1. A Quaresma, como 40 dias de preparação para a Páscoa, é um tempo privilegiado de oração. Para além das grandes liturgias dominicais, exigentes na proposta de uma relação pessoal com Deus, os cristãos encontram na liturgia diária desafios extraordinários para o aprofundamento da fé e um compromisso maior no ser cristão. É por isso que, fazer a experiência vital de Deus em Cristo, na Sua Paixão, Morte e Ressurreição, constitui um apelo à conversão e à santidade. A conversão é a mudança radical da vida. A santidade é a identificação plena e perfeita com Cristo.
• A liturgia de 4ª Feira de Cinzas chama a atenção para um orar que não seja como o dos hipócritas que o fazem para serem vistos. O discípulo de Cristo “fecha-se no seu quarto e ali, a sós com Deus, fala com Ele como um amigo fala ao seu amigo” (Mt 6, 6). É o desafio da intimidade.
• No primeiro domingo da Quaresma Jesus vai para o deserto para conversar com o Pai. Fazer assim oração, no início da missão evangelizadora, é um exemplo para os cristãos que devem introduzir também, no seu trabalho, a capacidade de diálogo com Deus. Como Jesus somos filhos amados de Deus.
• Na Mensagem de Bento XVI faz-se referência ao Baptismo de cada cristão. O baptizado é um cristão com capacidade de orar. Purificado o coração pela água baptismal, iluminado o caminho pela luz do Evangelho, comprometendo-se a testemunhar pelo óleo santo misturado com o bálsamo, o cristão identifica-se com Cristo, colaborando com Ele na salvação da humanidade. Tudo isto envolve o cristão verdadeiro num diálogo permanente com Deus.
• Na Carta que o Patriarca de Lisboa envia aos cristãos da diocese afirma-se claramente que só na Palavra de Deus é possível construir a comunhão eclesial. Guiados por essa Palavra que, em última análise é o próprio Cristo, os cristãos são chamados à santidade. A fonte primeira da oração é sempre a leitura assídua da Palavra de Deus, com o esforço constante de a pôr em prática.
• Há ainda dois trechos do Evangelho que importa recordar. São os discípulos que pedem a Jesus que os ensine a rezar, a que Jesus responde com o Pai-Nosso (cf. Lc 11, 1-4) e é a recomendação clara de Jesus quando lhes diz que “importa orar sempre e nunca desanimar” (Lc 18, 1).
Neste contexto compreende-se que em tempo de Quaresma é importante reservar muitas ocasiões para as consagrar à oração. É cada um que mede o tempo e o lugar para esta oração programada, mas é indispensável que a Quaresma seja tempo de oração.
2. Mas, afinal, o que é a oração? Ao longo dos séculos muitos pensadores, não exclusivamente cristãos, se têm debruçado sobre o tema da oração. A grande síntese encontrei-a na Maison de Prière, em Troussures, a 80 Km de Paris. Ali, o Abbé Caffarel, mestre da oração, dizia que toda a oração supõe três atitudes: o encontro com Deus, o diálogo com Deus, a experiência vital de Deus. O encontro é pessoal e cada um descobre o tempo e o lugar para que esse encontro aconteça. O diálogo exige uma relação, mesmo verbal, esperando que o Senhor responda às interpelações do crente. Numa síntese maravilhosa no documento conciliar Dei Verbum, diz que a oração consiste em falar com Deus, esperando a resposta na Palavra que Ele próprio nos deixou. É necessário porém, fazer a experiência vital de Deus, aperceber-se como Ele actua em cada momento da vida, umas vezes cheio de misericórdia, outras com grande exigência, sempre com amor de Pai. São várias as formas pelas quais o cristão conversa com Deus. Há quatro, porém, que estão consagradas e que é importante conhecer. São elas: a adoração, a acção de graças, a súplica, a reparação.
• Pela adoração reconhece-se que só Deus é o Senhor. Ele deu-nos Jesus Cristo e por Cristo tem-se a consciência que Deus vem ao coração do homem e nele faz a sua morada. “Se alguém me tem amor, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos nele morada” (Jo 14, 23).
• Pela acção de graças reconhece-se que Deus é bom para com todos, “lento para a ira e rico em misericórdia” (Ex 34, 6). De facto Deus não abandona nunca aquele que n’Ele confia. Logicamente Deus não pede que se lhe agradeça, mas a acção de graças é um toque de ternura do ser humano que reconhece as benfeitorias de Deus.
• Pela súplica reafirma-se constantemente a confiança do ser humano. O Evangelho está carregado de expressões de súplica, são aqueles que pedem para ser curados, aqueles que esperam ser acolhidos no tempo novo que procuram, ou mesmo aqueles que esperam o perdão depois de uma vida vivida longe de Deus. A oração súplica é a oração mais fácil, mas deve implicar o compromisso para um tempo que recomeça.
• Pela reparação pede-se perdão pelas próprias culpas, mas pede-se também perdão pelos males da humanidade provocados por tantos que só pensam nos seus projectos e não se abrem ao projecto de Deus. A reparação é a oração eminentemente comunitária em que todos os outros são mais importantes do que aquele que pede.
Todos os cristãos são convidados a reinventar a sua oração neste tempo de Quaresma, enquadrando-a em qualquer destas orientações, mas sempre reafirmando uma profunda e sempre maior comunhão no amor.
3. E como poderá ser a oração de cada um? A maior dificuldade está exactamente na descoberta da oração pessoal, porque, nas velhas catequeses a preocupação era ensinar fórmulas que, papagueadas, acabavam por não ter sentido. Sugerem-se apenas quatro modelos de oração que, sendo muito fáceis, podem ajudar à relação de cada um com Deus:
• A oração estritamente pessoal. É o Concílio Vaticano II que na D.V. 25 faz este convite “a Deus falamos quando rezamos e a Deus escutamos quando lemos a sua Palavra”. Na oração pessoal cada um conversa sobre os seus problemas e espera depois a resposta abrindo ao acaso a Palavra de Deus.
• A oração bíblica. É possível ler o Novo Testamento, começando por um dos seus Evangelhos, e seguindo passo a passo os caminhos de Jesus, tentando aplicar-se o que se lê à própria vida.
• O silêncio e a contemplação. Cada um pode criar tempos de silêncio no dia-a-dia consagrando-os ao reconhecimento das maravilhas de Deus na própria vida. Pode-se também parar e fazer silêncio diante da natureza, a beleza de um jardim, a brisa da floresta, o movimento das águas do mar. Onde quer que se está há sempre razões de contemplação.
• A Lectio Divina. Escolhido um texto da Palavra de Deus, lê-se repetidamente, sublinham-se as expressões que mais nos tocaram, aplica-se o que se leu à própria experiência humana e assume-se viver como cristão no quotidiano. É um exercício de grande beleza.
Muitas outras formas podem ser propostas para a oração pessoal, mas esta é indispensável para o crescimento na fé, para o envolvimento na comunidade cristã e para tornar cristão todo o ambiente por onde passa a nossa vida.
4. A comunidade cristã do Campo Grande também vive momentos fortes de oração nesta caminhada para a Páscoa. As Vigílias, como a noite da misericórdia, a Reconciliação, como nas tardes e serões penitenciais, as Eucaristias de cada domingo e, sobretudo, o Tríduo Pascal, tudo nos envolve na oração com a qual queremos também celebrar a Ressurreição do Senhor.