1. Ao reler os documentos do Concílio Vaticano II, é-se surpreendido com o facto de quase não se falar dos doentes. Apenas por quatro vezes os padres conciliares referiram a importância do cuidar das pessoas que estão feridas de uma enfermidade. Estas citações encontram-se na Lumen Gentium, ao falar do Povo Santo de Deus, na Presbyterorum Ordinis, ao referir a tarefa dos sacerdotes junto dos enfermos e finalmente na Sacrosanctum Concilium ao referir-se a importância do sacramento da Unção. No final do Concílio, aquela grande assembleia deve-se ter dado conta desta falta de atenção aos doentes. Foi por isso que Paulo VI e os padres conciliares a 8 de Dezembro de 75 enviaram uma mensagem de solidariedade para com os pobres, os doentes e os mais necessitados. Só 20 anos mais tarde, a Igreja decidiu debruçar-se sobre o problema da Pastoral da Saúde, pedindo um cuidado integral com todos os que venham a ser tocados por qualquer enfermidade. João Paulo II sofrera um atentado, vivera meses na clínica Gemelli, acompanhara o movimento de médicos e enfermeiros no cuidar de quantos estavam em sofrimento. Ao sair da clínica, escreveu uma Carta Apostólica, lindíssima, a que deu o nome de Salvifici Doloris e, depois, a 11 de Fevereiro de 85, pelo motu próprio Dolentium Hominum, instituiu o Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde. Num tempo em que a saúde é um dom precioso que todos cultivam, a Igreja não podia deixar de ter um departamento especial para dar atenção à saúde das populações. Prevenir as doenças, cuidar dos doentes, acompanhar os doentes e proporcionar-lhes os dons espirituais de que a Igreja é portadora, é missão, hoje, da Pastoral da Saúde. O mesmo Papa, a 11 de Fevereiro de 1992, instituiu também o Dia Mundial do Doente, para que todas as comunidades cristãs se organizassem no apoio total a dar às pessoas que sofrem qualquer enfermidade. Este ano de 2013, o Dia Mundial do Doente celebra-se em toda a Igreja a partir dum santuário mariano alemão, Altötting, na Baviera. É com a luz deste santuário mariano que se viverá esta data.
2. Como habitualmente, o Papa Bento XVI envia uma mensagem às comunidades cristãs pedindo-lhes para celebrarem o Dia Mundial do Doente. Nos últimos anos, o Santo Padre propôs uma reflexão atenta sobre a parábola do Bom Samaritano. Para concluir o estudo que vem propondo, sugere agora um tema: “vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10, 37). Foi esta a maneira que Jesus quis usar para que o doutor da lei compreendesse o que é fazer-se próximo daquele que está em sofrimento. Na mensagem do Papa há referências de extraordinária beleza:
• No Ano da Fé importa compreender a relação estreita da fé com a caridade. A caridade implica “uma solicitude concreta por quem está ferido no corpo e no espírito, por quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos”.
• Uma releitura da parábola do Bom Samaritano leva a descobrir que nela Jesus está presente de duas maneiras: “Ele é o Filho de Deus, aquele que torna presente o amor do Pai, o amor fiel, sem barreiras nem fronteiras, aquele que se despoja da sua veste divina para, em forma humana, como Bom Samaritano, se aproximar do sofrimento do homem, levando-lhe esperança e luz”. Mas Jesus é também o homem caído na estrada, revestido de todo o sofrimento humano, apelando à misericórdia do cristão que d’Ele se quer fazer próximo. Concretiza-se a Palavra de Jesus: “o que fizeres ao mais pequeno dos teus irmãos é a Mim que o fazes”.
• Para entender estas presenças de Jesus, Bento XVI convida a reler Orígenes, teólogo do século II, Santo Ambrósio e Santo Agostinho, teólogos do século IV, que se apaixonaram pela figura do Bom Samaritano, desafio essencial para a proximidade a ter com todos os que sofrem.
