EM PEREGRINAÇÃO À TERRA SANTA – 8 de Julho de 2012

1. Desde os primeiros séculos da Igreja que houve a tradição de fazer peregrinações. São bem conhecidas as visitas aos muitos santuários espalhados pelo mundo. Todos conhecemos as peregrinações a Fátima, a Santiago de Compostela, a Lourdes e sobretudo a Roma nos jubileus que se repetem de 25 em 25 anos. A peregrinação por excelência, porém, é sem dúvida aquela que se faz para visitar os lugares santos, com a subida a Jerusalém, onde Jesus foi crucificado e, três dias depois, ressuscitou dos mortos. Os Apóstolos apesar das suas múltiplas viagens missionárias reuniam-se com frequência em Jerusalém. Recorde-se a tensão entre Pedro e Paulo a propósito da judaização (cf. Gal 2, 11) e que só teve solução quando os dois se encontraram com os outros Apóstolos em Jerusalém. As viagens apostólicas de Paulo também convergiam para a Cidade Santa, lugar onde Jesus havia celebrado o seu mistério pascal, a sua Morte e Ressurreição. Subir a Jerusalém tornou-se, a pouco e pouco, uma prática da mais importante das peregrinações.

• Santa Helena, mãe de Constantino, foi encontrar em Jerusalém a cruz onde Cristo fora crucificado. Hoje, “pedacinhos” dessa cruz foram espalhados por todas as comunidades cristãs do mundo e constituem o “Santo Lenho” que os cristãos veneram.

• Os Cruzados, a partir de finais do século XI (1095), organizaram a defesa de Jerusalém, libertando-a do domínio muçulmano. Assim, facilitavam as inúmeras peregrinações que já nessa altura se faziam à Cidade Santa. Reconstruir os lugares santos foi também objectivo de muitas das cruzadas, embora séculos mais tarde tenha havido inúmeros erros praticados. O sentido da peregrinação manteve-se, porém, em muitos que demandavam a cidade de Jerusalém.

• Os jubileus, sobretudo na celebração da passagem dos séculos, sempre fizeram convergir para lugares santos inúmeros cristãos desejosos de fazer penitência. E longa era a distância que separava a Europa do Médio Oriente. As viagens eram penosas e o regresso era muita vez difícil. Quem não se lembra de Frei Luís de Sousa, na concepção de Almeida Garrett? História reveladora das dificuldades de uma tal peregrinação.

• Depois da Segunda Guerra Mundial com a facilidade da aviação, começaram a multiplicar-se as peregrinações à Terra Santa. Não deixaram elas, porém, de ser uma oportunidade única de renovação interior, de aprofundamento bíblico, de revitalização da vida cristã, de crescimento espiritual no caminho da santidade.

A nossa comunidade paroquial do Campo Grande também vai subir a Jerusalém. Se são apenas as 43 pessoas que estão inscritas neste caminhar até à Cidade Santa, este grupo leva consigo todas as pessoas da comunidade paroquial. Vai ser junto dos lugares santos, uma presença viva de toda a paróquia em atitude constante de súplica e de acção de graças. Para além da beleza de quanto vai ver-se é a relação pessoal com Jesus Cristo, Morto e Ressuscitado, que vai pautar todo este caminho de peregrinação.

2. Os lugares de contemplação.
Nas terras percorridas por Jesus há lugares de extraordinária beleza. É a própria natureza que revela o mistério de Deus. Pode imaginar-se em cada lugar como tudo o que nos rodeia nos fala de Deus. Jesus soube acrescentar ao esplendor da natureza a força da sua Palavra cheia de exigência e de ternura. Vale a pena sublinhar a importância de 3 lugares:

• O Monte das Bem-Aventuranças. Dali avista-se o Lago Tiberíades e toda aquela região da Galileia. Quem pára ali não pode deixar de recordar o código da felicidade que Jesus nos ofereceu. Felizes, mesmo os que são pobres, mesmo os que têm fome de justiça, mesmo os que são perseguidos. Felizes se têm um coração simples, capaz de perdoar, e lutando para construir a paz.

• O monte Tabor. No limite da Galileia, antes de passar à Samaria, sobe-se ao alto do monte. Foi ali que Jesus se transfigurou revelando-se aos discípulos mais íntimos como Filho de Deus. O Tabor domina completamente o Vale de Jesrael, lugar onde se viveram todos os acontecimentos que levaram à construção de Israel. Ao fundo vêem-se cidades como Naim. A presença de Jesus ali marca a grande passagem do Povo de Israel, com Moisés e Elias, ao novo Povo de Deus que Jesus veio instituir.

