A Igreja celebra nestes dias aquilo a que pode chamar-se o coração do ano litúrgico. No princípio, na comunidade de Jerusalém, celebrava-se apenas o Domingo de Páscoa. Evocava-se a Ressurreição do Senhor que, na madrugada do primeiro dia da semana, depois do dia 14 do mês de Nissan, venceu a morte, quebrando a pedra do Sepulcro. Mais tarde, compreendeu-se que não bastava viver a Vigília Pascal e era necessário completar esta celebração com dois momentos evocativos da Redenção: a Ceia Pascal e a memória da Paixão e Morte de Jesus. Assim surgiu o Tríduo Pascal, com 5.ª Feira Santa, 6.ª Feira Santa e Vigília Pascal. É esta a grande evocação que vai celebrar-se na Semana Santa.
. A Última Ceia foi vivida por Jesus com os Apóstolos. Cumpriram-se todos os rituais da Páscoa judaica. O pão ázimo, o cordeiro e as leitugas, ervas amargas. Jesus, porém, no fim, tomou o pão, partiu-o e deu-o aos seus discípulos dizendo: “É o meu corpo”. Fez o mesmo com o vinho: “É o cálice do meu sangue, entregue por vós”. Os cinco capítulos do Evangelho de João (13 a 17) oferecem-nos o discurso da Ceia. Nele encontra-se o maior testemunho de amor de quem se prepara para dar a vida por todos os homens.
. A Paixão e a Morte na Cruz constituem o mais iníquo de todos os julgamentos. Jesus contrariava a justiça dos príncipes dos sacerdotes e dos doutores da lei e dos fariseus, proclamando a verdade, a liberdade, o amor e a paz. Os judeus preferiram as suas conveniências e levaram Jesus ao tribunal religioso e ao tribunal político. Até pelo julgamento da multidão em massa foi condenado. Ouviu-se um grito: “À morte, crucifica-o”. E Pilatos consumou a condenação.
. A madrugada de domingo levou Maria de Magdala ao sepulcro. A pedra estava retirada, as vestes e o sudário estavam dobrados a um canto e o sepulcro estava vazio. “Onde o puseram?” Questionava-se Maria. “Aquele que procuras entre os mortos, está vivo”, foi o veredicto do Anjo do Senhor. Jesus ressuscitou. Tudo foi confirmado por João e Pedro. A ressurreição de Cristo, a festa desta luz nova, mudou completamente o rosto do mundo.
São estes três acontecimentos que se celebram no Tríduo Pascal. Depois da entrada solene de Jesus em Jerusalém, no Domingo de Ramos, a Igreja acompanha o mistério de Jesus e identifica-se com o caminho da Redenção.
TRIDUO PASCAL
Ceia do Senhor– 13 de Abril às 19 horas
Paixão do Senhor – 14 de Abril às 15 horas
Vigília Pascal – 15 de Abril às 22 horas
CEIA DO SENHOR – Missa Vespertina
I LEITURA – Ex 12, 1-8.11-14
Com a Ceia Pascal, os judeus recordavam, todos os anos, a libertação do Egipto. Imolavam um cordeiro e louvavam a Deus
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias, o Senhor disse a Moisés e a Aarão na terra do Egipto: «Este mês será para vós o princípio dos meses; fareis dele o primeiro mês do ano. Falai a toda a comunidade de Israel e dizei-lhe: No dia dez deste mês, procure cada qual um cordeiro por família, uma rês por cada casa. Se a família for pequena demais para comer um cordeiro, junte-se ao vizinho mais próximo, segundo o número de pessoas, tendo em conta o que cada um pode comer. Tomareis um animal sem defeito, macho e de um ano de idade. Podeis escolher um cordeiro ou um cabrito. Deveis conservá-lo até ao dia catorze desse mês. Então, toda a assembleia da comunidade de Israel o imolará ao cair da tarde. Recolherão depois o seu sangue, que será espalhado nos dois umbrais e na padieira da porta das casas em que o comerem. E comerão a carne nessa mesma noite; comê-la-ão assada ao fogo, com pães ázimos e ervas amargas. Quando o comerdes, tereis os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Comereis a toda a pressa: é a Páscoa do Senhor. Nessa mesma noite, passarei pela terra do Egipto e hei-de ferir de morte, na terra do Egipto, todos os primogénitos, desde os homens até aos animais. Assim exercerei a minha justiça contra os deuses do Egipto, Eu, o Senhor. O sangue será para vós um sinal, nas casas em que estiverdes: ao ver o sangue, passarei adiante e não sereis atingidos pelo flagelo exterminador, quando Eu ferir a terra do Egipto. Esse dia será para vós uma data memorável, que haveis de celebrar com uma festa em honra do Senhor. Festejá-lo-eis de geração em geração, como instituição perpétua».
