1. Perde-se, no decorrer dos séculos, a história da Festa de Todos os Santos. Foi há poucos dias que alguém se interrogava sobre como começara esta celebração em que se recordam, não apenas os santos canonizados pelos Papas, mas todos os santos desconhecidos que, na casa de Deus, participam do banquete que o Senhor lhes preparou com extraordinárias iguarias (cf. Is 25, 6). Estas palavras do profeta asseguram que, aos cristãos e aos homens de boa vontade, é garantida não apenas a ressurreição, mas uma eternidade feliz.
• Em meados do séc. II, os primeiros mártires que davam a vida por Cristo eram celebrados pelas comunidades cristãs com lágrimas, flores e orações no lugar do martírio.
• No séc. III, durante a perseguição de Diocleciano, eram tantos os cristãos sacrificados na condenação à morte que as comunidades celebravam todos os mártires em conjunto numa grande liturgia.
• Já no séc. IV, a comunidade de Antioquia decide consagrar o Domingo depois de Pentecostes a uma celebração evocando todos os mártires do tempo já distante das perseguições romanas.
• No séc. V, a oração da Igreja abraçou todos aqueles que, tendo vivido uma fé intensa pelas comunidades, eram considerados santos. A oração de Acção de Graças pela sua vida não se limitava a recordar os mártires, mas envolvia todos os justos.
• É porém, no séc. VII, em Roma que o Papa Bonifácio IV consagrou o Panteão do Campo de Marte e dedicou-o à Santíssima Virgem e a todos os Mártires.
• É somente no séc. IX, que o Papa Gregório IV institui em 1 de Novembro a Festa de Todos os Santos. Desde então a 1 e 2 de Novembro de cada ano a Igreja celebra os Santos e também os finados que, eventualmente, possam estar também a caminho da glória.
Desde então, em toda a Igreja, no abrir de Novembro, se celebra uma festa a que podemos chamar a Festa da Vida, uma vez que, como diz S. Paulo, com a morte “a vida não acaba, apenas se transforma, e desfeita a morada do exílio terrestre adquirimos no céu uma habitação eterna” (2 Cor 5, 1).
2. Todos os cristãos são chamados a ser santos. De facto, “a santidade é a comunhão plena e perfeita com Cristo” (LG 50) e todo o cristão é convidado a viver plenamente em comunhão com Jesus. É então chamado a ser santo. Quem percorre a Sagrada Escritura rapidamente se dá conta da importância da santidade.
• Uma certeza: a promessa da vida eterna garante a vida para sempre. Como Cristo ressuscitou, todos os que n’Ele crêem ressuscitam. Ressuscitados com Cristo todos participarão da sua vida, serão como santos no céu.
• Uma condição: o código de comportamento dos cristãos são as Bem-Aventuranças. Então, para ser feliz, no tempo e na eternidade, é preciso ter um coração de pobre, um coração humilde e sincero, um coração que acolhe e perdoa, um coração que luta pela justiça e constrói a paz. São estes os caminhos da santidade.
• Um título: nas primitivas comunidades, os cristãos tratavam-se uns aos outros como santos. Esta prática, nascida na comunidade de Antioquia, espalhou-se a todas as comunidades evangelizadas por Paulo, que chamava aos fiéis, os santos de Éfeso, os santos de Corinto, os santos de Tessalónica.
Quem dera que hoje, nas comunidades cristãs todos pudessem ser considerados santos. Não seria difícil, bastaria viver ao ritmo de Cristo, amando a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, nas situações mais simples da vida.
3. Há também santos em tempo de purificação. Se é certo que alguns que morreram foram já aceites na glória de Deus, há outros que têm ainda que passar por uma provação temporária. Como para além do tempo não há tempo, é difícil compreender o mistério do “Purgatório”. A oração por estes é porém sempre expressão de amor que consagra a memória e pede a Bem-Aventurança a que todos os que partem têm direito, se praticaram o bem. É neste contexto que se compreende a continuação da festa de Todos os Santos na festa de Finados. A oração e a esmola dos crentes força Deus para abrir a todos as portas do Céu. O Dia de Finados é um dia de “memória”, é um dia de “reparação”, é um dia de “partilha”.
• A memória: que bom recordar os nossos mortos! Como dizia Miguel Trigueiros: “Vêm as sombras hoje ter comigo/ vêm as sombras num cortejo lento/ vêm as sombras a pedir-me abrigo/ ou sou eu que as procuro em pensamento/ primeiro a sombra de meu pai…/”. Como o poeta, todos têm sombras para recordar. São aqueles que partiram e continuam a ser profundamente amados.
• A reparação: se, como diz a Escritura, “o justo peca sete vezes ao dia” (Prov. 24, 16), qualquer pessoa, precisa de purificar-se para entrar em comunhão com Deus. Como, depois da morte, já não está em tempo de Penitência, são os cristãos, pela sua oração, que pedem a Deus para que todos possam sentar-se à mesa do Banquete Celeste.
• A partilha: certamente que os que já se encontram imersos no mistério de Deus nos pedem a preocupação pelos mais pobres. A partilha de bens em Dia de Finados é uma forma extraordinária de oração. Já no Antigo Testamento, o Livro dos Macabeus, o reclamava. Hoje são os Papas que no-lo pedem ao sugerir-nos que, na nossa partilha, façamos opção pelos mais pobres e pelos que mais sofrem.
Estes dois dias do ano têm que ser tempo de alegria pascal, porque quantos acreditaram na vida em Cristo Ressuscitado, agora ressuscitam com Cristo para a vida verdadeira.
4. Os cristãos têm na Morte e na Ressurreição de Cristo a referência fundamental da sua vida. Não têm medo da morte, o mais violento limite humano. Sabem que lhes está prometida a vida, e por isso, caminham seguros ao encontro do Ressuscitado. Tinha razão João Paulo II na última oração que lhe foi ouvida: “Andei a vida inteira a perseguir-te para estar contigo e agora és Tu que me vens buscar”. A sua fé e o seu compromisso de cristão garantiam-lhe, para lá de todo o sofrimento, a felicidade para sempre.