• O Monte das Oliveiras. É daqui que se vê a cidade de Jerusalém no seu total esplendor. Em vez da Mesquita de Omar, pode imaginar-se o velho templo de Jerusalém. Ao aproximar-se da cidade Jesus chorou “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas…” (Lc 13, 34). É fácil compreender que para além da beleza da cidade há problemas que é preciso ultrapassar. Contemplar Jerusalém, vista do Monte das Oliveiras, é aceitar as mudanças necessárias que devem transformar a cidade dos homens.

Podia acrescentar-se o Monte Oreb, mas esse não foi visitado por Cristo. É o lugar de onde Moisés viu a Terra Prometida. É o sinal da libertação que o Povo de Israel iria conseguir, ao entrar nas terras onde corre o leite e o mel. Subir aos lugares altos é sempre motivo de contemplação, razão para descobrir como Deus está presente em tudo e como nos convida a ir com Ele transformar o mundo. Que estes sejam lugares de harmonia e paz.

3. Acompanhar a vida de Jesus.
Fazer uma peregrinação à Terra Santa é escrever, na própria vida, a presença de Jesus com toda a experiência humana por Ele vivida e com toda a exigência de fé que Ele sugere. Cada passo é uma recordação, cada lugar constitui um desafio. É tão importante recordar como Jesus viveu. É mais importante ainda, aquilo que Jesus pediu. Deixam-se alguns “flashes”.

• Em Belém os cânticos dos anjos e a alegria dos pastores contrastam com a pobreza de Maria e José ao verem Jesus feito Menino.

• Em Nazaré o silêncio de Maria e o trabalho de José acompanham o normal crescimento de um adolescente e de um jovem que se preparava para a missão de anunciador da Boa Nova.

• Junto ao Lago de Tiberíades a descoberta de uns pescadores a quem Jesus convida para segui-l’O sem condições. E começa a aventura do Reino de Deus.

• Nas águas do Jordão o encontro com João Baptista que O reconhece “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. João faz um voto “que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3, 30).

• Em Cafarnaum uma vida normal convivendo com os amigos, indo à Sinagoga, preocupando-se com as pessoas que o rodeiam e estão cheias de problemas. Com gestos e palavras Ele dava a Boa Nova aos pobres, a libertação aos oprimidos, a alegria aos que sofrem.

• No caminho para Jerusalém, vários encontros transformaram vidas. Que o digam a Samaritana, o Zaqueu, e tantos outros.

• Em Jerusalém um caminho muito duro. Desde o reconhecimento da sua grandeza até à sua condenação à morte, como malfeitor.

• No sepulcro de José de Arimateia a confirmação da sua Morte e certeza da sua Ressurreição.

Peregrinar é fazer uma síntese de todos os acontecimentos da vida de Jesus e trazê-los para a nossa vida, moldando assim cada palavra, cada gesto, cada atitude. É tudo isto que os peregrinos vão tentar fazer.

4. Momentos de intimidade.
A originalidade desta peregrinação à Terra Santa é que contém lugares que desafiam a uma especial intimidade com Cristo.

• Caná da Galileia – o lugar do primeiro lugar, do vinho novo, da presença de Maria, toques fundamentais na vida de um cristão.

• O lugar do Primado – o desafio da fidelidade que Pedro jura apesar da sua fraqueza. Dirá que não conhece Jesus, arrepende-se e chora amargamente e apesar de tudo, Jesus confia-lhe o Primado.

• Tabca – é o lugar da multiplicação dos pães. Jesus teve pena da multidão. A solidariedade faz parte da vida cristã, é forçoso repartir o pão.

• O Cenáculo – foi a sala escolhida para o Pão da Vida. Jesus, sentado à mesa com os Apóstolos, dá-lhes a comer o seu Corpo e a beber o seu Sangue. Jesus antecipa a entrega da vida, para que todos saibam viver com entrega total.

• O Lugar do Calvário – foi aqui que Jesus morreu. Não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos. Foi exactamente isto que Jesus fez.

O desafio da intimidade é uma palavra de ordem para quantos peregrinam à Terra Santa. Que cada um, mesmo que não possa ir com o grupo de cristãos da Paróquia, se sinta representado na oração que por todos fazemos.

5. A minha experiência na Terra Santa.
Já fui muitas vezes aos lugares santos. Em 1965 fiquei “colado” ao altar do Calvário contemplando a morte por amor. Em 1978 celebrei no altar do Sepulcro na madrugada de 6 de Agosto, em que Paulo VI acabava de morrer. em 1990 celebrei no altar de Maria Madalena o 30º dia da morte de minha mãe. No ano 2000 foi à volta do lagedo da agonia que vi lágrimas no rosto de muitos paroquianos do Campo Grande. Agora, tenho a consciência de que é a última vez que subo a Jerusalém, quero ter a alegria de pedir para todos a força de uma vida cristã que a cada um possa fazer feliz.

P. Vítor Feytor Pinto
 Prior

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