A ESPIRITUALIDADE NA VIDA CRISTÃ – 5 de Junho de 2011

1. “Só os que se deixam conduzir pelo Espírito são na verdade filhos de Deus” (Rm 8, 14). Esta recomendação de Paulo aos cristãos de Roma faz compreender que é o Espírito Santo, o Espírito da verdade que dá o sentido à vida cristã. Já Jesus o dissera pouco tempo antes de partir para o Pai: “Vou enviar-vos o Espírito Santo que vos dirá toda a verdade” (Jo 16, 13). O ser humano é um ser espiritual. A vida humana não se esgota no corpo, é animada pelo espírito e é esta dimensão espiritual que torna o ser humano diferente de todos os outros seres. Na pirâmide dos seres a matéria inorgânica existe, as plantas têm vida, os animais têm sensibilidade, muitas vezes marcada pela memória, mas os humanos são espirituais. É na força do Espírito que se congrega o existir, o viver, o sentir. A beleza maior, porém, do ser humano é que, por Cristo, se relaciona com Deus. O ser humano não pode prescindir do espiritual. A espiritualidade tem, no entanto, dimensões variadas: a cultura é espiritualidade, as relações humanas também são espiritualidade, a transcendência não pode prescindir da espiritualidade.

• A busca da verdade é uma preocupação constante na vida humana, não apenas ao nível da informação, mas sobretudo ao nível do conhecimento que permite entender a vida como dom e o caminho humano como entrega a ideais. A verdade por excelência está em Deus. Por isso Santo Agostinho dizia: “Fizeste-me para Ti, Senhor, e o meu coração está inquieto enquanto não descansa em Ti”.

• Também a cultura é uma parcela da espiritualidade. Conhecer o património espiritual, o quadro de valores de referência, as circunstâncias do desenvolvimento, as expressões de vida, na arte, na poesia, na música, na pintura ou na escultura, tudo isto releva de uma espiritualidade densa em que o ser humano cresce e se realiza progressivamente.

• As relações humanas são ainda expressões da espiritualidade. Era Ortega y Gasset que falava do homem com a sua circunstância. O ser humano relaciona-se na família, no trabalho, na intervenção política, na sensibilidade com que enfrenta os problemas. Tudo isto circunstâncias que afirmam o espiritual da sua vida.

• A procura do transcendente é, porém, a forma privilegiada de espiritualidade. No transcendente o espírito humano encontra-se com o Espírito de Deus e realiza-se plenamente no encontro com o seu Criador, em Cristo Redentor e Salvador. Foi o próprio Jesus que o anunciou: “Vou partir mas não vos deixarei órfãos. Enviar-vos-ei o Espírito Consolador que ficará para sempre convosco”.

A vida cristã não se concebe sem uma espiritualidade muito forte, sem uma relação estreita com Deus que gera confiança, desafia ao maior conhecimento, mas pede, em todas as circunstâncias, um compromisso de vida. “Àquele que guarda a minha Palavra, meu Pai o amará, viremos a ele, e faremos nele morada” (Jo 14, 23).

2. No mundo de hoje há uma intensa procura do espiritual. Dá a sensação que muitos estão cansados do barulho e procuram lugares de silêncio. Estão saturados de conflitos e buscam ambientes de paz. Estão marcados pela angústia de um futuro que aparece difícil e recorrem com confiança a Alguém que pode dar um sentido novo à vida. Não se está a falar de fantasias rituais, agora muito frequentes, nem de novas seitas que oferecem extravagâncias, nem tão pouco do Tarot que traz consigo o embuste. O homem de hoje é um faminto de espiritualidade, quer encontrar-se com o Deus em que acredita porque só Ele pode ajudar a vencer as suas angústias e transmitir a serenidade e a paz interior que o pode fazer feliz.

• Estão a aparecer lugares extraordinários de silêncio. Na Escócia multiplicam-se os conventos que acolhem pessoas muito diferentes que querem “ouvir” o silêncio para adquirir a tranquilidade necessária nos problemas mais diversos da vida. São homens de negócios, políticos, empresários, cientistas, e tantos outros que independentemente da fé ou da não fé querem respirar o mistério de Deus.