Palavra do Senhor.
SALMO -115 (116), 12-13.15-16bc.17-18 (R. cf. 1 Cor 10, 16)
Refrão: O cálice de bênção é comunhão do Sangue de Cristo. Repete-se
Como agradecerei ao Senhor
tudo quanto Ele me deu?
Elevarei o cálice da salvação,
invocando o nome do Senhor. Refrão
É preciosa aos olhos do Senhor
a morte dos seus fiéis.
Senhor, sou vosso servo, filho da vossa serva:
quebrastes as minhas cadeias. Refrão
Oferecer-Vos-ei um sacrifício de louvor,
invocando, Senhor, o vosso nome.
Cumprirei as minhas promessas ao Senhor,
na presença de todo o povo. Refrão
II LEITURA – 1 Cor 11, 23-26
S. Paulo recorda a instituição da Eucaristia pelo Senhor e a sua entrega à Igreja, para que esta a celebre até ao fim dos tempos.
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios
Irmãos: Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim». Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha.
Palavra do Senhor.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 13, 34
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai. Repete-se
Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Refrão
EVANGELHO – Jo 13, 1-15
Jesus «deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cintura». Com este gesto Jesus manifesta-nos a Sua realidade de «Servo».
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. No decorrer da ceia, tendo já o Demónio metido no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, a ideia de O entregar, Jesus, sabendo que o Pai Lhe tinha dado toda a autoridade, sabendo que saíra de Deus e para Deus voltava, levantou-Se da mesa, tirou o manto e tomou uma toalha, que pôs à cintura. Depois, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que pusera à cintura. Quando chegou a Simão Pedro, este disse-Lhe: «Senhor, Tu vais lavar-me os pés?». Jesus respondeu: «O que estou a fazer, não o podes entender agora, mas compreendê-lo-ás mais tarde». Pedro insistiu: «Nunca consentirei que me laves os pés». Jesus respondeu-lhe: «Se não tos lavar, não terás parte comigo». Simão Pedro replicou: «Senhor, então não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça». Jesus respondeu-lhe: «Aquele que já tomou banho está limpo e não precisa de lavar senão os pés. Vós estais limpos, mas não todos». Jesus bem sabia quem O havia de entregar. Foi por isso que acrescentou: «Nem todos estais limpos». Depois de lhes lavar os pés, Jesus tomou o manto e pôs-Se de novo à mesa. Então disse-lhes: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também».
Palavra da salvação.
QUINTA-FEIRA SANTA – CEIA DO SENHOR
Jesus gostava de almoçar e jantar com os seus discípulos. A partilha da refeição tem desde tempos imemoriais um significado de comunhão. De resto, o seu grupo não era fechado: todas pessoas que o procuravam, pobres, aleijados, coxos, cegos, pecadores,…, tinham ocasião de comer com Ele.
A Ceia da Páscoa era a festa principal dos judeus. Celebrava a libertação do cativeiro no Egipto e a Aliança com Yahweh no monte Sinai. Embora tivesse um carácter religioso, realizava-se em cada casa, presidida pelo chefe da família, na noite de sexta para sábado a seguir à primeira lua cheia da primavera.
Dias antes, os apóstolos perguntam a Jesus onde é que Ele tenciona fazer a festa. Jesus sabia que o Sinédrio procurava matá-lo e não ignorava que Judas estava disposto a traí-lo. Mandou pedir uma sala em casa de um seu conhecido e supõe-se que antecipou a data para a noite de quinta feira.
