1. Durante muitos séculos, ao falar-se da Igreja, todos pensavam estar a falar-se do Papa, dos Bispos e dos sacerdotes e, quando muito, consideravam-se também os religiosos como membros activos, sobretudo no campo missionário. Os leigos estavam à parte e não eram tidos em conta na acção que a Igreja desenvolvia. Praticamente e salvo raríssimas excepções, os leigos não eram mais do que receptores da mensagem do Evangelho. Os sacerdotes mandavam e os leigos obedeciam; os sacerdotes ensinavam e os leigos aprendiam; os sacerdotes administravam e os leigos participavam com donativos. Vale a pena ver a história do laicado a partir dos finais do século XIX. Até aí os leigos eram simples fiéis. Houve, porém, três grandes etapas na reflexão sobre o laicado e o seu papel na Igreja. Foram seus mentores três grandes Papas: Leão XIII, Pio XI e Paulo VI.
• A questão social – com o fenómeno da industrialização surgiu no mundo a celebérrima questão operária, com as normais lutas entre os patrões e os trabalhadores. Era uma mudança radical da sociedade. A Igreja não quis estar à margem desta situação e Leão XIII, com uma clarividência extraordinária, escreveu a Encíclica Rerum Novarum, dando orientações precisas no campo da doutrina social da Igreja. A partir daí, os leigos, operários ou patrões, têm uma carta de comportamento social de matriz cristã, promovendo em todas as circunstâncias a dignidade do trabalho humano.
• A Acção Católica – foi Pio XI no princípio da década de trinta que instituiu no mundo o Apostolado dos Leigos. Numa grande dependência dos Bispos, é certo, a Acção Católica foi uma escola de formação do laicado, responsabilizando pelos valores cristãos no mundo em que estes desenvolviam a sua actividade. Agricultores, estudantes, operários e universitários puderam organizar-se para um trabalho pastoral na Igreja e no mundo.Também cristãos independentes podiam assumir o seu papel na sociedade. Durante dezenas de anos foi constituída uma elite de cristãos preocupados por avaliar situações e introduzir em todas elas os valores do Evangelho. A Acção Católica foi uma verdadeira escola do laicado.
• O Concílio Vaticano II – quando João XXIII convocou o Concílio falava do aggiornamento da Igreja. Esta renovação exigia rever o papel do laicado. Só a partir da Lumen Gentium é que os leigos deixaram de ser simples fiéis. O Vaticano II define-os como membros “incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, e exercendo no que lhes toca a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo” (LG 31).
Com a Lumen Gentium, os leigos adquiriram na Igreja o seu estatuto. Não podem mais ser chamados “simples fiéis”. É urgente a sua intervenção na sociedade (cf. Rerum Novarum), devem ter uma formação exigente (cf. Acção Católica), têm um campo de acção específico com plena autonomia no coração do mundo (cf. LG).
2. Perguntar-se-á qual a competência dos leigos? A resposta é dada pelo mesmo Concílio: “pertence-lhes tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus, para que progrida e assim glorifique o Criador e Redentor”. É claro que a ordem temporal não é dentro das igrejas, mas nas grandes estruturas da sociedade. Quem o diz é o mesmo Concílio na constituição Gaudium et Spes. As estruturas onde o leigo actua são a família, a cultura, a actividade socioeconómica, a política e a construção da paz. É esta a missão específica do leigo. É ali que o leigo tem que implantar os valores do Evangelho. Se a hierarquia no plano doutrinal pode indicar caminhos, a intervenção no concreto pertence ao leigo, com missão que lhe é exclusiva.
• Construir a família enquanto “espaço social onde a vida nasce, cresce, e se desenvolve até à felicidade de todos os seus membros” (Cf. LG 40), é a primeira missão de todos os leigos. Se a família é a célula primária da sociedade, os cristãos têm que assegurar-lhe a unidade, a fidelidade e a fecundidade, num amor uno, indivisível, fiel e fecundo.
• Promover a cultura é outra missão do leigo. No mundo dominado, tantas e tantas vezes, pelo agnosticismo, a cultura, alicerçada nos valores cristãos, tem que ser difundida na sociedade. Aliás, a civilização cristã não é a matriz de toda a história humana? Às múltiplas filosofias, ideologias que se afastam de Cristo, os cristãos contrapõem as grandes referências do Evangelho, alicerçado na verdade, na justiça, na liberdade, no amor e na paz. A cultura é dos maiores desafios colocados aos cristãos leigos.
• Garantir o equilíbrio económico-social é também missão para os leigos. No mundo dominado pelos problemas da economia, exigindo mecanismos de solidariedade até poder concretizar-se aquilo que se julgou chamar o estado-social, a presença dos cristãos é insubstituível. Não é possível uma sociedade justa sem a dimensão da caridade, responsabilidade pelo outro, em todas as estruturas e em todas as decisões. É nobre o papel do leigo cristão neste campo de acção social.
• A intervenção política faz também parte da tarefa do leigo no mundo actual. Não é possível construir uma cidade justa e fraterna sem a tolerância, o diálogo, o serviço do bem-comum. Os cristãos têm capacidade única para gerir, na cidade, a igualdade e a solidariedade necessárias. Ficar à margem do caminho, neste campo, seria quase uma traição. Aliás, não foi Jesus Cristo que alertou os responsáveis do povo para a transformação da sociedade? É altura dos leigos se prepararem para as responsabilidades políticas indispensáveis no tempo presente, e que ao chegarem a lugares de intervenção possam fazê-lo sempre segundo os padrões do Evangelho.
Lançar os fundamentos da paz é também preocupação do laicado. Muito se tem escrito sobre a urgência da paz. Já quase tudo foi dito, mas é preciso agora construí-la. Para além da paz internacional, que pode não depender de todos os cristãos, os cristãos leigos são agentes de paz na família, na cultura, na economia e na acção política. Gerar a reconciliação é um desafio ingente para os cristãos leigos.
3. “Dar testemunho de Cristo em toda a parte e, àqueles que lho pedirem, dar razão da esperança que há neles” (cf. LG 36) é o apelo à acção pastoral que aos leigos é feito. Vale a pena referir que este testemunho reclama uma preocupação dominante a três dimensões: a luta pela dignidade humana, sempre, a promoção da actividade humana em cada circunstância e a construção da comunidade humana em todos os lugares. Dignidade, trabalho e sociabilidade são padrões cristãos que é necessário levar a toda a parte. Para estudá-los teremos três painéis na nossa Paróquia a 14, 21 e 28 de Fevereiro. Foi-nos pedido que reflectíssemos sobre a relação da Igreja com o mundo. Muita desta relação é realizada pelo laicado e é desejo de toda a comunidade que aprofundemos a missão dos leigos na Igreja e no mundo. Não deixem de aparecer.