REPARTIR AFECTOS – 11 Dezembro de 2011

1. Mais do que partilhar bens, o Natal reclama a partilha de afectos. O ser humano é um ser social e o jogo de afectos faz parte da realização de cada um. Por mais coisas que se tenham, ninguém é feliz se não amar e se não se deixar amar. Aliás, o Natal não tem outros desafios a não ser o do amor partilhado com Deus, na Pessoa de Jesus e com os homens no desejo de fazer feliz toda a gente. Por isso, este é tempo de olhar para os mais pobres e os que mais sofrem, mas é tempo também para quantos estão ao nosso lado em casa, no trabalho, na vida social. Será interessante perguntar como se consegue partilhar os afectos. É simples a resposta, bastará descobrir que se podem fazer felizes todos aqueles que se cruzam no nosso caminho. Partilhar os afectos é:

• reparar no outro e dar-lhe atenção: na cidade as pessoas vivem como desconhecidos, cruzam-se nas ruas, entram nos prédios, sobem nos elevadores, e nem sequer olham umas para as outras. É preciso reparar que o outro existe e precisa da “minha” atenção.

• escutar o que o outro tem para dizer: uma coisa importante ou uma história que já ouvimos muitas vezes revela sempre que o outro tem confiança “em mim”.

• perdoar ao outro: as ofensas magoam as relações, mas a capacidade de perdoar reconstrói a vida vencendo angústias, solidões e mal querenças.

• cuidar do outro: qualquer que seja o seu problema, todas as pessoas precisam de ser ajudadas, pelo que o jogo dos afectos permite compreender qual é o mistério do outro que está próximo e que precisa “de mim”.

• sentar-se à mesa com o outro: partilhando com ele o carinho e a ternura, as preocupações e os sonhos, o bem e a adversidade, construindo uma relação pacificadora.

• rezar com o outro: a presença de Deus na relação que se tem com alguém dá ao sentido da vida uma alegria intensa porque Deus vem sempre ao encontro daqueles que se amam.

A partilha dos afectos é muito mais que a partilha de bens. Quantas vezes se dá uma esmola para alguém se ver livre do pobre que estende a mão. O amor é diferente, compromete, e o outro passa a fazer parte do projecto que cada um traz consigo. Vale a pena dizer em oração: “Senhor, neste Natal ensina-me a amar”.

2. Uma das formas mais belas da partilha de afectos está no Voluntariado. No domingo passado juntaram-se os 400 voluntários da Paróquia e durante 3 longas horas contaram uns aos outros as maravilhas de amor que é servir gratuitamente os mais idosos, os mais pobres ou os que mais sofrem. Os voluntários partilham a vida num extraordinário dom de amor.
Também a responsável do voluntariado foi convidada a ir à Assembleia da República falar da nossa experiência de amor. Emocionou os deputados, interpelou os políticos, congratulou-se com outras experiências, falou da acção voluntária realizada na Comunidade Paroquial do Campo Grande:

Muitos são os projectos nos quais os voluntários são imprescindíveis e que melhoram a qualidade de vida material das pessoas: roupeiro, extensão do banco alimentar, distribuição de almoços, animação cultural e de tempos livres de pessoas em centro de dia e do apoio domiciliário, explicações ou apoio escolar a jovens em situação de risco, … mas gostaria de focar a minha atenção nos projectos que melhoram a qualidade de vida não material.
O isolamento a que muitas pessoas estão sujeitas rouba-lhes satisfação, felicidade, integração e pertença, até quase lhes roubar a dignidade. Criar laços e redes de afectos e relações que consigam devolver as pessoas a um lugar social, de pertença a um grupo e ajudá-las a reencontrar um sentido válido para a vida é fundamental, para que na nossa sociedade não andemos a acrescentar anos à vida ao mesmo tempo que oferecemos um presente ‘envenenado’ de indignidade e definhamento afectivo e espiritual.
Este ‘tecer’ relacional e espiritual que tem como objectivo tornar a pessoa isolada num agente da sua própria existência não é fácil, não é claro, não é igual para todos, não tem receitas…. É um trabalho de sensibilidade e atenção, de capacidade de escuta e perspicácia que exige grandes qualidades empáticas aos voluntários. E é um trabalho que nunca se pode dizer que está feito.
Não poderia terminar sem manifestar a convicção de que um voluntariado bem gerido e bem organizado é essencial para a verdadeira coesão e felicidade sociais. Porque dar é gerador de felicidade e bem-estar pessoal e, como diz a nossa Embaixadora do Ano Europeu do Voluntariado – a Fernanda Freitas – é gerador de PIF (produto interno de felicidade) do qual o nosso país está carente.

Foi bom o jogo dos afectos ser cantado na Assembleia da República, nas proximidades deste Natal pelo voluntariado organizado da nossa Paróquia do Campo Grande.

3. Reinventar o amor pela partilha de afectos é o desafio que nos é feito neste Natal. Não é preciso fazer muitas coisas novas, é preciso dar uma dimensão nova a todas as coisas que fazemos. Recriar as tradições pedirá um toque de amor em cada palavra, em cada gesto, em cada momento.

• A consoada, com o bacalhau de sempre, é uma festa de reconciliação e de amor em que ninguém pode faltar.

• O madeiro a arder à porta da igreja é o sinal do amor que a todos aquece, vencendo os frios que as muitas crises provocam. À volta do fogo todos somos iguais.

• A Missa do Galo é a melhor festa que pode celebrar-se no Natal. É sinal de unidade, vínculo de amor, banquete de alegria. Nesta Eucaristia todos podem estar presentes. Mesmo as crianças que adormecem ao colo dos avós, ou os menos crentes que acompanham a família nesta noite do ano.

• Os “dez milhões de estrelas” são a expressão da solidariedade que tem em conta quantos sofrem de pobreza extrema. Vão acender-se miríades de luzes nas janelas e cada luz é a expressão da ternura que continua viva no coração humano. Os cabazes de Natal são o aconchego de inúmeras famílias que sem eles não poderiam celebrar a festa que a mesa recheada de coisas boas a todos oferece.

• Os Reis Magos falam da universalidade da salvação. É que Jesus vem para todos, pobres ou ricos, de um continente ou de outro, crianças, jovens ou adultos. Ele é a Salvação.

A Celebração da Paz: no espírito de Assis todos os homens de boa vontade se encontram para criar uma relação nova de reconciliação e de paz. Se não se pode colaborar na construção da paz na ordem mundial, todos podem construir a paz nas suas casas, no seu mundo de trabalho e de convivência.

Recriar o Natal valorizando os afectos é o melhor apelo que pode fazer-se a 15 dias do 25 de Dezembro. O jogo dos afectos não tem preço, e tudo fica mais acessível.

4. Na proximidade do Natal convida-se cada pessoa a descobrir como pode ter um Natal diferente, um Natal de amor, de solidariedade e de alegria.

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