O CAMINHO QUARESMAL – 24 Fevereiro de 2013

1. Toda a vida cristã pede um caminho de crescimento constante. É assim na catequese de infância, na progressiva celebração dos sacramentos, no constante aprofundamento da fé ao longo de toda a vida. A Quaresma responde também a este dinamismo que vai sendo proposto pela liturgia durante estes 40 dias de preparação para a Páscoa. O caminho quaresmal, segundo o ritmo do primeiro ciclo litúrgico, o ano A, tem seis etapas, através das quais o cristão se renova profundamente para poder celebrar depois, na Vigília Pascal, a Ressurreição de Cristo. Quais são estas etapas?

• O deserto – é no primeiro domingo da Quaresma que se acompanha Jesus no tempo de preparação para a sua missão que o Pai Lhe confiou. Conduzido pelo Espírito, Ele vive no deserto da Judeia, onde é tentado pelo demónio. As tentações do pão, do dinheiro e do poder absoluto são vencidas pelo recurso à Palavra de Deus. Jesus dirá: “nem só de pão vive o homem, só a Deus hás-de servir, não tentarás o Senhor teu Deus” (cf. Mt 4). Cumpre agora ao cristão vencer as tentações do ter, do poder e do mais fácil.

• A transfiguração – Jesus manifestou-se a Pedro, Tiago e João na grandeza da Sua divindade. Os discípulos preferiam ficar ali no aconchego das tendas que iriam construir. O projecto, porém, é diferente. Com a certeza de que Jesus é o Filho de Deus, eles têm que ir para o mundo anunciar a transformação do mesmo mundo pela força do Evangelho (cf. Mt 17). O cristão tem também que se transfigurar, que se renovar profundamente para, convertido, poder confirmar todos os irmãos. Mudar de vida é a nova transfiguração.

• A água viva – a samaritana fez um caminho de grande exigência. A pouco e pouco compreendeu que o homem sentado no poço de Jacob e que lhe pedia água não era um inimigo, nem mesmo um simples homem, era mais do que patriarca ou profeta, era Messias, o Salvador do mundo (cf. Jo 4). Esta conversão da mulher samaritana é um modelo da conversão permanente que o cristão deve viver. Só em Cristo encontrará a água viva que jorra para o essencial, a vida eterna. Reconhecer Cristo como Salvador obriga a repensar a vida numa perspectiva de salvação definitiva que cada um deverá merecer.

• O cego de nascença – este episódio do Evangelho de João (cf. Jo 9) conduz o cristão a compreender que é necessário ver tudo com o olhar de Deus. Ver de outra forma, não com os critérios humanos, mas com o sentido da justiça e do amor, constitui um desafio para uma vida cristã comprometida. Ver de maneira diferente todas as coisas, todas as pessoas, todas as situações. Olhar tudo de uma maneira positiva, ter capacidade de acolher, de perdoar, de servir, tudo isto só é possível com os olhos de Deus.

• A ressurreição de Lázaro – o amigo de Jesus voltou à vida, para se manifestar a glória de Deus. A sua ressurreição, porém, é efémera porque voltará a morrer. No entanto, Jesus vem anunciar que é Ele a Ressurreição e a Vida (cf. Jo 11). O cristão, enquanto espera a ressurreição definitiva no fim dos tempos, vive como ressuscitado no dia-a-dia, tornando-se novo e fazendo novas todas as coisas. O caminho quaresmal convida o cristão a ressuscitar com o propósito de uma vida cada vez mais identificada com o projecto de Jesus Cristo.

• A Paixão e Morte de Jesus – o Domingo de Ramos, sexto domingo da Quaresma, permitirá colher o exemplo de Jesus para realizar o projecto cristão de vida. Jesus com a Palavra que proclamou e os gestos de salvação que realizou, atraiu sobre si a condenação dos poderosos. Sofreu um julgamento sumário, ao nível religioso, ao nível político, ao nível popular. Acabou condenado à crucifixão. Ser cristão não é fácil, pode-se ser julgado, pode-se ser mesmo condenado, mas a afirmação cristã é indispensável para o mundo novo que se quer construir.

É muito exigente este itinerário quaresmal, mas é com estas diversas etapas que se realiza a renovação espiritual do cristão e o compromisso deste na construção de um mundo novo.

2. Em cada ano, no itinerário quaresmal, há alguma originalidade que dá um sentido novo ao caminho que o cristão percorre. A liturgia do Ano C, mantendo a ideia do deserto e da transfiguração, acrescenta três elementos essenciais para a renovação quaresmal. A alegoria da figueira estéril, a parábola do filho pródigo e o perdão radical concedido à mulher adúltera constituem, de per si, a garantia do perdão misericordioso de Deus.

• A alegoria da figueira estéril – é hábito entre os humanos a fácil condenação dos outros. Normalmente não se tem muita consciência da própria culpa, mas é-se fácil no condenar quem quer que seja, sobretudo os que estão mais próximos e se conhecem melhor. O senhor do campo queria que a figueira fosse arrancada simplesmente porque não dava fruto. Mas o agricultor teve consciência de que podia acompanhar a vida daquela árvore, podando-a, regando-a, vendo-a de perto. Por isso, pediu ao senhor do campo que lhe desse mais algum tempo para chegar a dar fruto. Esta é sempre a atitude de Deus, Ele sabe esperar.

• A parábola do filho pródigo – é certamente um tríptico maravilhoso que tem ao centro, como figura principal, um pai com imensa capacidade de amor. Nas duas portas do tríptico estão o filho mais novo que dispersou todos os bens e o filho mais velho que esperava receber toda a herança. O pai vai ao encontro do primeiro e perdoa-lhe de tal maneira que lhe confia a gestão dos bens através do anel da família que lhe põe no dedo. É o mesmo pai que vai ao encontro do filho mais velho com a garantia de que nada lhe faltará e também ele pode sentir-se feliz quando perdoa ao irmão. Esta parábola fala de um pai pródigo de amor que perdoa sempre, que perdoa a todos, que perdoa sem condições, simplesmente porque ama.

• O episódio da mulher adúltera – os fariseus, preparando uma condenação, quiseram pôr Jesus em questão. Se Ele perdoava não era cumprida a lei, se Ele também condenava não poderia aparecer como mensageiro do amor. Quando no mundo de hoje todos estão prestes a condenar, Jesus resolveu o enigma dizendo apenas: “quem de vós estiver sem pecado atire a primeira pedra” (Jo 8,7). Se a cena se repetisse agora, também seriam os mais velhos a largar as pedras e a partir. Os cristãos não podem condenar. Acolhendo sempre eventuais pecadores têm o dever de ajudar cada um a vencer as dificuldades para ressuscitar.

Estas três páginas do Evangelho ajudam a compreender a liturgia de Domingo de Ramos. Jesus também não condenou ninguém e deu a maior prova de amor dando a vida por quantos veio salvar. Todo o itinerário quaresmal converge para uma conversão radical fundada na misericórdia de Deus e na humildade do pecador.

3. Nesta etapa da Quaresma, já que este domingo é de transfiguração, é urgente definir claramente, em cada cristão, as etapas da mudança. É este o apelo bem simples a quantos fazem parte da nossa comunidade cristã: ver o que mudar, em que mudar, como mudar, para sermos discípulos de Jesus Cristo e n’Ele encontrarmos caminhos de perfeição.

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