1. As eleições americanas que tiveram lugar a 8 de Novembro sugerem uma reflexão sobre o que é viver em comunidade. Quando está em questão o governo de um país, é fácil reduzir tudo à simples democracia. Os candidatos à presidência apresentam-se, fazem as suas propostas, debatem as diversas formas de orientar a economia, de garantir a educação e a saúde, de assegurar novos empregos, de construir melhores relações na função pública e nas empresas, de assegurarem uma reforma com pensão suficiente para a qualidade de vida que se deseja. É assim a vida numa democracia em que, na aparência, todos participam. Este é o ideal, mas a prática revela um mundo bem diferente. 

.  As sondagens são por vezes contrariadas pelos resultados das eleições, como aconteceu agora nos Estados Unidos. 

. Os discursos e os debates na campanha dos candidatos são verdadeiras agressões verbais, com denúncias fáceis, palavras violentas e suspeições frequentes. 

. As promessas são inúmeras, parecendo garantir a felicidade completa a todos os cidadãos, oferecendo sempre mais qualidade de vida.

. Depois, os eleitos seguem os programas dos seus grupos partidários, recusando todas as propostas que venham de outros quadrantes. 

. A participação dos cidadãos acontecerá apenas nas eleições legislativas ou autárquicas. Não terão, no entanto, qualquer outra intervenção que lhes permita sentir que estão a viver em verdadeira comunidade.

A Igreja repetidas vezes tem sugerido aos cidadãos participarem na vida comum da cidade. A sua intervenção pode ser política, económica ou social, mas para tanto é necessário que os governantes aceitem os desafios feitos desde Leão XIII, nos finais do século XIX, com a Rerum Novarum: o respeito e a promoção da dignidade humana, a preocupação pelo bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade para com os mais pobres. Estes desafios, porém, na prática não têm tido acolhimento nos governantes dos povos, senão de uma maneira superficial.

2. Na Igreja não se vive em democracia, vive-se em comunhão total. Jesus soube dizê-lo quando afirmava “que todos sejam um como Eu e Tu, ó Pai, somos um e, por isto, o mundo acredite que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). Todas as comunidades cristãs vivem em comunhão, “uma só fé, um só baptismo, um só Deus que é Pai de todos” (Ef 4, 5-6). Poderá perguntar-se quais as características desta vida em comunidade? A resposta é-nos dada pela experiência dos Apóstolos nas comunidades que eles fundaram, a partir de Jerusalém. Sobretudo, no capítulo 2º dos Actos dos Apóstolos, lê-se como viviam os cristãos na comunidade de Jerusalém (Act 2, 42-47). 

. Estavam unidos na doutrina dos Apóstolos, sintetizada no Credo que diz “Creio em Deus Pai todo poderoso… em Jesus Cristo seu único Filho… no Espírito Santo e na Igreja” (Símbolo dos Apóstolos). 

. Estavam unidos na fracção do pão e na Eucaristia, sabendo que o ágape era a refeição fraterna que a todos envolvia e que a Eucaristia era o sinal da unidade e o vínculo do amor. 

.  Estavam unidos nas orações, rezando uns pelos outros, preocupados com a presença de Deus nas suas vidas e com o seu auxílio no tempo da provação ou das dificuldades. 

. E punham tudo em comum de tal maneira que não havia necessitados entre eles porque, quem tinha alguns bens, punha esses bens ao serviço de todos, numa atitude de comunidade radical. 

.  Eram um só coração e uma só alma (Act 4, 32), expressão lindíssima para mostrar como vivam em comunhão total, preocupados uns com os outros, ajudando-se mutuamente, perdoando sempre e levando à reconciliação e à unidade.

A Igreja não é uma sociedade democrática, é o Povo de Deus em comunhão. Como diz o Concílio Vaticano II, “tem como referência Cristo, como condição a dignidade e a liberdade humanas, como mandamento o amor e como projecto a felicidade (LG 9). Por isso, a grande marca das comunidades cristãs é a unidade. Todos procuram conhecer-se, relacionar-se, entreajudar-se, partilhar a vida, na oração e na caridade sendo um só.

3. O ideal, numa comunidade cristã, está em viver-se em comunhão. A Paróquia, a que o Papa Francisco chamou “família de famílias”, é também comunidade de pessoas iguais, diferentes e complementares. As pessoas são iguais porque são todas filhos de Deus, envolvidos na ternura de um Pai que lhes deu o seu próprio Filho para os redimir e salvar; pessoas diferentes porque cada um tem as suas características próprias, as suas funções e os seus carismas; pessoas complementares porque partilham entre si os recursos de que dispõem, para melhor servir e trabalhar na causa comum. É assim a Comunidade Paroquial do Campo Grande, com uma vida comum, “amando-se todos uns aos outros, como Cristo a todos amou” (Jo 13, 34). 

. Viver em comum, alimentados na Palavra de Deus que é a fonte inspiradora de todas as acções. Os cristãos não se fundamentam em ideologias ou em doutrinas, inspiram-se na Palavra de Deus que é a Pessoa de Jesus Ressuscitado em constante transmissão de amor e de vida. 

. Viver em comum, centrados na Eucaristia que é a expressão máxima de toda a oração, o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Não se pode ser cristão, em comunidade, sem participar na Eucaristia, o grande sinal de unidade e de amor. 

.  Viver em comum a caridade fraterna sabendo que é no destino universal de todos os bens que se compreende a caridade a ter com os pobres e os que mais sofrem. Cada cristão é apenas um administrador que dispõe dos bens para si e, também, para os outros quando necessário.  

. Viver em comum, disfrutando do convívio fraterno, uma vez que é no encontro com os outros que cada um se apercebe “como é bom e agradável viverem os irmãos unidos entre si” (Slm 133). O convívio no adro da Igreja, no bar, nos corredores da Paróquia, nos serviços, cria laços de amizade que crescem sempre mais, gerando comunidade viva. 

.  Viver em comum, na oração de uns por cada um dos outros, uma vez que toda a prece tem que ser altruísta colocando os outros em primeiro lugar. Numa oração assim gera-se uma unidade que atinge todos os membros da comunidade cristã.

A comunidade cristã tem todos estes laços que vencem os egoísmos, abrem a porta à relação e criam uma comunhão de vida, afirmando a presença d’Ele em todos nós. Foi Jesus que no-lo disse “Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18, 20).

4. Dentro de poucos dias começa o Advento. Com a chegada de Jesus, no novo ano litúrgico, justifica-se renovar a nossa vida comunitária na Paróquia do Campo Grande. Não vivemos apenas em democracia, somos chamados a viver em comunhão. Saindo cada um de si próprio, deverá ir ao encontro do outro quem quer que seja, para lhe testemunhar o maior respeito e o mais profundo amor. Uma palavra, um sorriso, uma ajuda se necessário, serão sinais simples reveladores da preocupação que temos uns pelos outros. Qualquer que seja a nossa relação com a Paróquia, com serviço nas catequeses ou nas liturgias, com intervenção no Centro Social, com acção no voluntariado organizado, ou “simplesmente” vindo à Eucaristia Dominical, todos somos membros desta comunidade cristã. Temos vida comum, constituímos uma parte integrante do Povo Santo de Deus. Que consigamos viver em comunhão verdadeira.

Pe. Vítor Feytor Pinto - Prior