta é a grande questão que todos os cristãos devem colocar-se. Para viver em Igreja, não basta vir à Eucaristia Dominical, celebrar os Sacramentos pascais e ir de quando em quando em peregrinação a Fátima. É preciso conhecer a Igreja e viver ao seu ritmo. No Concílio de Trento, São Roberto Belarmino definia assim a Igreja: “É a sociedade dos verdadeiros cristãos, isto é, dos baptizados que professam a fé em Jesus Cristo, cumprem os mandamentos e obedecem aos pastores constituídos por ela”. Esta visão era profundamente redutora, porque a Igreja aparecia como uma associação, com condições de entrada e alguns compromissos religiosos e sociais. O Concílio Vaticano II, em 1964, redefiniu a Igreja como sendo o Povo Santo de Deus que tem como cabeça Cristo, como condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, como mandamento o amor e, como projecto, a felicidade no tempo e na eternidade (cf. LG, 9). Então, a Igreja como Povo de Deus
. tem como cabeça Cristo – Jesus Cristo é a referência para todos os cristãos e em todas as circunstâncias;
. tem como condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus – a Igreja, com uma dimensão social extraordinária, afirma a dignidade da pessoa humana em todas as circunstâncias e considera a liberdade como o valor fundamental do ser humano;
. tem como mandamento o amor – é este o mandamento novo, o grande paradigma do cristão: “Dou-vos um mandamento novo, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei e, por isso, vos conhecerão como meus discípulos”;
. tem, finalmente, como projecto a felicidade – aliás, o código dos cristãos são as Bem-aventuranças, isto é, a felicidade em todas as situações, com um coração de pobre, simples, verdadeiro, misericordioso e construtor da paz.
É fundamental, esta visão da Igreja para cada um poder renovar-se nela e participar, na parte que lhe compete, em tudo o que a Igreja realiza. É por isso que o Concílio, ao falar dos leigos, diz expressamente: “não sendo sacerdotes ou religiosos, participam a seu modo na função profética, sacerdotal e real de Cristo”.
3. A Igreja, no dizer do Papa Francisco, tem de ser uma Igreja em saída que vai ao encontro dos outros. Fá-lo através do seu triplo ministério: profético, sacerdotal e real.
. Pelo ministério profético, a Igreja proclama a Palavra de Deus, anuncia a Boa Nova da Salvação, revela a Pessoa de Jesus Cristo Redentor. Todos os cristãos têm o dever de ser profetas, não receando afirmar Jesus Ressuscitado, tendo em tudo uma prática segundo os valores do Evangelho.
. Pelo ministério sacerdotal, a Igreja celebra a Eucaristia de que todos participam. Se o sacerdócio ministerial permite a consagração do pão, transformando-o no Corpo do Senhor, o sacerdócio comum dos fiéis leva a receber a comunhão como remédio e alimento, sobretudo para os mais frágeis.
. Pelo ministério da caridade, a Igreja vai ao encontro dos pobres e de todos os que sofrem. A presença do cristão nas periferias não é uma consolação, é muito mais do que isso: é o esforço para resolver os problemas humanos, garantindo a esperança necessária e, ao mesmo tempo, provocando um diálogo de gratidão para com Deus.
É com estes ministérios que a Igreja se torna porta de salvação para o mundo. A Igreja não é estrutura apenas para sacerdotes e religiosos. A Igreja tem nos leigos a sua presença na ordem temporal, como fonte de alegria, de justiça, de amor, de salvação.
4. A nossa paróquia do Campo Grande é uma célula viva da Igreja. Aqui celebramos a fé, aqui proclamamos e vivemos a Palavra, aqui repartimos os bens para a ajuda aos pobres. Num só coração e numa só alma, estamos unidos ao Papa Francisco, ao nosso Bispo Manuel e a todos os membros desta comunidade. Profetizamos, celebramos e amamos os mais pobres. Que o testemunho da Igreja que somos seja visível para o mundo, a ponto de muitos se aproximarem sendo acolhidos de tal maneira que abram o coração à fé, se deixem invadir pela esperança e aprendam também a amar.
Pe. Vítor Feytor Pinto — Prior