Naquele tempo, as ruas eram de terra e as pessoas ou usavam sandálias ou andavam descalças. Quando um rico dava um jantar a figuras importantes, mandava que um criado lavasse os pés aos convivas, à medida que iam entrando.
Depois de se sentar à mesa com os apóstolos, Jesus levantou-se, tirou o manto, deitou água numa bacia e começou a lavar-lhes os pés. Ficaram naturalmente espantados, mas só Pedro reagiu: não deixo que me Tu me laves os pés! “Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer, tu não o entendes agora, mas hás-de entendê-lo mais tarde.” (Jo 13,7).
A Igreja ensina, e com razão, que o homem deve purificar-se para participar na Eucaristia. O mal é quando essa purificação se torna meramente ritual. Pouco adianta confessarmo-nos, se continuamos encerrados no nosso orgulho e sobranceria. “Vós chamais-me ´Mestre´ e ´Senhor´, e dizeis bem, porque o sou. Ora se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros.” (Jo 13,13). É claro que “lavar os pés” pode ser pôr uma arrastadeira a um doente, ter paciência com um familiar quando ele nos está a aborrecer, não responder a uma injúria com outra injúria. “Tu não és capaz de entender agora. Mas entendê-lo-ás mais tarde”. Esta palavra é importante na sua serenidade. Pode acontecer que nós, cristãos, algum dia nos sintamos amachucados porque não somos capazes de corresponder àquilo que Jesus nos pede. A ponto de sermos salteados pela tentação: não era mais simples desistir? Mas a palavra dirigida a Pedro é também para nós. Havemos de entender. Mesmo que demore algum tempo.
Em todas as refeições, o chefe da família agradecia a Deus o dom do pão; só depois o partia e o distribuía pelos convivas. Jesus continuou de maneira diferente: “Tomou um pão e depois de pronunciar a bênção, partiu-o e entregou-o as discípulos, dizendo: «Tomai. Isto é o meu corpo». ”(Marc 14,22).
Durante a Ceia, o cálice costumava passar de mão em mão, por três vezes. Antes da última passagem, o presidente fazia uma acção de graças a Deus. “Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele. E Ele disse-lhes: «Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos»”. (Marc 14,23-24).
A 1ª Epístola aos Coríntios e o Evangelho de S. Lucas insistem na ideia do dom e sacrifício: “Isto é o meu corpo que é dado por vós… Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, derramado por vós.”(Luc 22, 19-20: cf. I Cor 11, 24-25). Trazem ainda o convite, ou a ordem, “Fazei isto em memória de mim.” (Luc 22,20; I Cor 11, 24-25).
A Igreja Católica, as Igrejas Ortodoxas e Lutero interpretaram estes textos como significando uma presença real do Senhor Jesus. O texto da 1ª Epístola aos Coríntios dá um grande apoio a esta fé. Muitas Igrejas protestantes, depois de Lutero, tentaram reduzir a presença a um simples símbolo.
O Senhor ressuscitou no ano 30. A partir do Pentecostes desse ano, convertem-se em Jerusalém muitos milhares de judeus. O Livro dos Actos dos Apóstolos conta que esses homens e mulheres “eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações.” (Act 2¸42). A “fracção do pão” é o termo que então designava a Eucaristia. Parece claro que os discípulos tinham a consciência de que a identidade cristã e a unidade nas comunidades se fazia na profissão da fé, no baptismo e na celebração da Eucaristia.
Paulo funda a Igreja de Corinto no ano 50 e deixa-a entregue aos responsáveis que designou. Mais adiante, pelo ano 57, os Coríntios pedem-lhe conselhos, e ele responde por carta. O capítulo 11 da I Epístola aos Coríntios procura consolidar a fé na Eucaristia.
Hoje, como então, a verdade da vida cristã e a unidade das comunidades faz-se na profissão da fé, no baptismo e na “fracção do pão”
Pe. João Resina (extraído do livro A Palavra no Tempo II)