1. Na sociedade actual perdeu-se completamente o sentido de Deus. Quando as pessoas não têm alguém a quem se referir e seja para eles um centro de unidade, acabam por se fechar no próprio egoísmo, querendo cada um ficar acima de qualquer outro. Nascem, assim, os egoísmos pessoais e de grupo com uma total incapacidade de se servir o bem comum. O Papa Francisco, no passado dia 13, ao celebrar a Eucaristia na capela de Santa Marta, com a grande maioria dos sacerdotes portugueses residentes em Roma, dizia assim: “Precisamos de um coração aberto, que seja capaz de amar.” Acrescentando logo depois: “se verdadeiramente queremos seguir Jesus, devemos viver a vida como um dom que se dá aos outros e não um dom para se conservar”. Vive-se num mundo dividido pelas ideologias mas, como diz também o Papa Francisco, “o ideólogo não sabe o que é o amor, porque não sabe doar-se”. Comentando a sociedade contemporânea, João Paulo II reconhecia que nela há valores profundos. A preocupação pela dignidade de cada um, um estilo novo de relação entre os homens, uma nova sensibilidade ética, um investimento no progresso científico, e uma indiscutível procura de paz. Esta mesma sociedade, porém, dizia João Paulo II, está carregada de contra-valores que a revelam materialista, sem a espiritualidade necessária. Com uma radiografia precisa, o Papa Woytila citava:
• O materialismo racionalista – afirma-se o valor das coisas, a importância do ter e do poder, a supremacia da razão sobre os afectos, a incapacidade de descobrir a espiritualidade da vida humana.
• O subjectivismo individualista – no meio dos grandes problemas humanos mantém-se no tempo presente o “salve-se quem puder”, sacrificando-se sempre a atenção aos outros nas suas dificuldades e angústias. O egocentrismo torna-se a referência constante nos comportamentos.
• A permissividade hedonista – porque se cultiva o prazer pelo prazer, tudo é permitido, até é “proibido proibir”. A exaltação da liberdade sem fronteiras é a primeira causa da cultura da morte, com o legitimar de todas as atitudes desde que aceites por maiorias. Há, porém, valores absolutos que ficam pelo caminho.
• A visão redutora da sexualidade – o valor máximo do ser humano, que lhe permite ser colaborador de Deus, no mistério da criação, fica reduzido à dimensão de um exercício que compromete o valor mais importante, a afectividade e o amor. Por isso os projectos se tornam sempre temporários, sem compromissos de vida.
• O economicismo radical – neste tempo de crise mundial, a única conversa, qualquer debate, os artigos dos jornais, não falam de outra coisa para além da discussão económica. Mesmo ao referir-se o estado social, as preocupações são o ter e o haver, esquecendo os valores que poderiam suportar a solidariedade necessária.
Perante esta análise feita há anos por João Paulo II (PDV 6 e 7), compreende-se que o mundo de hoje se esvaziou de espiritualidade e perdeu completamente o sentido de Deus. Na proximidade do Pentecostes poderá perguntar-se: e o Espírito onde está?
2. “Só aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito são na verdade filhos de Deus” (Rm 8,14). Jesus, na proximidade da sua partida para o Pai, prometeu enviar o Paráclito, o Consolador, o Espírito da Verdade. Seria o Espírito que lhes ensinaria toda a verdade, recordando-lhes tudo o que Jesus lhes dissera e ensinando-lhes o que Jesus não tinha tido tempo de lhes anunciar. Depois desta promessa, Jesus deu aos Apóstolos o Espírito Santo, com a força de os tornar capazes de perdoar os pecados: “àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 23). Finalmente, na manhã de Pentecostes, o Espírito concedido aos Apóstolos, manifestou-se em “línguas de fogo” a toda a Jerusalém. A partir daí, Pedro proclama a Ressurreição de Jesus, milhares de judeus, vindos de toda a parte, perguntam o que fazer e a Igreja nasce para levar a todo o mundo a mensagem do Evangelho.
• O Espírito Santo é a terceira Pessoa da Santíssima Trindade. É o amor entre o Pai e o Filho, é uma relação em Deus que se tornou pessoa viva e que dá a vida. Na criação paira sobre todas as águas; na redenção faz Maria conceber o Filho de Deus; na santificação abre a porta do amor a toda a criatura. É o Espírito Santo.
• O Espírito vem com os seus 7 dons, iluminando a inteligência do ser humano, com a sabedoria, o entendimento e a ciência; fortalecendo a vontade de todos os humanos com a fortaleza e o conselho; ensinando a amar em plenitude com a piedade e o temor de Deus.
• O Espírito vem com os seus frutos que Paulo, na Carta aos Gálatas, descreve desta maneira: “É este o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio. Contra tais coisas não há lei.” (Gl 5, 22-23). A presença do Espírito na vida do cristão transforma completamente a sua vida e torna-o capaz de estar permanentemente disponível para Deus e para os outros.
O Espírito Santo é ainda, na vida das comunidades cristãs, o “Deus desconhecido”. Não é possível ter discernimento, fazer opções de vida, preferir o bem a qualquer forma de mal, esquecer-se cada um de si próprio, servir sem condições, sem a força do Espírito Santo. O Espírito Santo é o Deus vivo e vivificante que está sempre presente naqueles que acreditam. Por isso tem razão Paulo quando diz que “só aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito são na verdade filhos de Deus”.
3. Cultivar a espiritualidade é uma exigência no mundo contemporâneo. O ser humano foi sempre um ser espiritual. Dotado de inteligência, vontade e sensibilidade, é um ser único, diferente de todos os outros seres. A espiritualidade que o enforma, tem três grandes dimensões: a cultura que o enriquece, as relações que o alimentam, a transcendência que lhe permite uma constante ultrapassagem. Sem espiritualidade o ser humano nunca se realizará completamente. É considerando isto, e tendo em atenção sobretudo a necessidade da transcendência, que o ser humano descobre a importância da religião na sua vida. Como consegui-lo? É essencial o apoio do Espírito Santo na vida de cada um. Favorecem-no três atitudes: a contemplação, o amor fraterno, a construção da paz.
• A contemplação é a forma privilegiada de oração. Por ela se reconhecem as maravilhas de Deus. Como diz o cântico de Maria: “Deus fez em mim maravilhas, santo é o seu nome” (Lc 1, 49). O Espírito vai ajudar a descobrir estas maravilhas de Deus e a dar capacidade de reconhecimento por tudo o que de Deus vem.
• O amor fraterno é a expressão mais forte do amor que Deus colocou no coração do homem. O amor de Deus é o suporte do amor fraterno, o amor fraterno é o testemunho do amor de Deus. Tudo isto se opera em todo o ser humano pelo dom do Espírito.
• A construção da paz é o grande objectivo que nasce da presença do Espírito que paira sobre o mundo. O Espírito Santo é vivo e vivificante, torna o ser humano capaz de acolher, de compreender, de perdoar, de gerar unidade. A paz verdadeira nasce do Espírito Santo.
Não é possível ser cristão sem aceitar a presença do Espírito em todos os momentos da vida. Com razão pode rezar-se “Vem Espírito Santo, enche o coração de todos com a beleza da tua luz”.
4. Na Festa do Pentecostes a nossa Comunidade Paroquial do Campo Grande pede ao Espírito Santo que ilumine o coração do Papa Francisco para a urgente renovação da Igreja. Pede também, ao Espírito Santo o dom da fidelidade em cada uma das iniciativas espirituais que ao longo do ano aqui se vão realizando.