1. A palavra partilha tem inúmeros significados. Pode querer dizer pôr em comum, comunicar, repartir, mas é sempre reveladora de um toque de ternura, de atenção ao outro, de sensibilidade para os problemas, as alegrias ou as esperanças, que fazem parte do nosso viver comum. Um destes dias, num programa de rádio, uma família falava da sua vida quotidiana, das relações que tinham em casa, da atenção às dificuldades dos mais novos. Foi um miúdo de 8 anos que, ao falar com o locutor lhe dizia que a partilha com os pais era a coisa mais bonita da sua vida. E o que partilhava? Eram as histórias que lhe aconteciam na escola, as conversas que tinha com os colegas e amigos, e até as dificuldades que sentia com alguns professores e algumas disciplinas de estudo. Ainda pequenino, este miúdo de 8 anos, já sabia o que era partilhar. Talvez Jesus se tivesse apercebido da importância da partilha. É por isso que no Evangelho há inúmeras páginas que falam de partilha.
• O discurso das Bem-Aventuranças é uma parábola de partilha. Ter um coração de pobre, um coração que perdoa, um coração sincero permite a partilha de bens preciosos como o perdão, o acolhimento, a construção da paz.
• A Lei Nova instituída por Cristo convida à reconciliação constante. Jesus foi claro ao dizer: “Vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão” e, fazê-lo, é também um acto de partilha.
• Em Tabka, Jesus teve pena da multidão, que era como ovelhas sem pastor. Pediu aos discípulos para encontrarem pão para aquela gente. A partilha de um jovem que tinha 5 pães e 2 peixes abriu o coração de todos, para porem em comum o pão que traziam consigo.
• Parábolas de partilha são: o copo de água pedido à mulher samaritana, o vinho novo servido nas bodas de Caná, a cura dos leprosos e de tantos outros enfermos, a oferta de ajuda ao paralítico da piscina. Em tantas situações Jesus repartiu e convidou a repartir tudo o que podia salvar outros.
• O dom da vida no mistério da sua morte e ressurreição é a expressão máxima da partilha que Jesus levou às últimas consequências, para que todos tivessem vida e vida em abundância.
Olhar a partilha como o simples gesto de dar uma esmola é extremamente redutor, uma vez que a partilha verdadeira implica o dom do coração nas mais diversas situações da vida. Partilhar em família, partilhar no emprego, partilhar no grupo social, partilhar no prédio, partilhar no bairro, partilhar na cidade é um desafio de comunicação que faz pessoas felizes. Todos somos responsáveis por esta partilha.
2. O cristão vive para partilhar. Tem consciência de que tudo o que tem e é serve para pôr em comum. É que, como diz S. Paulo na Carta aos Coríntios: “Todas as coisas são vossas, mas vós sois de Cristo e Cristo é do Pai”. O cristão administra os seus bens materiais, sociais, espirituais como dádiva de Deus que põe ao serviço dos irmãos. Em cada irmão ele vê Jesus Cristo. Partilhar será para ele servir Jesus presente em cada irmão. Cada gesto de partilha acaba por ser um acto de fé e um acto de amor. Poderá então perguntar-se o que deve o cristão partilhar?
• A partilha dos bens materiais é o mais fácil. Põe-se em comum o que sobra para ajudar os mais carenciados.
• A partilha da amizade convida a oferecer aos outros toda a riqueza espiritual que se possui. Por esta partilha passa a compreensão, a igualdade de tratamento, a capacidade de perdão, a atenção constante aos outros.
• A partilha da palavra é um convite a comunicar sobretudo com aqueles que vivem o drama da solidão. A palavra humana é um instrumento precioso de comunicação e porque o ser humano é social esta comunicação é imprescindível para as pessoas se sentirem bem.
• A partilha dos conhecimentos constitui um enriquecimento para todos. Pode cada pessoa ter a sua especialidade, mas integrando-a num projecto de todos, a valorização do conjunto é maior. É a complementaridade na diversidade.
• A partilha das experiências positivas torna-se uma exigência no tempo presente em que as notícias tristes correm depressa e as causas nobres da vida ficam despercebidas.
• A partilha da fé é um especial apelo feito aos cristãos, uma vez que o seu testemunho irradia valores diferentes que permitem encontrar um sentido novo para as grandes opções da vida. Ajudar os outros a acreditarem no nosso Deus é fonte de uma autêntica Bem-Aventurança.
• A partilha da alegria, pelo sorriso, pela palavra reconfortante, pelo gesto de ternura, constitui uma atitude fortíssima para o cristão. Porque se acredita na ressurreição de Cristo todos os momentos da vida estão repassados de alegria pascal. Ninguém pode separar-nos do amor de Cristo, da alegria do Evangelho.
Como grande síntese poderia falar-se da partilha dos valores cristãos, da verdade, da justiça, da liberdade, do amor, uma vez que é através destes que mesmo os homens de boa vontade, ainda longe da fé, se empenham na construção da sociedade nova essencial para a felicidade de todos.
3. Só um coração bom é capaz de viver parábolas de partilha. Já Ezequiel dizia: “dá-me Senhor um coração bom, tira do meu peito o coração de pedra e põe nele um coração de carne, capaz de amar” (cf. Ez 36, 26). Também Salomão pedia a Deus que “lhe desse um coração recto capaz de servir o seu povo construindo o bem e evitando o mal” (cf. Rs 3,9). É neste contexto que também os cristãos devem pedir a Deus a capacidade de conversão no coração. Que bom seria que todos tivessem:
• Um coração capaz de sorrir, mesmo nas horas mais difíceis da vida, porque as dificuldades em Jesus Cristo podem ser vencidas.
• Um coração que sabe escutar, porque há inúmeras pessoas que precisam de abrir o coração a quem se dispôs a oferecer o seu tempo, simplesmente para estar próximo.
• Um coração capaz de servir, porque há inúmeras pessoas que já não podem por si só responder às normais necessidades da vida comum.
• Um coração capaz de amar, simplesmente porque muito perto há gente que perdeu toda a relação que a fazia feliz.
• Um coração capaz de perdoar, até quando a reconciliação é mais difícil, porque passaram muitos anos sobre a ofensa que abriu feridas na alma.
• Um coração capaz de dar-se sem medida, porque só este se identifica plenamente com a pessoa de Jesus Cristo que se ofereceu até à morte e à morte de cruz.
Se Ezequiel pedia um coração novo, os cristãos têm possibilidade de, num mundo marcado pelos egoísmos, serem testemunhas vivas de uma felicidade diferente para todos, felicidade alicerçada no amor fraterno, à medida de Jesus Cristo.
4. A Comunidade Paroquial do Campo Grande prepara-se já para a caminhada quaresmal. Esta palavra partilha pode ser um desafio à criatividade de todos. Cada um descobrirá o que deve partilhar, como deve partilhar, quando deve partilhar. Não é dinheiro que se dá, é o coração que se abre aos outros nas carências normais que os outros possam sentir. Se os discípulos pediam a Jesus que os ensinasse a orar, talvez se justifique que hoje os cristãos peçam a Jesus que os ensine a amar.