• No meio das cidades aparecem hoje pequenos ermitérios onde se vão passar umas horas em oração, descansando do turbilhão do quotidiano. Há “espaços” assim nos grandes aeroportos, nos centros comerciais, como nas avenidas ou mesmo à beira de jardins públicos. As pessoas estão saturadas do ruído, das manifestações, das reivindicações. Procuram, então, pequenos lugares de paz.

• Há, também, casas de oração em que se aprofunda a fé e a pessoal relação com Deus. Se a oração é um encontro, a intimidade é uma urgência. Pela oração faz-se a experiência de Deus, sabendo que ao abrir-se o coração Deus responde com a sua Palavra sempre oportuna na exigência que traz consigo.

• Os mosteiros de contemplativos, com as suas hospedarias, proporcionam também tempo de silêncio. Se há o canto litúrgico, ele tranquiliza com a sua beleza: se há o quarto de hora de conversa no claustro, há também as longas horas de silêncio nos jardins, na floresta, nos montes que rodeiam estes lugares privilegiados.

• Restam-nos os cantinhos de oração que cada um pode ter na sua casa, onde diante de uma cruz cheia de tradição se pode ficar em silêncio para contemplar o Deus que nos ama, Cristo que deu a vida para a salvação de todos. Há pessoas que na sua casa de campo foram capazes de erguer pequeninos ermitérios onde a família se reúne para fazer oração. Ali se encontram de tempos a tempos os que mais sofrem e mais precisam de interpelar Deus para que venha ao seu encontro.

O mundo de hoje precisa de tempos de silêncio e de oração, sem o que uma vida dispersa impede o cristão de se identificar plena e perfeitamente com Cristo na busca da santidade necessária.

3. Quer no Antigo Testamento, quer no Novo Testamento há pequenos episódios que revelam a importância do silêncio e da oração.

• Moisés sentiu a necessidade de construir uma tenda fora do acampamento, para ali se encontrar a sós com Deus. Falava com Deus como um amigo fala a seu amigo. (cf. Ex 33, 7-11).

• Elias, já cansado, sentou-se à sombra de um junípero pedindo a Deus para o deixar morrer, mas Deus deu-lhe o pão para que continuasse o caminho até ao Monte Horeb. A súplica no silêncio gerou 40 dias de caminho para cumprir o desejo de Deus.

• Amós, sentindo que a profecia não encontrava resposta, acabou por regressar ao campo, uma vez que ali poderia adorar Javeh, a quem desejava ser fiel.

• Jesus isola-se no deserto onde está 40 dias antes de iniciar a vida pública. O silêncio e o jejum foram contrariados pelo tentador a quem Jesus venceu com a Palavra de Deus.

• No Monte Tabor, Jesus revelou aos seus discípulos a sua verdade. No silêncio da montanha pôde ouvir-se a voz do Pai: “Este é o meu Filho muito amado em quem Eu pus toda a minha ternura” (Mt 17, 5).

• Em Cafarnaum Jesus retirou-se para fazer silêncio antes de ir ao encontro dos discípulos que atravessavam o Lago de Tiberíades.

• No Jardim das Oliveiras, num sofrimento carregado de silêncio, Jesus pediu ao Pai que se cumprisse n’Ele a vontade de Deus.

O cristão não pode prescindir de tempos de silêncio e de oração. É neles que se ouve a voz de Deus muitas vezes com exigências, também com grande compreensão, mas sempre com uma imensa ternura.

4. A nossa Comunidade Paroquial está vocacionada também para apoiar a espiritualidade dos cristãos. Além das celebrações onde vivemos a nossa fé comunitária, temos no quinto andar uma capelinha muito simples, muito acolhedora, onde cada um no silêncio pode conversar com Deus. Nela está Jesus presente no SS. Sacramento, nela está também uma imagem de Maria, a Mãe da Igreja, e uma escultura de Cristo Ressuscitado. No silêncio da capela do quinto andar todos podem encontrar momentos de paz.

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