1. As comunidades cristãs vão viver uma Quaresma diferente. A 11 de Fevereiro, inesperadamente, Bento XVI, em reunião com alguns cardeais, declara “à Igreja e ao mundo” que vai resignar do Ministério Petrino. Razões de enfermidade e sobretudo de cansaço na sua avançada idade motivaram esta decisão. É o amor à Igreja que o leva a refugiar-se no mosteiro onde ficará em oração, oferecendo o seu sofrimento pela Igreja. É em pleno Ano da Fé, quando se celebram 50 anos do Concílio Vaticano II que, em gesto inovador, o Papa declara a sua resignação. Estes são três acontecimentos que vão dominar toda a Quaresma: o Ano da Fé, a comemoração do Concílio e a abdicação do Papa do seu Ministério de Bispo de Roma.
• O Ano da Fé – durante esta Quaresma não pode ignorar-se que o desafio de uma fé comprometida é feito a todos os cristãos. No mundo que está perdendo a fé e recusa os valores espirituais, os cristãos têm o dever de repensar a sua relação com Jesus Cristo. Se a fé é a adesão de amor à Pessoa de Jesus na prática de todos os dias, vive-se muitas vezes à margem dos grandes ideais que Jesus reformulou. Viver a fé cristã implica ser verdadeiro, praticar a justiça, manter em tudo a liberdade, e com todos ter relação de amor, de perdão e de unidade.
• A evocação do Concílio – há 50 anos, o Vaticano II criou as condições para um verdadeiro “aggiornamento” da Igreja. No campo teológico, a precisão dos conceitos; na vida litúrgica, a beleza das celebrações participadas por todos; na acção pastoral, uma nova relação da Igreja com o mundo, com especial atenção à cultura, à economia, à política, ao desenvolvimento, à paz. A esta distância tem-se consciência de que há muito do Concílio por fazer. Assumir esta responsabilidade é também apelo quaresmal.
• A resignação do Papa – Bento XVI escolheu a proximidade de Quarta-Feira de Cinzas, para, com um choque mediático, anunciar a alguns cardeais a sua resignação a 28 de Fevereiro. Este facto obriga a Igreja inteira a perguntar-se, porquê. Poderia ter escolhido o terminar do Ano da Fé, mas não quis fazê-lo. Preferiu, no quase início da Quaresma convidar a Igreja inteira a uma reflexão profunda sobre o Ministério do Papa. Uma saúde abalada e a gravidade dos problemas do mundo forçaram-no a esta decisão. Ela é, porém, reveladora de um grande amor à Igreja, uma vez que, recolhido no mosteiro, ficará em oração, a oferecer por ela todo o seu sofrimento. Se João Paulo II não quis descer da cruz, Bento XVI optou por subir agora para a cruz.
Tudo isto se torna um convite a que a Quaresma de 2013 seja mesmo diferente. Não são apenas os cristãos a serem chamados à conversão. É a Igreja inteira que se vê obrigada a uma renovação profunda, até com a eleição de um novo Papa. Não será toda esta cadeia de acontecimentos uma forte manifestação do Espírito Santo?
2. Quando Bento XVI ascendeu ao Supremo Pontificado, julgou-se que ele seria um Papa conservador. A pouco e pouco o mundo foi compreendendo que não era assim. Inúmeros sinais revelaram-no não apenas um doutrinador, mas, sobretudo, um inovador. O diálogo com os muçulmanos e com os patriarcas orientais abriram a porta a uma relação inter-religiosa verdadeiramente expressiva. O contacto com as multidões, não apenas na Praça de S. Pedro, mas nas grandes Jornadas da Juventude e em todas as viagens apostólicas, manifestaram um homem de relação cativante, com palavra oportuna para todos. A sua coragem ao enfrentar os erros de uma Igreja que, sendo santa, não deixa de ser pecadora, indica um Papa decidido, quando todos o consideravam um homem tímido. A serenidade, nos momentos em que tudo parecia desabar sobre ele, foi a pedra de toque de um pontificado revelador de um profundo amor à humanidade. Afinal ele é um Papa do terceiro milénio.
As marcas do seu pontificado estão nas três grandes encíclicas que nos deixa:
• Deus é amor – numa linguagem em que cita autores não cristãos, Bento XVI fala de Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem pelo imenso amor do Pai. Para a fé dos cristãos a única referência é Jesus Cristo, razão de ser de todas as opções, nas mais diversas circunstâncias da vida.
• Salvos pela esperança – numa sociedade marcada tantas vezes pelo desespero, precisava-se de ouvir uma voz que falasse da esperança à humanidade. Ao descrever os lugares da esperança, Bento XVI converte o juízo em perdão radical de Deus, o sofrimento em oferenda permanente e a oração em experiência pacificadora.
• A caridade na verdade – relacionar a verdade aos gestos de amor constitui uma inovação no normal discurso dos cristãos. É que a caridade, para ser verdadeira, tem de alicerçar-se na justiça e projectar-se, depois, no perdão e na reconciliação até à unidade. A caridade é também partilha e por isso Bento XVI convida os cristãos a serem solidários com os mais pobres e mais carenciados.
Estas três encíclicas são a síntese do pensamento e acção de Bento XVI. As virtudes que a elas correspondem são caminho quaresmal para qualquer cristão. É na Fé, na Esperança e na Caridade que se prepara a Ressurreição de Cristo a celebrar na próxima Páscoa.
3. Sendo diferente a Quaresma de 2013, até porque toda a Igreja está envolvida na eleição do novo Papa, é preciso valorizar as tradicionais atitudes de penitência. Quem lê o Evangelho de Mateus, dá-se conta de que Jesus pede três coisas como forma de renovação profunda. O jejum, a oração e a esmola constituem a forma de conversão que este tempo santo pede aos cristãos (cf. Mt 6). Se estas propostas parecem antigas é necessário revê-las com uma nova linguagem.
• O jejum é um convite à austeridade permanente, não aquela que é exigida por eventuais medidas de governo, mas aquela que nasce no íntimo do coração. Jejuar é sem dúvida renunciar a muitas coisas para afirmar a liberdade e para cada um se dispor a servir os outros sem condições.
• A oração permite a relação estreita com Deus. Dar tempo a Deus que nos ama, dialogar com Ele, escutar o que Ele tem para dizer, assumir a responsabilidade do amor que se recebe, tudo isto é oração compromisso. Não bastam as palavras: é fundamental escutar o que Deus tem para dizer a cada um, assentando aí a renovação necessária.
• A esmola traduz-se pela partilha que se faz com os irmãos mais pobres. É certo que não se partilham apenas bens materiais; também se partilha o tempo, a palavra, a cultura, a própria fé. No tempo actual, porém, a partilha de bens tornou-se um imperativo para aqueles que, por causa de uma crise injusta, sofrem carências que não conseguem superar.
O caminho quaresmal que se faz durante as próximas semanas deve ser pautado por um programa que cada um constrói e onde tenha lugar o jejum, a oração e a esmola.
4. Na nossa Comunidade Paroquial vamos procurar rezar muito pela renovação da Igreja, sobretudo através da eleição do novo Papa. Não importa a sua origem ou a sua cor: é necessário que o novo Papa seja um homem de Deus que, movido pelo Espírito Santo, torne a Igreja capaz de ser a consciência do mundo, ajudando toda a comunidade humana a ser lugar de encontro, de paz, de felicidade. Durante a Quaresma vamos ter oportunidade de ouvir um “grito” lançado da varanda da Basílica de S. Pedro: “habemus Papam”. Que pela nossa oração o Espírito Santo ilumine a Igreja nesta hora.