«SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR».
(Lc 11, 1)
I LEITURA – Gen 18, 20-32
Abraão negoceia com Deus a salvação de Sodoma..
SALMO – 137 (138), 1-3.6-8 (R. 3a)
Refrão: Quando Vos invoco,
sempre me atendeis, Senhor
II LEITURA – Col 2, 12-14
A morte e a ressurreição de Cristo, o perdão, os pecados, o baptismo.
EVANGELHO – Lc 11, 1-13
O poder da oração
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XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Por volta de 1800 a.C., existiam na margem Sul do Mar Morto as ruínas de duas cidades, Sodoma e Gomorra, destruídas por um cataclismo em tempos muito antigos. A Bíblia conta a respeito dessas cidades uma lenda significativa. Nessas cidades a devassidão dos costumes era tanta que Deus resolveu destruí-las. Encontra Abraão no seu caminho, e dá-lhe a conhecer esta decisão.
Abraão não tem amigos nem conhecidos nessas cidades. Mas são seres humanos, seus irmãos. E atreve-se a enfrentar Deus.
“Abraão estava ainda diante do Senhor. Aproximou-se dEle e disse-Lhe: «Ireis então aniquilar o justo com o pecador? Talvez haja cinquenta justos na cidade. Pensareis realmente em exterminá-los? Não perdoareis a essa terra, em atenção a cinquenta justos que nela residam? Longe de Vós fazer semelhante coisa: dar a morte ao justo e ao pecador, de modo que o justo e o pecador tenham a mesma sorte! Longe de Vós! O Juiz de toda a Terra não há-de proceder com justiça?» O Senhor respondeu: «Se encontrar cinquenta justos dentro da cidade de Sodoma, perdoarei por causa deles a toda essa terra.»”
Abraão respira, mas assusta-se logo a seguir: 50 justos… E se forem só 45? e 40? e 30? e 20? e 10? Deus vai respondendo que, se encontrar 45 justos, 40, 30, 20, 10 justos, perdoará a toda a cidade. Abraão não tem coragem de ir mais longe. Será o Novo Testamento a dizer que o sangue de um só, Jesus Cristo, vale mais do que todos os pecados da humanidade.
Este texto é muito importante. O homem religioso pensa às vezes que Deus é incontornável. Por necessidade ou por casmurrice, o que Deus decidiu fica escrito e daí não há recurso. O Livro do Génesis, o mais antigo da Bíblia, inscreve-se contra esta crença. Deus é um Ser pessoal, Deus é bom. Não é casmurro, nem é a necessidade cega. É capaz de ponderar, mesmo os pobres argumentos dum ser finito como o homem. É capaz de voltar atrás, se encontrar razão para isso. Julgo que este texto muito antigo vale mais do que muitos livros de filosofia e de teologia, escritos depois.
O texto é importante por outra razão: Abraão respeita Deus, tem medo de Deus (ensinaram-lhe que Deus não é para brincadeiras). Mas percebe que deve arriscar-se a defender – mesmo contra as decisões de Deus – a vida dos outros homens, sejam justos ou pecadores.
A Bíblia encerra muitos textos escandalosos e absurdos. Mas encerra também tesouros como este. Isso significa que a Bíblia é um apanhado de tudo o que havia a respeito de Deus; e que temos de nos atrever a separar o trigo do joio. Quando Moisés manda matar homens, mulheres e crianças “em nome de Deus” (cf. Num 31,14-35), tenhamos a coragem de reconhecer que ele está a mentir. Este texto, talvez imaginário, a respeito da intercessão de Abraão é uma das jóias da religião e da cultura.
O texto do Evangelho apoia a ousadia de Abraão: “Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a casa dele à meia-noite para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, pois chegou de viagem um amigo meu, e não tenho nada para lhe dar.’ E ele poderá responder-lhe lá de dentro: ’Não me incomodes (…)’. Pois eu digo-vos: Não se levantará para lhos dar por ser amigo dele. Mas, por causa da sua impertinência, levantar-se-á e dar-lhe-á tudo o que precisa. Também Eu vos digo: Pedi, e recebereis. Procurai, e achareis. Batei, e hão-de abrir-vos.” (Luc 11,5-10). Jesus não pensa que Deus seja parecido com aquele amigo pouco apressado. Mas tem a ousadia de dizer que devemos teimar com Deus como fez aquele que precisava dos pães.
P.e João Resina Rodrigues (in a Palavra no Tempo II)