A 7 de Junho de 2012 foi a última vez que em Lisboa se celebrou a Festa do Corpo de Deus, com feriado nacional. Pela tradição de séculos, é uma pena perder-se este dia santo consagrado à adoração da SS. Eucaristia.
Para compreender-se a importância da Festa do Corpo e Sangue de Cristo, não hesito em transcrever a história desta festa na tradição de Portugal.
1. “ A solenidade conhecida pelo nome de Corpus Christi (em Portugal designada Corpo de Deus) ou do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, só ganha lugar de relevo na Liturgia em 1246, quando o Bispo de Liège (Bélgica) instituiu a festa na sua diocese. Esta primeira “festa oficial” do Corpus Christi surge em consequência das revelações recebidas pela Beata Juliana de Retinne. Pela bula Transiturus (1264), o Papa Urbano IV (que antes fora Bispo de Liège) estendeu a festa a toda a Igreja, como solenidade de adoração da Sagrada Eucaristia.
2. A solenidade do Corpus Christi já era celebrada em Portugal no século XIII, desde o reinado de D. Afonso III. Era, à época, uma festa de adoração, não envolvendo a procissão pelas ruas. O rito da procissão foi instituído pelo Papa João XXII (1317). Na igreja dos Mártires, em Lisboa, manteve-se no decurso dos séculos (apesar das inovações havidas), o rito da festa com exposição do Santíssimo, Procissão, Vésperas solenes e sermão.
As Câmaras Municipais e as Corporações de artes e Ofícios acolheram a devota iniciativa, pelo que, a breve trecho, a Procissão veio a tornar-se a mais vistosa e interessante de todas, merecendo o título de “Procissão das Procissões”.
Constituída por cortejo cívico e corporativo, com carros alegóricos, figuras pitorescas, danças, momices e cenas de autos sacramentais, a procissão demorava horas a caminhar, vindo a constituir tanto um evento religioso como um evento social.
As Câmaras, seguindo as instruções régias, publicavam Regimentos ou regulamentos da Procissão, indicando os usos e os costumes, os modos de vestir, as obrigações de cada Corporação, as danças (entre elas a judenga, ou dança dos judeus), as bandeiras e pendões, as coreografias (anjinhos, folias, figuras sacras…) e o lugar do Clero.
Raras foram as sedes concelhias que não tiveram Regimento da Festa, mas as memórias mais expressivas acerca da procissão ficaram em Coimbra, no Porto e em Lisboa.
3. Celebrada em Lisboa, a Festa do Corpo de Deus incluiu a Procissão, pela primeira vez, em 1389. Eram os tempos da consolidação da autonomia face a Castela e do bom ambiente criado pelas vitórias bélicas de Nuno Álvares e da influência cultural britânica (a ponto de S. Jorge – devoção inglesa, vencedor do Mal, do Dragão – ser considerado Padroeiro de Portugal).
Por isso, à solenidade do Corpus Christi juntou-se a festa de S. Jorge. Desta junção, resultou a magnificência da Procissão da capital. A festa chegou a atingir surpreendente grandiosidade no tempo de D. João V, incorporando a Procissão, desde logo, as associações socioprofissionais e também as delegações das diversas Ordens Religiosas de Lisboa (Agostinhos, Beneditinos, Dominicanos, Franciscanos, Ordem de Cristo…) e ordens militares. No cortejo avultava a figura de S. Jorge a cavalo e a Serpe, ou dragão infernal (do tipo chinês, locomovido por figurantes), contra o qual S. Jorge lutava. Havia paragens para representação das famas ou glórias de S. Jorge; e também para uma série de danças. Representavam-se ainda as tradicionais “estações” do Santíssimo, como hoje ainda se faz na procissão de Sevilha.
4. Dado curioso a salientar é o da tentação de realizar atentados contra as figuras régias, durante a procissão do “Corpus Christi”. Um deles, foi contra a pessoa de D. João IV. Sobrevivendo o monarca, a sua esposa D. Luísa de Gusmão promoveu a construção do Convento das Carmelitas, na Baixa Lisboeta. Edificado no exacto lugar do falhado crime, foi chamado do “Corpus Christi”. Outro atentado famoso deu-se contra D. Manuel II, perto da igreja da Vitória, quando a procissão passava na rua do Ouro.
A legislação de 1910, proibindo os dias santos da Igreja (excepto o Natal e o dia 1 de Janeiro), interrompeu o culto público ao SS. Sacramento, embora, nas igrejas, continuassem a ser celebradas missas solenes, e solenes pontificais nas Sés.”
É certo que a Santa Sé pediu que o feriado do Corpo de Deus fosse apenas suspenso durante os próximos 5 anos. Há a esperança de que se retome em 2018. Até lá continuamos a celebrar o Corpo e Sangue de Cristo, reafirmando a nossa fé na SS. Eucaristia. A Eucaristia está no centro da vida cristã. É, como diz o Concílio Vaticano II, sinal da nossa unidade, vínculo do nosso amor, sacramento da nossa piedade, banquete de alegria pascal e memorial da paixão, morte e ressurreição de Cristo. Os cristãos e todo o povo de Portugal não podem deixar de celebrar a Eucaristia, como parte da vida para o presente e razões de esperança para todo o futuro.
P. Vítor Feytor Pinto Prior