AO RITMO DO VATICANO II – 20 Janeiro de 2013

1. Foi a 11 de Outubro de 1962 que começou o Concílio Vaticano II. Ao longo da década de 50 já Pio XII imaginara uma profunda reflexão sobre a Igreja e sobre a sua presença no mundo. A 11 de Fevereiro de 52 o Papa fez até um discurso notável em que dizia ser necessário “transformar o mundo de selvagem em humano, de humano em divino, isto é, segundo o coração de Deus”. Pio XII falava assim pela proximidade da Segunda Guerra Mundial que terminara em 45. A Europa estava devastada e a Igreja sentia a necessidade de colaborar na sua reconstrução. Este Papa, porém, não teve coragem de convocar o Concílio. Foi o seu sucessor, João XXIII, que num rasgo do Espírito quis anunciar aos Cardeais a necessidade de convocar um Concílio para levar a Igreja com todos os seus valores ao coração do mundo renovando-o completamente, segundo o projecto de Deus. O Vaticano II, convocado pelo Papa João, é um Concílio Ecuménico que o próprio Papa considera uma surpresa do Espírito; uma irradiação da luz sobrenatural; uma grande suavidade no coração que despertou todo o mundo para um tempo novo. O Vaticano II tem, então, caraterísticas próprias:

• A finalidade principal não é a discussão de um ou outro ponto da doutrina.

• Procura-se a renovação da Igreja numa sociedade que mudou. Quando a comunidade dos homens entra numa ordem nova a Igreja tem a obrigação de reflectir sobre o seu papel no mundo em termos de construir nele um tempo novo, um tempo de salvação.

• Trata-se de pôr o mundo moderno em contacto com as energias vivificadoras do Evangelho. Para além do progresso material é urgente o igual crescimento no campo moral. O mundo precisa dos valores do Espírito porque só neles o homem pode ser salvo.

• A Igreja é chamada a não cair no desânimo e a dar o seu contributo para a transformação da sociedade. A Igreja de Cristo, cheia de vitalidade, pode trazer ao mundo actual razões de esperança.

• A evangelização deste mundo moderno supõe que a doutrina de sempre seja apresentada de uma maneira nova, o que se faz com paciência, serenidade, persistência e sentido pastoral.

Ao reler estes objectivos definidos para o Concílio Vaticano II, tem-se a sensação de estar a falar do mundo neste terceiro milénio, onde a Igreja tem o dever de estar presente com toda a sua capacidade de intervenção para que a sociedade se torne espaço de verdade, de justiça, de amor e de paz. Não é um Vaticano III que deve realizar-se, é o espírito do Vaticano II que é urgente pôr em prática.

2. Há uma semelhança imensa entre a década de 60 do século passadoe esta segunda década do terceiro milénio. São as transformações que continuam a um ritmo alucinante, é a procura dos novos métodos para a solução dos problemas, é uma crise de fé que se acentua e um relativismo ético que permite todas as loucuras. Assim sendo, olha-se para o mundo de hoje e sente-se a urgência da Igreja ter nele uma intervenção redentora. A palavra dos Papas, João Paulo II e Bento XVI, são motivadoras para abrir caminhos novos no respeito pela dignidade humana, no culto da liberdade responsável, na construção da paz em todos os lugares. Como na década de 60, o mundo de hoje procura avanços na ciência e na técnica, os povos ainda dependentes lutam pela sua autonomia e capacidade de afirmação, a cultura e as artes ensaiam novas expressões e, também, agora, a sociedade se vai afastando cada vez mais de Deus. É por tudo isto, e por muitas outras coisas, que é fundamental rever o Vaticano II para levar à prática muitas das suas orientações.

• No mundo materialista e dominado pela razão, a Igreja tem o dever de propor atitudes de fé, centradas na Pessoa de Jesus Cristo, o único de quem pode vir a salvação para todos.

• No mundo individualista em que cada um se preocupa exclusivamente consigo próprio, a Igreja pode oferecer um modelo de comunidade que, aberta a todos os homens, acolhe, respeita, compreende, estimula e acompanha todos para que possam atingir a felicidade a que têm direito.

• No mundo hedonista e permissivo a Igreja pode oferecer um sentido ético que, nos valores universais, garante a todos o respeito da própria dignidade e ainda a promoção dos direitos fundamentais, aliás, consagrados na Carta Universal dos Direitos Humanos.

• No mundo preocupado quase exclusivamente com o económico, a Igreja pode ajudar a descobrir novas referências que provocam a atenção ao outro, a solidariedade com os mais pobres, a partilha de bens essenciais para que cada um supere as próprias dificuldades e descubra que vale a pena viver.

Não é um terceiro Concílio Vaticano que a Igreja precisa. Urgente é descobrir a originalidade do seu fundador, Jesus Cristo, que soube propor o perfil do homem novo para a construção do mundo novo, aquele onde todos podem e devem ser felizes. A identificação com Cristo é elemento indispensável para a transformação completa das pessoas e através delas para a construção de uma nova sociedade.

3. O Vaticano II tem linhas de força que é necessário pôr em prática. Apenas se anunciam, o que permitirá mais tarde sobre elas reflectir. Quais são estas linhas de força?

• Uma nova concepção da Igreja: mais do que sociedade dos verdadeiros cristãos, a Igreja é Povo de Deus, tendo como referência Cristo, como condição a dignidade e liberdade humana, como mandamento o amor e como projecto a felicidade (cf. LG 9).

• A missão dos leigos: “compete-lhes tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus, para que progrida, e assim glorifique o Criador e Redentor” (LG 31). A acção dos leigos é indispensável para a presença da Igreja no mundo.

• A vocação universal à santidade: se a santidade “é a plena e perfeita comunhão com Cristo” (LG 50), todos são chamados a este encontro pessoal com o Senhor Jesus, que permite viver segundo o Evangelho em todas as situações da vida e a celebrar com Ele uma união vital que se concretiza no amor a Deus e aos irmãos.

• A relação da Igreja com o mundo: a Igreja celebra constantemente perante o mundo, uma nova encarnação. Se Jesus não veio para condenar o mundo, mas para que ele seja salvo, a missão da Igreja pretende precisamente, pela evangelização, a transformação do mundo nas situações concretas: na família, na cultura, no socioeconómico, na política e na construção da paz (cf. GS, 2ª parte).

Como suporte para estas linhas de acção impõem-se o aprofundamento da Palavra e a celebração da liturgia. Se a Palavra ilumina, a liturgia compromete. Passam por estas linhas de força as normais exigências da presença da Igreja no mundo.

4. A Comunidade Paroquial do Campo Grande quer, neste Ano da Fé, aprofundar os desafios do Concílio Vaticano II, mas deseja sobretudo que todos os cristãos da comunidade levem os valores do Concílio às situações de vida que são as suas.

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