1. A Festa da Páscoa não se esgota no Domingo da Ressurreição. A Páscoa celebra-se ao longo de 50 dias, terminando apenas no Domingo de Pentecostes. É um tempo privilegiado de alegria em que os cristãos se revêem na surpresa da Ressurreição vivida pelos Apóstolos. É também um tempo para recordar a experiência das primeiras comunidades cristãs que se foram constituindo na congregação de quantos, convertidos, queriam partilhar a vida segundo os critérios do Evangelho. Alguns, na sociedade que pretende voltar as costas ao Ressuscitado, quiseram reduzir a Páscoa à festa da Primavera. Na Páscoa, porém, não se celebra apenas a ressurreição da natureza depois do Inverno, celebra-se a Ressurreição de Cristo depois da morte, celebra-se a ressurreição do mundo depois das trevas que, infelizmente, persistem no tempo presente. A Festa da Páscoa não é evocação do passado: contém o dinamismo da construção do homem novo e do mundo novo, que a Ressurreição de Cristo provoca e significa. É neste contexto que a Liturgia Pascal convida os cristãos a acompanhar as pessoas que acreditaram no Ressuscitado, chamando também os cristãos a uma vida comum semelhante à das primeiras comunidades.
2. Os discípulos de Cristo não tinham entendido as Escrituras nem mesmo tinham compreendido as palavras de Jesus que, expressamente, falara da Ressurreição. Quando vêem Jesus morto no Calvário entram numa terrível depressão. Todos choravam o Mestre mas não achavam possível que voltasse à vida. A surpresa da Ressurreição apanhou-os a todos, pelo que Cristo Ressuscitado acabou por tornar-se a referência absoluta das suas vidas.
• Maria viu o sepulcro vazio e nem sequer reconheceu Jesus. O jardineiro que lhe estava próximo tratou-a afinal pelo seu nome e ela descobriu que este era o Mestre (Rabuni). Não pôde mais parar. Correu a dizer aos discípulos que Jesus estava vivo.
• Pedro e João correm a confirmar o dito daquela mulher. Encontram o sudário e as ligaduras arrumadas a um canto. Tão lógica foi a Ressurreição que eles podem dizer que O viram e acreditaram.
• Os discípulos de Emaús faziam tristes o caminho da desilusão. Criaram amizade com um viajante que ia a seu lado. Convidaram este homem para ficar em sua casa. Sentaram-se à mesa, reconheceram-n’O no partir do pão. Afinal o Senhor estava vivo.
• Os Apóstolos no Cenáculo, ali juntos com medo dos judeus, foram surpreendidos pela presença de Jesus que lhes disse: “a paz esteja convosco”. Reconheceram as mãos e os pés feridos, bem como o sinal da lança do centurião. Acreditando n’Ele aceitaram o Espírito para realizar a missão do Evangelho. O Senhor foi claro “como o Pai me enviou, também Eu vos envio”(Jo 20, 21).
• Tomé não estava na comunidade, por isso levantou todas as dúvidas. Ao regressar à comunidade, uma vez mais Jesus apareceu. Porque Tomé viu, acreditou. E Jesus poderá dizer-lhe que mais felizes são os que acreditam sem terem visto. Todos continuaram a hesitar. Por isso Jesus os advertiu de que só na fé da Sua Ressurreição poderiam ir por todo o mundo anunciar o Evangelho a toda a criatura. Tinham uma garantia, Jesus estaria com eles até ao fim do mundo.
• Paulo, anos mais tarde, ele que era perseguidor, também ficou rendido à presença de Cristo Ressuscitado. Perante esta realidade que o surpreendeu só soube dizer “Senhor, que queres que eu faça” (Act 22, 10).
Qualquer destas pessoas pode ser um de nós; surpreendidos tantas vezes por Jesus, para conseguir deitar fora o homem velho e construir o homem novo à semelhança do Ressuscitado. Se os discípulos mudaram radicalmente a sua vida, passando da tristeza à alegria, da dúvida à certeza, do medo à coragem, só, porque tiveram a certeza da Ressurreição, também cada um de nós pode fazer caminho semelhante celebrando nas atitudes a Ressurreição de Cristo.
3. A vida das primeiras comunidades, na leitura dos Actos dos Apóstolos, é recordada na Liturgia destas semanas pascais. De facto, a maneira como viviam os cristãos estava marcada por uma dinâmica comunitária de extraordinário significado. “Estavam todos unidos na doutrina dos Apóstolos, na fracção do pão e nas orações” (Act 2, 42), chegando mesmo a pôr tudo em comum. Quem olha para vida destas comunidades cristãs reconhece nelas 5 características que deviam ser constantes nas comunidades cristãs de todos os tempos.
• Tinham um só coração e uma só alma, o que quer dizer que viviam em profunda comunhão fraterna, servindo-se uns aos outros e tratando-se como irmãos.
• Tinham a vida em comum, pois para eles havia uma só fé, um só baptismo, um só Deus que é Pai de todos. A diversidade de carismas e de funções enriquecia a vida comum que fazia parte da sua vocação cristã.
• Davam testemunho de Cristo em toda a parte, não tendo medo das dificuldades das perseguições e das prisões. Eles sabiam que não tinham que pensar o que dizer diante dos juízes porque o Espírito Santo estaria com eles.
• Tinham a simpatia de todo o povo, a sua forma de estar era de tal natureza que toda a gente os admirava. Daqui resultava, então, que muitos se convertiam aderindo à mesma fé.
• Partilhavam os bens de tal maneira que não havia necessitados entre eles. Chegavam a vender as terras e a pôr o dinheiro aos pés dos Apóstolos para com este ser possível ajudar os mais pobres nas suas dificuldades.
Neste tempo litúrgico lêem-se diariamente os Actos dos Apóstolos. É uma experiência de Igreja que era urgente retomar. Quando se vê nos noticiários que dois milhões de portuguese deixaram de ser católicos sente-se que é necessário refontalizar a fé cristã, voltando às fontes das comunidades cristãs. Pelo testemunho da Ressurreição ter-se-ia a simpatia de todo o povo e muitos iriam acreditar.
4. Cada comunidade cristã é uma parcela do Povo de Deus, tendo dele as mesmas características. O Concílio veio dizer-nos que a Igreja, Povo de Deus, tem 4 características. São estas que podem tornar-nos simpáticos como cristãos. Termos Cristo Ressuscitado como referência única e fonte da nossa alegria; promovermos na cidade a dignidade e liberdade de todos os homens, reconhecidos como filhos de Deus; termos como única lei o amor vivido até às últimas consequências, no perdão e na reconciliação até à unidade; e tendo como objectivo gerar a comunidade de gente feliz. Neste Tempo Pascal convido todos os cristãos da comunidade paroquial a vivermos com maior intensidade a vida de ressuscitados.