1. O mundo contemporâneo está dominado pela economia. Durante muito tempo, tudo parecia centrado no direito ou nas questões sociais. Hoje, porém, as preocupações dominantes são as que se referem à economia. No fim do século passado, com a economia de mercado e todos os apoios que chegavam da Europa, parecia poder encontrar-se uma solução fácil para todos os problemas, com um programa socioeconómico que iria acompanhar a vida de quase toda a gente. Diz-se que eram os tempos das “vacas gordas”. Acontece, porém, que, por volta de 2003, surgiu o alerta de que nem tudo estava a correr bem. Depois, em 2008, com a falência do Banco americano Lehman Brothers, toda a economia mundial ficou em sobressalto. Em Portugal, os PEC sucessivos levaram à necessidade de recorrer ao FMI e ao BCE para o equilíbrio da vida económica do país. Foram anos de austeridade. Agora, por razões diversas, é a questão do sistema bancário com muitas instituições a entrarem em rotura: o BCP, o BES, o BPP, o BANIF, o BPI, o Novo Banco, todos em estado de alerta, seguindo transformações inquietantes. De repente e progressivamente, a economia é o prato comum servido à mesa de todos os cidadãos. Ninguém, com dúvidas ou sem elas, está protegido.
. Nos programas da televisão: à mesma hora, todas as estações multiplicam debates, com opiniões diversas, com discussões entre partidos, com soluções ideológicas que não passam de hipóteses.
. Nos jornais, a par das notícias, vêm os artigos de opinião: não há perito que se não pronuncie e o curioso é que as soluções apresentadas são diferentes e parece ninguém ser capaz de descobrir o melhor para o bem-comum.
. As conversas nos corredores do poder: nas pausas de almoço e do café, ou nos debates em tertúlias intelectuais, todos se deixam apanhar por um pessimismo que transporta angústia para os outros.
. As consultas dos extractos bancários: revelam a inquietação de se ter perdido um pouco a confiança nas propostas de investimento que aos cidadãos haviam sido feitas.
Penso que tem razão o Papa Francisco quando, na Evangelii Gaudium, diz que a economia mata porque se torna obsessão dos responsáveis, porque perante o absoluto do dinheiro sacrifica a pessoa, porque causa desigualdades gritantes e porque acaba por marginalizar e excluir alguns no meio da multidão.
2. Muitas vezes as pessoas perguntam-se como deverá comportar-se o cristão numa sociedade dominada pela economia e pelo dinheiro. Havia um grupo de cantores, há algumas dezenas de anos, que cantava em espanhol uma canção que dizia “las cosas son importantes, pero la gente lo es mas”. O cristão tem de dar prioridade à pessoa. Acontece, porém, que até os cristãos se preocupam tanto com o dinheiro que o consideram um valor absoluto, ao qual se deve sujeitar tudo o mais. Na administração económica, os cristãos não podem esquecer grandes princípios fundamentais:
. O destino universal dos bens da terra, afirmado por Leão XIII na Rerum Novarum, leva a compreender que se é apenas administrador dos bens que Deus colocou nas nossas mãos. Esta é uma perspectiva cristã difícil de aceitar, na sociedade economicista, mas é a grande originalidade da proposta cristã.
. Em qualquer actividade económica há sempre desperdícios que é preciso aproveitar. Só o rigor, na administração pessoal, permite detectar sobras que não estão a ser utilizadas. Quando se administra bem, aparecem sempre excedentes que podem ser úteis a outros, com mais necessidades.
. A partilha de bens é uma regra na vida cristã. No Evangelho há vários exemplos: depois da conversa com Jesus, o jovem rico partiu triste, porque era rico de coração, não sentia a pobreza do outro; ao contrário, Zaqueu deu quatro vezes mais a quem defraudou e, aos pobres, deu metade dos seus bens. Por isso, este ficou cheio de alegria.
. Quando se derem esmolas, não se faça isto para se ser visto pelos homens. O Evangelho é muito claro, ao contrariar toda a hipocrisia. Jesus é explícito ao dizer que “não saiba a mão direita o que faz a esquerda”. A gratuidade plena é a moeda da generosidade verdadeira.
. Nas primeiras comunidades cristãs, não havia necessitados entre eles, porque todos os que tinham alguma coisa punham tudo em comum. Por isso, aumentava cada vez mais o número dos que abraçavam a fé. A partilha de bens é uma expressão clara da vida comunitária.
. Ajudar as outras comunidades era uma forma de amor. Foi Paulo que pediu às comunidades da Grécia que ajudassem a comunidade de Jerusalém, uma vez que esta passara extraordinárias dificuldades para socorrer todos os que tinham problemas.
. E há mais alegria em dar do que em receber. Grande aforisma que pode aplicar-se em toda a relação humana, sobretudo na generosidade que leva cada um a fazer seu o problema do outro, mesmo que seja um problema de dinheiro.
A aprendizagem do amor, como forma de partilha, não é nada fácil de compreender, uma vez que a tentação da posse é hoje a dominante da vida humana. São Tiago, na sua carta, é muito claro ao dizer que a fé sem obras é morta. E acrescenta: se o teu irmão está nu e te pede apoio, não podes dizer-lhe vai em paz. Tens mesmo de encontrar forma de o abrigar. As obras terão de ser de partilha suficiente, para ajudar aquele que está em sofrimento.
3. Nas comunidades cristãs, é urgente ensaiar a parábola da partilha. Na montanha, Jesus teve pena da multidão que O seguia há três dias. Aconteceu, então, que um “rapazito” quis repartir pelos outros os cinco pães e os dois peixes que trouxera no seu farnel. Perante este gesto, muitos outros quiseram também partilhar. Alimentaram-se 5 mil homens, sem contar as mulheres e crianças, e sobraram 12 cestos. O amor e a partilha são contagiantes. Na generosidade de alguns, aprendem todos a ser generosos também. Na nossa comunidade temos oportunidade de partilhar.
. O Ofertório da Eucaristia constitui o sustento fundamental da vida paroquial. Não é um peditório, é a afirmação da corresponsabilidade de todos na vida da comunidade.
. A pequenina quota para as Conferências de São Vicente de Paulo alimenta 40 famílias muito pobres, ao longo de todo o ano.
. O fundo de solidariedade responde a inúmeras aflições de famílias, também marcadas pela pobreza envergonhada.
. O contributo gratuito de 0,5% no nosso IRS, aumentando as possibilidades do Centro Social, vai acompanhar carências profundas de pessoas e famílias a quem o Centro responde ao longo do ano inteiro.
. A entrega de um valor à comunidade cristã, por ocasião de um negócio bem sucedido, irá também apoiar a vida da comunidade paroquial que caminha assim, tranquilamente, na realização dos seus objectivos.
De facto, a comunidade cristã não é constituída apenas pela equipa sacerdotal. Tem também grupos de profissionais e de voluntários que com ela trabalham. Todos os cristãos são responsáveis activos de uma vida comum. Viver mais, sempre amar mais, servir mais, partilhar mais
4. Se o Papa Francisco nos disse que a obsessão pelo económico mata, como cristãos temos a certeza que só a partilha de bens gera vida e vida em abundância.
Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior