1. Há muitas histórias de Natal, qual delas a mais bela. Acontece, porém, que de quando em quando aparecem pequenos contos carregados de desafios para se redescobrirem os verdadeiros valores. Conta-se que a Virgem Maria veio até Lisboa passar esta quadra festiva. Percorreu as ruas e ficou fascinada com os arranjos luminosos, bonitos ainda que em tempo de austeridade. Viu as montras cheias de artigos que podem fazer toilettes excepcionais. Também reparou nas pastelarias com deliciosos sonhos e bolos rei, não faltando ainda muitos doces de ovos e suspiros de açúcar saborosos. Reparou ainda que em toda a cidade se ouviam cantares de Natal, a tradicional “Noite Feliz” ou o “Tannenbaum”, um e outro recebidos dos países do Norte. Maria, depois de percorrer toda a cidade, começou a perguntar-se qual a razão de tanta festa. É que ela sabia que quem ia nascer era o Menino Jesus, mas do seu querido Menino ninguém falava. Não era Ele que fazia anos? Não era Ele que vinha trazer o amor à terra? Não era Ele que se preocupava com os pobres e desvalidos? Não era Ele que justificava gestos de gratidão e de ternura? Mas não, de Jesus ninguém falava. Não consta que a Senhora tenha partido para o céu em lágrimas, porque é capaz de compreender os humanos, mas talvez, junto do seu Filho, queira sugerir um trabalho de evangelização às comunidades cristãs para que falem de Jesus a toda a gente e o deem a conhecer como Filho de Deus, Redentor e Salvador.
2. A comunicação social tem falado muito da maneira como Bento XVI quis olhar para a infância de Jesus. O Papa disse expressamente que não escrevia o livro de Jesus de Nazaré como Supremo Pontífice, mas o fazia apenas como teólogo que gosta de aprofundar a sua relação pessoal com Jesus Cristo Senhor, a referência fundamental da sua vida e da vida de todos os cristãos. É então como teólogo que Bento XVI nos fala da data do nascimento de Jesus, da vaca e do burrinho no presépio, dos santos Reis Magos e tantas outras coisas. Há na leitura da Sagrada Escritura, bem como no conjunto das tradições, uma série de acontecimentos que não contém uma linguagem histórica, mas antes, um estilo simbólico que valoriza e que cristianiza todas as coisas. Assim, vale a pena olhar para a infância de Jesus, compreendendo o simbolismo extraordinário com que a tradição revestiu os acontecimentos.
• A data do nascimento: o 25 de Dezembro era, no império romano, o dia do sol invencível. Era nessa data que os dias começavam a crescer. Na impossibilidade de conhecer a data do nascimento de Jesus foi-lhe atribuído um dia carregado de significado. O novo sol invencível é sem dúvida Jesus Cristo. A festa outrora pagã, cultivando apenas a natureza, torna-se agora cristã, colocando nela o nascimento de Jesus. Tudo com Ele vai crescer. A marca do solstício de Inverno, torna-se para os cristãos a certeza de que Jesus Cristo fará novas todas as coisas.
• O lugar do presépio: o evangelho de Lucas diz apenas que num tempo histórico concreto por causa de um recenseamento geral Maria e José se dirigiram à cidade de Belém. Também não havia lugar nas estalagens. Onde terá então nascido Jesus? Muitos estudiosos da Bíblia consideram que as casas naquele tempo tinham lugar reservado aos animais. Ali, havia um calor propício para acolher uma mulher jovem prestes a dar à luz. Talvez tenha sido aí, nesses baixos da casa que o menino Jesus nasceu. Esta foi a tradição durante séculos. Mais tarde, no séc. XIII, Francisco de Assis recriará o lugar do nascimento como uma gruta perdida nas montanhas da Judeia, onde não faltaram os animais que o “poverello” tanto admirava. O calor da vaca e do burrinho venceriam o frio das montanhas.
• Os pastores e os magos: S. Mateus no seu evangelho quer referir que a presença de Jesus na história é para todos os homens, a salvação é universal. Se os pastores eram as pessoas mais mal vistas, naquele tempo, pelo seu estilo de vida, os magos eram nobres que podiam trazer consigo autênticas especiarias, o ouro, o incenso e a mirra. Ao descrever o nascimento de Jesus o evangelista dá logo de início o sentido da mensagem de Jesus que é para todos, universal.
• A estrela: muitos comentadores, ao longo dos séculos, consideraram que naquele tempo o cometa Halley cruzara os céus da Palestina. Seria, então, essa luz forte, a Estrela do Oriente. Hoje os exegetas consideram que a única estrela do oriente é o próprio Jesus. Como diz o profeta, “os povos que andavam nas trevas viram uma grande luz” (Is 9, 2).
Ler “A infância de Jesus “ que Bento XVI oferece à humanidade constitui uma síntese entre a verdade histórica e o desafio evangelizador que este tempo de Natal oferece a todos os cristãos.
3. O Natal de 2012 pode ter muitas leituras. Deve, porém, inserir-se nelas o mistério do nascimento de Jesus. Nas escolas, nos clubes, nas empresas, até nas repartições, por todo o lado se ouvem cânticos de Natal, reveladores deste tempo de festa. Desafio extraordinário, colocar Jesus no meio de todos estes Natais.
• O Natal das crianças é Natal de ternura, mas não pode ficar-se pelo conjunto de presentes que se dão aos mais pequenos, ou pelo tradicional circo onde os palhaços fazem rir e os acrobatas deixam as crianças cheias de espanto. No dia de Natal é uma criança que nasce. Falar de Jesus aos pequeninos é encharcá-los da ternura que vem do presépio, do carinho da mãe Maria, da serenidade de José e da alegria dos pastores.
• O Natal das famílias é Natal de unidade. É muito bonita a consoada onde não falta o bacalhau ou o jantar de Natal onde o peru ainda tem lugar. O desafio maior, porém, é o da reconciliação e da paz. Os diversos encontros de Natal deverão ser sinal de comunhão, de entreajuda, de aproximação das pessoas mais distantes, da alegria serena que Jesus pode dar.
• O Natal dos sem-abrigo é Natal de partilha. Na cidade há multidões que não têm ninguém. Perdem-se nas ruas, nas entradas do metropolitano, nas portas das igrejas, à saída dos centros comerciais. Na proximidade do Natal consegue reunir-se um grande número dessas pessoas para partilhar uma refeição de pratos quentes com os doces típicos deste tempo, as filhós, os sonhos, as rabanadas, as broinhas; mas se Jesus entrar nesta ceia diferente, todos vão compreender que Ele traz não apenas solidariedade de ocasião, mas amor verdadeiro que abre portas a futuros melhores. Nestas ceias de Natal os que não têm ninguém encontram corações que os amam e que os ajudam a descobrir caminhos novos a percorrer.
• O Natal dos Hospitais é um Natal de alegria. Juntam-se inúmeros artistas que gratuitamente oferecem o seu saber a todos os que sofrem e aguardam a sua cura. Em nenhum lugar como este, o hospital, era importante anunciar também Jesus como fonte de conforto e esperança. De facto, as referências espirituais são elemento terapêutico essencial na vida de quantos se confiam aos cuidados de saúde para se sentirem melhores. Também com Jesus o Natal dos Hospitais pode ser melhor.
Não falamos do Natal nas escolas, do Natal nas empresas ou do Natal nas prisões. Todos estes e muitos outros, com a presença de Jesus, teriam um rosto gerador de serenidade e de paz. Em todos os Natais que a sociedade foi construindo é preciso fazer nascer Jesus, razão única do verdadeiro Natal.
4. O Natal dos cristãos tem marcas fundamentais que permitem viver este tempo com sentido novo, de uma profunda renovação na fé e na caridade. A fé relaciona-nos com Cristo em intimidade profunda, a caridade põe-nos ao serviço dos irmãos numa disponibilidade total, com a única preocupação de os fazer felizes. O Natal para os cristãos deverá ter três dimensões: o encontro pessoal com Cristo, a partilha da fé na comunidade, a capacidade de amar os outros até à exaustão.
• O encontro com Cristo aprofunda-se maravilhosamente na oração, onde se faz a experiência de um Deus Menino, com quem se conversa aceitando depois as respostas que, através da Palavra, Ele nos dá.
• A vida comunitária é o resultado lógico da aceitação de Jesus como cabeça do Povo de Deus. As celebrações de Natal vividas em comunidade adquirem um sentido completamente diferente. É quase a antecipação da felicidade que um dia será vivida na casa de Deus.
• O serviço dos irmãos é outro elemento indispensável para celebrar o Natal. Mais do que a partilha de bens, o importante é a partilha do tempo, da palavra, do sorriso, da capacidade de ouvir, da disponibilidade radical.
Os cristãos não podem limitar-se a uma festa de Natal vivida com os seus mais próximos. A Missa do Galo é a expressão máxima de um Natal vivido em comunidade, quando a família humana se alarga e a comunhão com os outros se revela plenamente. Neste Ano da Fé, o Natal de todos nós tem que estar carregado da ternura, da reconciliação, do serviço, da paz que só em Jesus conseguimos encontrar.
Pe. Vitor Feytor Pinto-Prior