O DINAMISMO DA COMUNHÃO – 27 Janeiro de 2013

1. Ao reflectir sobre a Igreja o Concílio Vaticano II insiste na importância da comunhão com Deus e da comunhão com os irmãos. Na Lumen Gentium refere-se o mistério da comunhão que é vivido no novo povo de Deus que é a Igreja. Ao citar a primeira Carta de S. João, o teólogo Yves Congar define com muita clareza a relação entre o amor de Deus e o amor fraterno. S. João diz “que a minha comunhão convosco seja também comunhão com o Pai e com o Seu Filho Jesus Cristo” ( 1Jo 1, 3). O teólogo do Concílio explica que a união a Deus é o suporte do amor fraterno e a comunhão com os irmãos é o testemunho da relação com Deus. É este o dinamismo da comunhão, essencial à vida da Igreja. Em última análise, o que se pede aos cristãos é que em Igreja vivam o amor até à unidade. É possível rever o texto de João:

• A minha comunhão convosco – esta expressão revela o amor aos outros sem condições, corresponde ao mandamento novo definido por Jesus, marca o mundo das relações entre os cristãos e, até, os não cristãos, na construção de uma sociedade nova, um mundo de paz. A comunhão fraterna é mesmo essencial para o ser cristão.

• A comunhão com o Pai – não é por acaso que os cristãos chamam a Deus, Pai. Foi Jesus que o pediu ao dizer aos discípulos, referindo-se a Deus “meu Pai, vosso Pai”(Jo 20, 17). Deus fez-se próximo do ser humano assumindo-se como Pai que zela pelos seus filhos. Reclama mesmo uma certa intimidade porque é através desta que mais facilmente se percorrem os caminhos pedidos por Deus. A comunhão com Deus Pai é exigência na vida do crente.

• A comunhão com o Seu Filho Jesus Cristo – a relação do homem com Jesus é pautada pela ternura de Deus: “Deus amou de tal forma o mundo que lhe deu o seu próprio Filho” (Jo 3, 16). Neste ritmo de amor, o Filho Unigénito de Deus, Jesus Cristo, vem, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. A dinâmica do amor, que move Deus e se realiza em Jesus, pede a resposta do homem com uma fidelidade cada vez mais afirmada. A comunhão com Cristo é a normal forma de viver dos cristãos. Paulo poderá dizer “já não sou eu que vivo, é Ele que vive” (Gal 2, 20).

• A comunhão na força do Espírito – se o Espírito Santo é relação de amor entre o Pai e o Filho, na dinâmica da Trindade, se o Espírito Santo é dado por Jesus Cristo como o Paráclito, o permanente defensor na vida do homem, se até o próprio corpo é templo do Espírito Santo (1Cor 6, 19), como diz Paulo, então a comunhão permanente com o Espírito Santo é o fermento essencial ao amor que o cristão vive em todas as situações.

• É a comunhão que faz a Igreja – de facto, a Igreja enquanto Povo de Deus consagra a unidade na diversidade, com a complementaridade necessária, através de relações de amor. A Igreja é um mistério de comunhão. Com razão, Jesus dizia na sua oração sacerdotal: “que todos sejam um como Eu e o Pai somos um e, por isso, creia o mundo que Tu me enviaste” (Jo 17, 21).

O dinamismo da comunhão é um dos maiores desafios que o Concílio Vaticano II propôs aos cristãos do mundo inteiro. Não basta a comunhão com o Papa, na Igreja universal, ou com o Bispo, na Igreja diocesana. É essencial viver em comunhão com todos os membros da Igreja para que a unidade seja o sinal de que Deus se revelou ao mundo por seu Filho, Jesus Cristo. Jesus afirmou ao dizer “e assim creia o mundo que Tu me enviaste” (Jo 17, 22).

2. O mundo contemporâneo está marcado por roturas e divisões. No universo geográfico, é o Oriente e o Ocidente; no diálogo político, são as direitas e as esquerdas; na sensibilidade religiosa, as divisões são imensas. Depois, nas relações entre os humanos, as roturas multiplicam-se: na família as tensões e os divórcios, nas empresas as reivindicações e as greves, na sociedade, as ideologias e as oposições sistemáticas, em tudo, a necessidade de provocar o contraditório para conseguir salvar a posição de uns poucos. É estranho este mundo actual onde a procura da unidade é quase impossível. Até na própria Igreja se sentem as correntes de divisão e rotura:

• Na reflexão sobre o Concílio mantêm-se as correntes dos progressistas e dos conservadores. Se os primeiros querem mudar tudo numa preocupação pela modernidade, os segundos querem deixar tudo sempre na mesma, voltando constantemente às práticas pré-conciliares.

