SER PORTADOR DE ESPERANÇA – 10 de Novembro de 2013

1. Com o debate, na Assembleia da República, do Orçamento de Estado (O.E.), cai sobre o país uma estranha onda de angústia. Não são só as perdas de natureza económica que estão em causa, há uma desconfiança colectiva que mina o viver comum. Deixa-se de acreditar em todos quantos têm uma intervenção política, uma vez que não conseguem entender-se, para melhor servir o bem comum. O governo, o parlamento, os partidos, os sindicatos, as associações profissionais não conseguem estruturar uma plataforma que possa criar pontos de partida para a melhor situação dos cidadãos. Todos se perguntam sobre o que irá acontecer.

. Aumentam os números de pobreza e, com ela, muitos perdem o mínimo de qualidade a que têm direito.

. Há muita gente com problemas graves na habitação, nas contas da água e da luz, no acompanhamento dos filhos no que respeita à escola e, até, na alimentação indispensável à saúde suficiente.

. O desemprego tem-se agravado com o fechar de empresas que não aguentam os encargos de laboração, nem conseguem a comercialização indispensável dos seus produtos.

. Os idosos sentem mais o peso da solidão, porque estão cada vez mais abandonados na casa que é a sua. Acontece também que no lar onde foram colocados não têm ninguém com quem estabelecer uma relação próxima.

. Até as crianças perdem tantas vezes o carinho dos pais e dos avós e deixam de sorrir pelo peso da vida que lhes chegou cedo de mais.

É fácil dizer: a culpa é dos governos, são incompetentes; a culpa é dos partidos, são incapazes de diálogo e consenso; a culpa é dos sindicatos, não têm outra linguagem que as manifestações e as greves; a culpa é dos cidadãos, completamente impreparados para este tempo de crise. Qual será a responsabilidade dos cristãos?

2. Pode perguntar-se qual é a missão dos cristãos, nesta hora do país. Toda a oração a fazer é insuficiente, embora sabendo que Deus não abandona aqueles que ama. Mas o Senhor que nos criou foi claro ao dar ao ser humano o mandato de “crescer, multiplicar-se e dominar a terra”. Deus não substitui o ser humano, apenas o acompanha e o protege, mas não o substitui. É por isto que os cristãos devem assumir a sua missão específica que, através do laicado, os leva a “tratar da ordem temporal e a orientá-la segundo Deus, para que progrida e assim, glorifique o Criador e Redentor” (LG 31). Os cristãos não podem ficar de braços cruzados, têm o dever de intervir. O novo nome do amor é intervenção. Os valores cristãos têm de invadir a economia, a cultura e a política. Só com os valores cristãos pode reacender-se a esperança. Pergunta-se quais são esses valores. Foi João XXIII que, em síntese maravilhosa, os definiu como pilares da paz: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor (cf. PT 35).

. A verdade não pode ser substituída pela conveniência. É preciso falar verdade, juntando o parecer de todos, para a solução dos problemas mais difíceis.

. A justiça exige o respeito pela dignidade e pelos direitos de cada um. As pessoas não podem ser sacrificadas nas soluções económicas. A sensibilidade social, tendo em atenção os mais pobres e os que mais sofrem, é fundamental. Mas a cada um é-lhe exigido cooperar em tudo, até onde for capaz.

. A liberdade contraria qualquer forma de escravidão. Infelizmente, na pobreza extrema, as pessoas perdem completamente a liberdade, pelo que se tornam incapazes de trabalhar para o bem comum, o que é tarefa de todos os cidadãos. A liberdade está ao serviço de todos.

. O amor é sinónimo de atenção ao outro, qualquer que ele seja. Não é possível ultrapassar as crises sem a capacidade de amar, o que implica o acolhimento, a compreensão, o perdão, a solidariedade, a partilha de bens, a entreajuda permanente. Uma sociedade sem amor é um campo de batalha em que os conflitos se multiplicam.

É aos cristãos no governo, no parlamento, nos partidos, nos sindicatos, nas autarquias, nas decisões profissionais, nas empresas, que compete introduzir estes valores, os únicos que são portadores de esperança.

3. Um tempo de crise é sempre um tempo de crescimento e de novas oportunidades. É este o desafio que é feito aos cristãos. Estes não têm direito de se lamentar, mas passam o tempo a contar uns aos outros as suas “desgraças”. Aos cristãos são pedidas quatro atitudes fundamentais: a austeridade, a solidariedade, a reconciliação e a confiança.

. A austeridade para o cristão está no estilo de vida. Não são os cortes nos salários e nas pensões que desafiam à austeridade. Perante as dificuldades é preciso acreditar no apelo a um estilo de vida sóbrio, discreto, com serenidade perante as perdas e com uma organização diferente na maneira de viver. A austeridade é uma virtude cristã fundamental.

. A solidariedade leva a assumir na minha vida as dificuldades dos outros. O problema do outro é também meu problema. Não posso alienar-me, desinteressar-me, tenho de ir ao encontro do outro e tudo fazer para o recuperar para uma vida com maior qualidade. Ser solidário é virtude fundamental deste tempo que estamos a viver.

. A reconciliação é um elemento chave na superação das crises. As dificuldades dividem, separam, marginalizam. É a altura de ir ao encontro do outro e, com o outro, fazer um pacto de entreajuda. Deixar de fora as divisões ideológicas, socais, políticas ou económicas. É importante reencontrarmo-nos, dialogarmos, procurarmos o bem comum, respeitarmos e promovermos a dignidade e a liberdade de cada um. Só libertos do egoísmo conseguimos ser reconciliadores.

. A confiança é o segredo do futuro. As pessoas não podem estar desconfiadas dos outros, só porque são diferentes. A tolerância consiste precisamente no aceitar a diferença e descobrir nela os valores que permitem caminhar, eventualmente, por caminhos diferentes. “É preciso acreditar” como diz o poeta. Sem confiança no futuro, pára-se e perde-se completamente o sonho e a utopia.

Os cristãos, em todas as estruturas da sociedade, têm o dever de viver estes valores. Também na cultura, mas sobretudo na economia e na política, estas atitudes tornam-se indispensáveis para se contribuir para a transformação do mundo.

4. Aqui, na Comunidade Paroquial do Campo Grande, sobretudo através da acção social, expressão de caridade, todos têm de conseguir “empurrar” o mundo para melhor.

. Conhecemos políticos, autarcas, empresários, trabalhadores. Como nos relacionamos com eles?

. Temos estruturas profissionais onde se torna indispensável uma renovação. Tornamos eficaz a nossa intervenção social?

. Participamos em tertúlias, seminários, colóquios, onde encontramos propostas que motivariam a nossa intervenção. Temos conseguido levar à prática o que foi reflectido nesses lugares de encontro e de debate?

Perante o tempo difícil, pela nossa intervenção, somos homens e mulheres capazes de introduzir a esperança na nossa comunidade humana.
Cada um redescubra o seu papel e seja arauto de esperança.

Pe. Vítor Feytor Pinto
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