1. A proposta para a caminhada quaresmal supõe três dinamismos: o jejum, a oração e a esmola. Se o verdadeiro jejum é o serviço aos mais pobres e aos que mais sofrem, se a oração, feita na intimidade com Deus, reclama pedir pelos irmãos, a esmola concretiza-se num amor fraterno radical. Não é fácil sentir e viver esta frase que correu o mundo: “todo o homem é meu irmão”. Normalmente concede-se uma certa fraternidade aos membros da mesma comunidade religiosa, aos correligionários do mesmo partido político e quanto muito às pessoas muito íntimas que quase fazem parte da família. Ora, o dinamismo quaresmal, pede, precisamente, que se considerem irmãos todos os homens que estejam perto ou longe, qualquer que seja a sua nacionalidade, a sua raça ou língua, seja qual for a sua ideologia, cultura ou forma de pensar. Este amor universal é paradigma para o cristão, uma vez que todos somos filhos de Deus, e todos reconhecemos Cristo como irmão mais velho. De facto, o amor marca a identidade do cristão.
• O mandamento novo. Foi Jesus na Última Ceia que deu esta lei nova aos discípulos: “amai-vos uns aos outros como Eu próprio vos amei e, por isso, vos reconhecerão como meus discípulos” (Jo 13, 34-35). O cristão conhece-se pelo amor.
• Jesus não veio revogar a lei mas completá-la. “Amai os vossos amigos e odiai os vossos inimigos, dizia a lei antiga, mas Eu digo-vos amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos perseguem e maltratam” (Mt 5, 43-44). É a exigência proposta ao cristão.
• Quantas vezes perdoar? À pergunta de Pedro, Jesus responde “para perdoar não sete vezes, mas setenta vezes sete” (cf. Mt 18, 21-22). Isto quer dizer que o cristão perdoa sempre.
• Amor até à unidade. O grande apelo de Cristo aos discípulos foi exactamente este “que todos sejam um só, como Eu e Tu Pai somos um, e creia o mundo que Tu me enviaste” (Jo 17, 21). A plenitude do amor está na unidade, mas esta é o grande sinal de que Jesus foi enviado pelo Pai como Salvador.
• O amor perdura para sempre. Ainda que se tenha uma fé capaz de transportar montanhas, se não se tiver amor, ela de nada vale (cf. 1Cor 13, 2). O amor é também uma virtude teologal, porém, enquanto a fé e a esperança passam, o amor ficará para sempre (1Cor 13, 13).
• Com a presença de Cristo. Onde estão dois ou três reunidos em meu nome Eu estou lá no meio deles (Cf. Mt 18, 20). Ainda mais “o que fizeres ao mais pequenino dos teus irmãos é a mim que o fazes” (Mt 25, 40).
Percorrendo as páginas do Evangelho o amor activo e gratuito de Jesus para com os pobres, para com os doentes, para com todos os que sofrem, aparece como definição clara de qual deve ser sempre o comportamento cristão. Os Apóstolos compreenderam e, mais do que doutrinas, levaram o amor até aos confins da terra. O amor fraterno é o paradigma da vida cristã.
2. Aprofundar o amor no caminho quaresmal constitui um apelo dos Papas, dos Bispos, das comunidades cristãs. Pode afirmar-se que a morte e a ressurreição de Jesus é um verdadeiro hino de amor. Ele deu a vida pelos seus amigos e a maior prova de amor é precisamente dar a vida. Neste caminho para a Páscoa há oportunidades únicas para celebrar o amor com exigência. O caminho catecumenal deve ter mais do que orações, ritos e escrutínios, tem de ter gestos que sejam expressão de um amor fraterno radical. Então, num mundo marcado de conflitos, onde só há lugar para os interesses, os gestos de amor são uma “pedrada no charco”. É preciso dizer a este mundo que amar é possível, que perdoar não é difícil, que ser solidário é essencial na construção de um amanhã melhor. Assim prepara-se para muitos a Ressurreição que a Páscoa significa. Pode haver etapas neste caminho quaresmal:
• Dar atenção aos outros. Falar às pessoas simpáticas não é difícil, mas acolher mesmo os antipáticos, com uma palavra, com um sorriso, com uma ajuda, é implantar no nosso mundo a aventura do amor.
• Perdoar ofensas recentes ou antigas. Há milhões de pessoas que passam a vida de relações cortadas e podem abrir uma porta para relações humanas que a todos realizam. É tempo de aprender a dizer “perdoa-me” e a aceitar o perdão do outro, retribuindo com perdão também.
• Reconciliação numa comunidade de vida. Não basta perdoar, é preciso ajudar outros a perdoarem-se mutuamente. Isto só se consegue quando alguém aceita ser ponte de reconciliação entre aqueles que estão divididos. Sofre-se muito porque as pontes são sempre pisadas, mas a alegria pascal acontece na comunhão de amor encontrada.
• A partilha de bens. Pôr ao serviço dos outros o que se tem e o que se é, revela que se descobriu o verdadeiro sentido da misericórdia. Devem-se aos outros os nossos bens que não nos fazem falta. A medida da dádiva só é pautada pelo amor do coração. Também aqui o amor é inventivo.
• A oração pelos irmãos. É frequente virem pedir-nos uma oração por um amigo que está doente, por um jovem que está desempregado, por um idoso que está só. Não bastará fazer orações mecânicas, descobrir uma oração pro-activa levará, quem faz a oração, ao encontro daquele por quem suplica. E a oração tem duplo efeito, é interpelação a Deus e é comunhão com os irmãos.
Muitas outras formas de amor enquanto exigência quaresmal poderiam referir-se, mas é a sensibilidade de cada um que vai descobrir outras formas de viver o amor fraterno nesta Quaresma.
3. A nossa comunidade cristã tem inúmeros campos onde o amor pro-activo pode ser vivido intensamente. São as crianças cujas famílias têm dificuldades económicas, são os jovens que precisam de inúmeras ajudas, até no estudo, são os séniores com quem vale a pena estar com “dois dedos de conversa”, são os doentes ou idosos fechados em sua casa, são as pessoas que vêm até à comunidade porque querem aprofundar a fé, e são ainda os bebés da creche, as crianças da catequese, as pessoas que gostam de visitar-nos. É um mundo maravilhoso onde é preciso fazer circular o amor.
Como Prior, proponho a cada membro da nossa comunidade que reinvente a forma de amar nesta Quaresma. Há silêncios que permitem não dizer mal de ninguém, há palavras que são um grito de alegria pascal, há pequeninos gestos que confortam pelo bem recebido e sobretudo pelo bem que se sentiu. Que cada um de nós transforme este tempo de Quaresma, pelo amor repartido, em autêntica antecipação da Ressurreição.