• Na relação hierárquica, ao redefinir a missão de cada um, nem sempre diáconos, sacerdotes e Bispos são capazes de encontrar o consenso para a renovação equilibrada da comunidade local. O debate sobre a acção pastoral é muitas vezes interminável pela dificuldade em aceitar as propostas dos outros. A decisão que cabe ao Bispo torna-se, então, mais difícil.

• Na diversidade de movimentos surgem imensas vezes tensões incompreensíveis. Cada grupo de cristãos, querendo ser fiel ao seu carisma, esquece que vocações, funções e carismas estão ao serviço da unidade, porque é um e só o mesmo Espírito. Todos os cristãos, qualquer que seja o movimento que os congregue, todos têm “uma só fé, um só Baptismo, um só Deus que é Pai de todos” (Ef 4, 5-6). O diálogo entre carismas para a unidade da Igreja é mesmo essencial.

• Na atitude crítica, tantas e tantas vezes cai-se numa radicalidade frustrante. É claro que o sentido crítico nas actividades pastorais é do maior interesse para a criatividade que abre a porta a novos caminhos. A crítica, porém, tem o dever de ser inteligente, servindo o bem comum e não o capricho de protagonismos inúteis. Aceitar perder é um factor muito importante na construção da unidade.

• Na pouca sensibilidade para a mudança apercebe-se que muitos dos cristãos, em acção pastoral, têm muita dificuldade em deixar as rotinas, instalando-se em processos repetitivos que retiram todo o entusiasmo para a acção a desenvolver. Se a mudança tem que ser equilibrada, sem dúvida que ela pede também o dinamismo da criatividade para ensaiar novos objectivos, novas metodologias, no processo de evangelização que a cada comunidade compete.

Apesar das divisões e roturas que são caraterísticas do mundo contemporâneo, a vida da Igreja oferece, como sinal, a sua unidade numa comunhão que, em cada dia, tem de ser maior.

3. Pela reconciliação até à comunhão na unidade é o dinamismo próprio da Igreja. O Evangelho tem expressões maravilhosas que conduzem a esta reconciliação. Perdoar sempre é o lema do cristão, não sete vezes, mas setenta vezes sete, como diria Jesus a Pedro. A correcção fraterna faz parte da expressão de amor, já que não se adverte o outro para o condenar, mas para o salvar. Dar prioridade à reconciliação sobre o sacrifício é norma proposta por Jesus quando diz “deixa a tua oferenda em cima do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão” (Mt 5, 21). Que todos sejam um, é o desafio definitivo que os cristãos não podem ignorar. É a partir destes e de tantos outros textos do Evangelho que se entende melhor a dinâmica da comunhão. Nas comunidades cristãs de que fazemos parte, seja a Paróquia, o grupo de trabalho ou o movimento em que se está inserido, é fundamental ter atitudes concretas que geram comunhão.

• Saber perdoar – nem sempre é fácil, mas a capacidade de perdão é a marca que estabelece a diferença entre o cristão e o não cristão. Por diversas vezes, o Evangelho faz apelo ao perdão total, convertendo em festa o acolhimento daquele com quem se estava em rotura.

• Saber aceitar a diferença – são múltiplas as diversidades no espaço de convívio e acção onde o cristão se move. Há diversidades de idade, de cultura, de estatuto social, de raça, e, até, de maneira de celebrar a fé. Tratar a todos por igual e a todos cuidar quando necessário é um desafio fabuloso que se torna padrão de vida para o cristão.

• Saber agir tendo como objectivo o bem comum – o mais importante para o cristão não está em procurar o próprio interesse. Tudo o que se faz deve estar ao serviço do bem comum, caso contrário estigmatizam-se os que ficam à beira do caminho e não podem receber da comunidade cristã a salvação a que têm direito.

• Saber ser igual para todos – é a proposta de Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, quando diz que compete ao cristão “acolher e compreender todos os homens e ser solidário, sobretudo para com os mais pobres” (EN 21).

• Saber encarnar a Pessoa de Jesus – é também dinâmica de comunhão tornar-se, cada cristão, disponível para repetir, no tempo presente, os gestos de Jesus. É que, quando estamos reunidos em Seu nome, é Ele que se torna presente aqui e agora.

O dinamismo da comunhão exige uma certa aprendizagem que só é possível no esforço vivido por cada um e na forma como a própria comunidade se organiza. Esta é a tarefa ingente neste Ano da Fé que é também ano comemorativo dos 50 anos do Vaticano II.

4. A nossa comunidade do Campo Grande deve ter como objectivo construir a comunhão. Os cristãos que fazem parte da comunidade não podem ser pessoas que vêm aqui apenas para receber, indiferentes a todos os outros, devem ser pessoas que estão na comunidade para participar, criando uma profunda comunhão de amor que lhes permite levar a toda a gente os valores que aqui conseguem encontrar. Só pelo amor se chega à unidade.

Comments are closed.