COMUNICAR – 20 de Maiode 2012

1. Neste ano, no Dia Mundial das Comunicações Sociais, Bento XVI convida os jornalistas a escutarem o silêncio e a interpretá-lo nos habituais comentários da rádio e da televisão. É preciso ultrapassar o ruído de uma comunicação social que explora os conflitos para ter mais audiências. No hábito de cultivar o “contraditório”, as palavras a mais não permitem aos leitores, aos ouvintes, aos telespectadores, tirar conclusões que sejam úteis para a construção de uma sociedade nova, uma sociedade de justiça, de solidariedade e de paz. O Papa fala do equilíbrio entre a palavra e o silêncio. A propósito de silêncios que falam, transcreve-se um texto lindíssimo do secretário-geral da Agência Lusa:
“Terminara a celebração do 13 de maio na Cova da Iria, em 1991, presidida pelo então Papa João Paulo II. Três horas de oração intensas haviam unido uma multidão imensa que acorrera a Fátima para fazer a experiência de fé. Uma experiência que se revelaria em múltiplas e diferenciadas expressões mas, naquela hora, com um único denominador – o Papa que se fazia intérprete de todos, de todos tomando dores e esperanças para delas fazer a oferenda comum na renovada consagração da humanidade a Nossa Senhora de Fátima […] O Papa João Paulo II tinha-se desparamentado […] escolheu o genuflexório, onde se prostrou em longa contemplação silenciosa. Este gesto surpreendeu as poucas centenas de peregrinos que tinham decidido aguardar pelo Papa para o aclamarem numa derradeira despedida. De tal modo, que logo se quedaram os murmúrios e todos os olhares se fixaram em comunhão com o silêncio do bispo vestido de branco. Um manto de sossego envolveu a capelinha e demais espaço envolvente. O Papa rezava mergulhado em oração íntima, completamente alheado do que se passaria em redor. Nunca saberei se os peregrinos presentes rezaram ou não, mentalmente, em união com o Papa. Tenho, porém, a profunda convicção de que aquele silêncio uniu de uma forma fantástica os presentes, diria mesmo uma união contrastante com o ruído celebrativo da peregrinação multitudinária em que todos tinham acabado de participar. Passados longos minutos, o Papa despertou do silêncio e surpreendeu-se com o aplauso dos peregrinos que voltaram a aclamá-lo em júbilo. Ainda hoje sinto dificuldade em explicar aquele silêncio do Papa. Foi um momento mágico que tocou a sensibilidade do cristão, afagou o ego do repórter e lhe proporcionou esse apontamento suplementar de reportagem. Um apontamento que, na altura associei, à emoção de todos perante a vivência de momentos únicos de proximidade com o Papa e de gestos imprevistos/proféticos de João Paulo II. Mas, 21 anos depois, ao recordar aqui esses momentos, parece-me que, em meus ouvidos, ainda ressoa aquele silêncio através do qual o Papa João Paulo II tocantemente falou.”
José António dos Santos soube interpretar o silêncio do Papa que a multidão aceitou também para recomeçar a sua vida com novas energias e nova esperança.

2. Bento XVI fala-nos do processo humano da comunicação. Toda a relação supõe que se saiba comunicar na família como no trabalho, no convívio social como na diversão, na arte e na cultura como no lazer, o ser humano está votado a comunicar. A não comunicação gera o isolamento. A solidão é a tragédia maior do homem contemporâneo. Todos têm de aprender a comunicar, não só os jornalistas, mas o simples homem comum que não pode fechar-se no seu próprio mundo sem se abrir aos demais. Há, porém, muitas formas de comunicar:

• Comunica-se pela palavra – pode ser uma palavra espontânea ou uma palavra estudada, mas o que se diz, o que se escreve o que se representa deve ter sempre um significado que respeite, que promova, que abra caminhos de esperança.

• Comunica-se pelo gesto – são frequentes os gestos de violência que magoam e podem destruir pessoas. Pedem-se, porém, gestos que revelem sentimentos, que ofereçam confiança, que venham a gerar a reconciliação e a paz, que apontem caminhos.

• Comunica-se pelo olhar – a mãe interpreta com facilidade o olhar de uma criança, o filho compreende o olhar de um pai, todos são capazes de entender o olhar de alguém, a angústia, a súplica, o medo, mas também a alegria, a festa, a realização.

• Comunica-se pelo sorriso ou pela lágrima – todo o sofrimento humano está significado na lágrima que escorrega nos olhos cansados de um velho. Toda a esperança se revela no sorriso de um jovem que acaba de cumprir uma tarefa. Lágrimas e sorrisos são as duas normais vertentes de um coração que sente e que celebra a vida na luta aparentemente vulgar de todos os dias.

• Comunica-se, também, pelo silêncio – se é importante saber falar, é mais importante ainda saber calar. O discernimento gera silêncios de extraordinária importância no nosso viver comum. Saber gerir o silêncio é a expressão máxima da sabedoria, da verdadeira comunicação que salva.

Bento XVI di-lo expressamente na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais: “No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos. Calando, permite-se à outra pessoa que fale e se exprima a si mesma…deste modo abre-se um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais plena”.

3. Numa sociedade marcada pelo barulho descobrir o silêncio é fundamental. Estranhamente as pessoas parece que já não podem viver sem o ruído. Na rua e nos transportes públicos fala-se aos gritos, em toda a parte se sente a necessidade das discussões, dos reclames em altos brados, das aclamações ou das vaias nos recintos desportivos: o barulho passou a fazer parte do viver comum da cidade.

• Há quem, ao entrar em casa onde ninguém está, precise de acender a televisão para sentir companhia.

• Alguns, no seu mundo de trabalho, precisam de levantar a voz para afirmar competência e entrar na normal competição para subir na carreira.

• Até os namorados, de quando em quando, sentem a necessidade de discutir para afirmar quem de entre eles tem mais poder. Estranha forma de amar.

• Nas escolas, os professores levantam a voz para se sobreporem ao ruído que a distracção dos alunos provoca.

• E até nas igrejas, antes de começarem as celebrações, a vozearia dos crentes fala mais alto do que o silêncio das preces.
É neste mundo assim que o desafio do silêncio é maior. Pelo silêncio podemos comunicar com Deus, mas no silêncio podemos também comunicar uns com os outros.

4. É urgente educarmo-nos para o silêncio. Dão-se apenas três sugestões que, não fazendo parte da comunicação social, podem ser importantes na nossa renovação constante.

• Fazer silêncio para discernir correctamente sobre o que fazer, como o fazer, quando o fazer.

• Fazer silêncio para escutar o outro. Não se podem atropelar as palavras. É preciso deixar o outro falar sem tentar cortar o que nos quer dizer. A seguir, com serenidade, o diálogo é possível e as conclusões podem ser úteis para todos.

• Fazer silêncio para ser eficaz. O estudo, o trabalho organizado, a criatividade na arte, tudo isto pede um silêncio que pacifica, e que permite maior competência e maior eficácia.

• Fazer silêncio para falar com Deus. Já o Evangelho de Mateus o referia quando diz que não é pelas muitas palavras que seremos atendidos. O Senhor sabe muito bem daquilo que precisamos (cf. Mt 6, 8). A contemplação é a forma privilegiada de oração. E a contemplação só é possível no silêncio profundo que permite o encontro com Deus.

Qualquer cristão entende com facilidade a importância do silêncio na sua vida. Saber fazer silêncio pode ser a melhor forma de crescimento na fé e na caridade: na fé porque Deus se nos revela, na caridade porque mais facilmente se descobre quem de nós precisa. Que cada um de nós aprenda a comunicar através dos silêncios.

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