• Mas também hoje há modelos nesta arte de cuidar. Bento XVI fala de Luís Novarese, que dava a maior importância à oração com os doentes nas inúmeras peregrinações que com eles fez a Lourdes; de Raul Follereau, que dedicou a sua vida toda a cuidar dos leprosos; de Teresa de Calcutá, que parava nas ruas a socorrer os moribundos, chegando a levá-los para sua casa.
• Outros modelos que Bento XVI refere convidam a entender o sentido do sofrimento. Foi o caso de Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face, que oferecia o seu sofrimento pelo trabalho missionário no mundo inteiro; de Ana Schäffer, que uniu os seus sofrimentos aos de Cristo, como serviço missionário e de solidariedade para com todos os doentes; e, finalmente, Maria que, de pé junto à cruz de seu Filho, oferecia também todo o seu sofrimento pela humanidade.
Esta mensagem de Bento XVI não pode centrar-se apenas no mundo dos doentes. Há muita gente em sofrimento que precisa de receber a proximidade de quantos vão deles cuidar para serem salvos. Relembrando a Parábola do Bom Samaritano, entende-se o desafio feito por Jesus Cristo “Vai e faz tu também o mesmo”.
3. Pergunta-se muitas vezes o que fazer com as pessoas doentes. Pode ser um avô ou uma avó que estão em casa, pode ser um conhecido que foi hospitalizado para uma cirurgia difícil, pode ser um vizinho com uma doença crónica, ou que, pela idade, já não sai de casa, pode ser um qualquer doente que foi confiado ao grupo de voluntários de que se faz parte. Em todos estes casos se pergunta o que fazer. A resposta aparece luminosa na parábola do Bom Samaritano.
• Viu o homem caído na estrada – quantas vezes na azáfama da vida não se dá conta de pessoas que estão muito perto. Prestar atenção aos outros, reparar nos seus problemas, descobrir aquilo de que precisam, fazer seu o problema do outro é o primeiro passo no cuidado a ter com aqueles que estão doentes.
• Aproximou-se dele – um dos segredos da arte de cuidar está precisamente no saber fazer-se próximo. As inúmeras actividades e preocupações levam a adiar para mais tarde a visita que se deveria fazer, a ajuda que se poderia prestar, o apoio que, através de alguma organização, poderia ser salvador. Apear-se e fazer-se próximo foi o segredo do Bom Samaritano.
• Pensou-lhe as feridas, com azeite e vinho – os cuidados podem ser inúmeros, de natureza social, levando uma refeição, arrumando a casa, rompendo a solidão do doente, mas podem ser também espirituais, fazer companhia, dar tempo à oração, proporcionar sacramentos. Tudo isto é cuidar para lá dos cuidados clínicos. Os cuidados sociais e espirituais são também indispensáveis.
• Levou-o à estalagem – a hospitalidade faz parte dos cuidados a ter com os doentes. A estalagem do Evangelho pode ser o hospital, a unidade de cuidados continuados, o lar ou a residência de idosos, ou até a casa de família. Proporcionar esta hospitalidade é parte integrante da arte de cuidar.
• Pagou e prometeu voltar – nesta simples expressão está a garantia da continuidade nos cuidados que se prestam. Quer na acção social, quer na pastoral da saúde, sempre relacionadas entre si, é indispensável dar continuidade ao apoio que se proporciona aos doentes. O diálogo da amizade de que fala Saint-Éxupery no Petit Prince é indispensável, simplesmente porque quando se tem um amigo, uma hora antes dele chegar já se está a ser feliz.
Este espírito no cuidado com os doentes dará resposta a todas as necessidades físicas, sociais ou espirituais que ele tenha. O cuidado integral pelo doente é elemento chave da Pastoral da Saúde.
4. A Comunidade Paroquial do Campo Grande desde há muito celebra o Dia Mundial do Doente. A Santa Unção é vivida na Eucaristia de domingo, para quantos podem vir à igreja participar nela. Durante as duas semanas seguintes, porém, vão visitar-se os doentes retidos em sua casa. É um ambiente de festa em que pela Unção dos Doentes e a Comunhão Eucarística se celebra a grande festa da saúde que a todos proporciona felicidade.