1. Em Portugal, faz parte da tradição celebrar as Festas de Santo António, S. João e S. Pedro. São os Santos Populares. É uma devoção muito antiga que permite celebrar o fim da Primavera e o começo do Verão. Durante séculos as romarias faziam parte da vida das comunidades cristãs. A dimensão lúdica constituía elemento integrante da relação da Igreja com as populações. Porque era necessário dar atenção ao homem todo, não bastava às Paróquias ter um Santo Padroeiro, celebrar-lhe a Eucaristia da festa e fazer-lhe uma procissão como expressão maior de homenagem a prestar-lhe. Havia também a necessidade de contribuir para a alegria de todo o povo. As romarias com a peregrinação até ao santuário, os pic-nics partilhados por quantos vinham à capela do Santo, os cantos e as danças com os fatos característicos da região, tudo, com os foguetes e as bandas de música, permitia um tempo de alegria gerador da reconciliação e unidade de todo o povo. Os namorados encontravam-se e preparavam os seus casamentos. Os casais contavam as suas histórias. Os mais velhos recordavam momentos de uma vida já longa. A oração no templo e a alegria no terreiro constituíam sempre o momento mais alto daquela comunidade, na roda do ano. Assim nasceram muitas tradições:
• Os arraiais, com festões multicolores à volta de pequenos quiosques onde se vendem farturas e muitas outras iguarias;
• As marchas populares, com grupos vindos de todos os bairros e que competem entre si para conquistar o primeiro lugar, pela beleza e harmonia do jogo cénico que conseguiram;
• Os cantinhos de petiscos, pelas escadas da cidade, onde não falta a sardinha assada e o caldo verde a fumegar na tigela;
• As feiras, oportunidade para grandes negócios de animais que se compram e vendem, de frutos da terra que se mostram como especialidade de cada agricultor e com outras tendas de inúmeras quinquilharias;
• Os casamentos de Santo António, momento único para ter uma festa que envolve a cidade toda com a generosidade das empresas e dos populares.
Mais do que expressões de fé, a celebração das romarias são tempos de alegria geral que, vividos à luz da Igreja revelam, a simplicidade do povo e a relação profunda que os sentimentos cristãos continuam a deixar nas populações.
2. Estas festas têm também uma dimensão litúrgica, sobretudo quando se celebram nas aldeias e nas cidades do interior. Os Santos padroeiros constituem uma referência para a gente mais simples. Muitos dão aos filhos o nome do Santo. Talvez por isso sejam muitos os Antónios, os Pedros e os João. A dimensão religiosa está sempre presente quando celebram os Santos Populares. Há comunidades onde a festa é preparada com um tríduo ou uma novena, tempo de aprofundamento da fé, de reconciliação com Deus, de perdão que se oferece aos outros e dos outros se recebe. Antes do barulho da romaria, as comunidades sentem como é importante o silêncio interior, a simplicidade da oração, a paz fraterna. De alguma maneira, pode dizer-se que a preparação espiritual que se fez para a festa do padroeiro, influencia o encontro das pessoas no meio de multidões. Por tudo isto os Santos Populares têm também uma dimensão religiosa que, aprofundada, recorda uma Igreja que sempre soube estar no meio das populações. Os momentos religiosos não são muitos mas têm a força bastante para alimentar a fé das gentes.
• A Eucaristia, a missa solene, é o momento mais alto em que todos querem participar. A leitura da Palavra de Deus e a fracção do pão promovem a comunhão de todos, sinal de unidade, vínculo de amor, de alegria pascal, memorial da Ressurreição de Cristo.
• O sermão, na missa da festa, evoca o padroeiro, comenta a Palavra de Deus, desafia a comunidade a converter-se para celebrar ao longo do ano a verdade, a justiça, o amor e a paz.
• A procissão é uma expressão de beleza que a todos interpela mesmo os não crentes. Como diz o poeta António Lopes Ribeiro: “tocam os sinos da torre da igreja/ há rosmaninho e alecrim pelo chão/ na nossa aldeia que Deus a proteja/vai passando a procissão/ …/ Com o calor, o Prior aflito./ E o povo ajoelha ao passar o andor/ não há na aldeia nada mais bonito/ que estes passeios de Nosso Senhor!/
• A união das famílias talvez seja a riqueza maior que estas festas trazem à vida das pessoas. Chega-se de longe, contam-se histórias, reafirma-se o amor, partilha-se a vida e, assim, a família valoriza cada vez mais a comunhão de todos. Presentes estão os avós, os filhos, os netos e os bisnetos. É momento único.
• O culto do padroeiro revela-se nas inúmeras ofertas que lhe fazem. Com dinheiro e outras lembranças que depois são distribuídas pelos pobres, resolvendo inúmeros problemas de tantas famílias com mais dificuldades.
Vivendo assim a festa da aldeia, da vila ou da cidade compreende-se que não está em questão apenas o ruído dos altifalantes ou dos pregões que se fazem ouvir pela noite fora. A par de tudo isso há desafios que convidam à relação com Deus e à relação com os outros.
3. As Festas Populares podem conter também um projecto pastoral. À luz da experiência de vida de cada santo abrem-se perspectivas de acção pastoral de incalculável valor que podem renovar profundamente a dimensão cristã de cada comunidade. Santo António como franciscano foi amigo dos pobres; S. Pedro em toda a sua vida revelou um amor à Igreja nascente; S. João Baptista nas margens do Jordão convidava à mudança de vida. Com este Santos Populares, com a sua influência, a vida cristã de cada um pode ser melhor.
• O amor aos pobres é um desafio à solidariedade. Neste tempo, experiências como a do pão de Santo António tornam-se sinal de generosidade para com todos aqueles que têm fome e sofrem dificuldades económicas. Os cristãos são chamados à partilha de bens, com a generosidade de que sejam capazes.
• A fidelidade à Igreja é caminho que todo o cristão deve viver. Com o Papa Francisco parece mais fácil este amor à Igreja. Porém, é preciso concretizá-lo com a aceitação de todas as mensagens que do Papa nos vêm. A Igreja tem um papel único na sociedade, ser consciência para o mundo. Os gestos dos cristãos podem ser expressão desta consciência.
• A constante renovação de vida, segundo as exigências do Evangelho, permite um testemunho actual em todas as circunstâncias. Se a fé sem obras é morta, a oração sem o compromisso cristão no mundo seria inútil. Viver ao ritmo de Cristo é desafio que nunca tem limites.
António, Pedro e João, vulgarmente conhecidos como Santos Populares, com imensos arraiais, são também uma referência para a vida cristã de cada um. Assim o queiramos de verdade.